Diário do Alentejo

Crónica de Jorge Martins: Rede sem limites

15 de agosto 2023 - 14:00
Digo eu...
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Um dos principais desafios dos nossos dias, sim, porque aprendemos diariamente com estas novas formas de trabalhar, e que transportamos para as nossas vidas cá fora, que não há problemas mas sim desafios, é calçar os sapatos do próximo.

 

A empatia e a compaixão dão rapidamente lugar ao julgamento fácil.

 

A Internet, no geral, as redes sociais em particular, abrem uma verdadeira autoestrada onde os cowboys do teclado aceleram quase sempre acima da velocidade limite permitida e, sem punição ou lei a que obedecer, encontram uma saída rápida e um carril paralelo onde continuam, incólumes, a sua jornada.

 

Mesmo que se diga que nada está acima da lei, defendo que o bom senso e razoabilidade cabem em todo o lado e devem ser a bitola para uma vida em sociedade que se quer respeitosa e equilibrada.

 

É por tudo isso que, por mais que tente entender motivações, tenho dificuldade em encontrar justificações para determinados atos que, sob a forma de palavras escondidas por detrás de um ecrã, têm (ou deviam ter, a meu ver) que configurar um cenário de crime e ser, como tal, punidos.

 

Não podemos tirar a liberdade de cada um viver a seu bel-prazer, sendo livre de partilhar os detalhes que entenda sobre essa vida. Note-se que não está aqui em causa a pertinência de o fazer, pois isso levar-nos-ia a outra conversa, sobre as tais motivações que, regra geral, poderíamos dizer que são encabeçadas pela necessidade de validação.

 

Mas isso não pode dar, nunca, por contrapartida da tal liberdade, o direito do outro, também livre, irromper pela vida do próximo, mesmo que virtual, e avançar para um outro nível de abordagem, alegadamente assente na moral e nos bons costumes, mas que é não mais do que uma opinião que, regra geral, ninguém pediu e cuja liberdade da partilha, tampouco, lhe é tacitamente conferida apenas por estarem no mesmo espaço.

 

É certo que a exposição abre portas a esta partilha, nem sempre agradável. Mas a teoria de que vale tudo é equivalente, na vida real, à ideia de que uma violação é justificada pela forma de vestir da outra pessoa que, claramente, “estava mesmo a pedi-las”. Aqui falamos, igualmente, de uma violação, ou seja, um gesto não consentido de invasão.

 

Aceitar que este espaço social vem para ficar não significa aceitar que vale tudo. A fasquia não se pode medir desta forma. Tal como ao viver a vida real não somos coniventes com o crime ou com as injustiças e lutamos, diariamente, para os contrariar, também neste mundo virtual, que tanto de bom nos pode trazer, devemos trabalhar nesse sentido.

 

Este espaço de partilha que nos permite aproximar uns dos outros, nesta corrida desenfreada que é o dia a dia, que nos dá a possibilidade de comunicar com quem está mais distante, não pode ser transformado num campo de batalha em que a inveja e a frustração ganham cada vez mais lugar.

 

Não se trata de ter a vida do próximo que, todos sabemos, não é apenas aquilo. Não se trata de exibir o nosso “melhor” lado. Não se trata de uma feira de vaidades.

 

Trata-se, sim, de perceber o quanto nos acrescenta ou não, e de sabermos quando sair, respeitando as opções de quem fica.

 

O que é efémero no ecrã, quando mal gerido, pode deixar marcas permanentes fora dele.

 

O equilíbrio, digo-vos eu, volta a ser a palavra-chave.

 

As redes sociais são, hoje, pérolas a porcos quando, na sua essência, seriam um diamante em bruto que, lapidado, acrescentaria um pouco mais a cada um.

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