Diário do Alentejo

Digo eu…Ai a IA, a IA...

26 de novembro 2025 - 08:00

Texto Jorge Martins

Imagem Gerada por inteligência artificial

 

Artificial: adj.; que não é natural; fingido; dissimulado; postiço [...] feito ou produzido pelo Homem. In: dicionario.priberam.org e infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa.Do muito que já foi dito, e do tanto que estará ainda por dizer, o que vos digo hoje é apenas um singelo ponto de vista, não tanto na ótica do utilizador, mas mais na ótica do observador.O primeiro sinal de que a inteligência artificial (IA) está em todo lado foi o facto de estar a escrever este texto num computador e o programa onde o faço ter sublinhado automaticamente uma palavra, soltado uma tooltip (ou, em português, uma sugestão de correção) e me ter alertado que faltava uma vírgula na frase que escrevia (que, agora, já lá está!).Mas o segundo sinal, nessa linha de raciocínio, foi o facto dessa mesma ferramenta me ter assinalado com mais um sublinhado um pretenso erro de sintaxe que não existia. Este “pequeno” exemplo é, no fundo, o resumo do que me leva aqui a escrever hoje sobre esta matéria tão sensível quanto atual. Não sou um expert no tema (mas não se impõe, para o caso, que o seja, tampouco nos dias que correm em que toda a gente considera vital “dar os seus 50 cêntimos” para tudo quanto é assunto). Não sou fundamentalista (tal como tento não o ser nas restantes esferas da vida).Não sou polarizador (defendo, antes, o equilíbrio e a coerência).Não sou conservador (dou, aliás, espaço a novas tendências, sempre com a certeza de que têm de me trazer benefícios sem hipotecar a verdade, o rigor e a essência).Não sou hipócrita (acredito que consigo identificar os pontos fortes de cada ferramenta e admito a sua utilização, quando necessária ou vantajosa).Mas, depois do tanto que não sou, importa esclarecer que, como já tive oportunidade de escrever aqui em artigos anteriores, eu sou das palavras. Sou pela essência das e nas pessoas. Sou de verdade e pela verdade. Sou pelo rigor. Sou pela justiça e pela igualdade. E é por tudo o que sou e não sou que sou a favor de que o caminho da educação (seja ela em que momento da vida for) não passa pela proibição, mas pelo ensinamento. O mesmo se aplica à IA. São sobejamente reconhecidas as valências positivas desta poderosa ferramenta que se multiplica em ferramentas várias. Essa não é (nem pode ser!) a questão. Mas é exatamente por isso que devemos tratar esta evolução com o cuidado necessário e com a inteligência obrigatória, pois a única que deve ser artificial é a da ferramenta. Acreditar que temos um substituto, em qualquer dos âmbitos de atuação da nossa vida, é entregar os pontos. É ceder o nosso lugar. É acreditar que há algo melhor do que nós para desempenhar o nosso papel. E esse não pode ser o papel da IA. A IA vem facilitar dinâmicas. Melhorar processos. Acrescentar valor. Mas tem de andar de mãos dadas com a razoabilidade de quem a ela recorre. Sou forçado a recordar a introdução deste artigo: estamos a falar de algo que não é de verdade. Que é falso. Que é falível (tal como o ser humano que, de resto, lhe deu vida).Se falarmos de automação de processos, cuja raíz surge muito antes deste boom, então são inúmeras as vantagens que encontramos no dia a dia corrido de cada um.Mas quando nos viramos para a IA Generativa temos de ser rigorosos. Exigentes. Criteriosos. Inteligentes. A IA Generativa visa gerar conteúdos (de diversas espécies) no lugar do Homem, com base em instruções (prompts) que servem como guião condicionador do resultado, mas também como alimento para estas ferramentas irem robustecendo o seu “conhecimento”.Esta geração de conteúdos será mais ou menos perniciosa consoante a maturidade do utilizador para separar o trigo do joio, como diria o povo. Mas esse mesmo povo tem outra expressão que, a meu ver, tem caracterizado a utilização destas ferramentas: “para quem é, bacalhau basta!” (expressão, aliás, que se lida por esta nova geração que deve ser identificada por uma letra qualquer que agora não me lembro, iria ser alvo de um copy paste para uma qualquer ferramenta de IA, com vista a ser traduzida). Mas, no fundo, é a essa falta de rigor que vou assistindo com preocupação. Já vale tudo na cedência à preguiça mental. A fast food para o intelecto tornou-se numa tendência. Dizem os entendidos que não há tempo a “perder”. E se tivermos “alguém” a fazer por nós, libertamo-nos para outras tarefas de consumo igualmente rápido e saciamento tão voraz como efémero.A verdade é que fica difícil definir um limite para o que é admissível ou aquele onde ultrapassamos o aceitável. E aos olhos de quem é que deve ser definido esse limite? Há uns tempos, numa sessão corporativa, alguém contou esta história: “Recebi um mail de um colega a pedir a confirmação da minha presença num almoço. Ia responder apenas: confirmo. Antes de o fazer, copiei o mail que o colega me havia escrito para a ferramenta de IA generativa e pedi que me respondesse àquele mail de forma cordial. No final, peguei na resposta, enviei... até parecia uma pessoa simpática”.Esta história provocou uma risada generalizada na sala, não só pela verdade como também pela origem da mesma, de quem não se esperava esta partilha tão reveladora. Porém, não me consegui juntar a essa euforia do riso, pois só me ocorreu o perigo por detrás deste tipo de decisão. O que se pretende? Qual o caminho para esta desvirtuação de personalidade? Mais recentemente, num jantar de amigos, uma pessoa dizia que tinha numa ferramenta de IA a sua “melhor amiga” no trabalho, pois estava com cada vez menos capacidade em manter a simpatia ou disfarçar a ira para com o próximo e, como tal, tinha nesse recurso a sua boia de salvação para simular o que não é, mas fazer chegar ao outro lado a ideia do que poderia ser.Também por estes dias, uma figura (muito) pública divulgou um vídeo nas redes sociais, em que fazia um teste a uma ferramenta de IA através de um questionamento sucessivo sobre dados da sua mãe. A curiosidade desta interação é que os dados estavam, na sua maioria, incorretos. Logo à partida pelo facto da ferramenta ter atribuído o estatuto de falecida à mãe da pessoa, incluindo até um local para a sepultura, sendo que a senhora estava naquele momento a acompanhar este teste, ao lado do seu filho... viva, obviamente! Trago este exemplo não pelo teste, mas pela certeza que tenho de que durante uma pesquisa feita pelos tais que “não têm tempo a perder” esta resposta da ferramenta seria tida como dado adquirido e irrefutável, o que nos deve despertar para o sentido de urgência deste paradigma da imediatez versus o rigor. Para esta cultura da perfeição em que o erro ou o desconhecimento não são admitidos. E pelo crédito dado pelos mais frágeis a toda e qualquer verdade que, na sua essência, nem sempre o é. E aqui não basta parecer, é mesmo importante que o seja. Uma das alegações contra a IA que mais se ouve está relacionada com a possibilidade de os empregos hoje ocupados pelo Homem poderem, a curto/médio prazo, vir a ser supridos pela IA. Confesso que me preocupa mais o que vai fazer o Homem com a sua inteligência e com a gestão desta alternativa. O que vejo até agora não augura nada de muito positivo, mas há que continuar a acreditar que contrariar a tendência, aqui e ali, poderá trazer resultados, por mínimos que sejam, na redução do impacto deste tema. Sobre empregos falaremos noutra oportunidade, pois não creio que seja a IA que venha a desempenhar alguns deles, que estão a cair em “desuso” por conta das novas tendências e cujo perigo de extinção extrapola em muito o poder desta, mas coloca o ónus, também aqui, no Homem e no seu desapego pelo amanhã, em detrimento do imediatismo da vida virtual que insistem em viver de forma desmedida e imprudente. A ver vamos...Mas, querem saber o mais surpreendente? Continua a ser possível escrever 7851 caracteres sem recurso à inteligência artificial. Há esperança, digo-vos eu!

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