Diário do Alentejo

Crónica de Florival Baiôa: O parque urbano de Beja, o belo e o feio vergonhoso

27 de março 2023 - 13:00
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Há uns poucos de anos, Beja foi classificada como a cidade mais limpa e a que mantinha o seu centro histórico mais conservado. Isto significa que a capital do Baixo Alentejo preservava a sua história e que as memórias das pessoas, sobre a cidade, se mantinham como imagens que permaneciam na sua dignidade pessoal. O orgulho era grande, perante a humildade e a ausência de soberba que a cidade cantava, com o coro de cabeça erguida e a altas vozes. Recordamos com saudade esses tempos em que, mesmo pobres, a respeitabilidade e o estatuto de capital nos davam. Mesmo com lamentos chorosos, esta cidade estava no coração de todos. Dizia-se que não se podia deixar o castelo de vista. Hoje, parece-me que esse sentimento quase se perdeu. Quase.

 

Queixam-se os comerciantes de falta de clientes, os cidadãos que as ruas estão desertas, os proprietários que não têm dinheiro para obras. Queixamo-nos todos, porque não vemos forças que dinamizem a economia, o emprego e a alegria nos rostos de todos nós. Afinal, o que é que se passa? Há quem diga que o problema é demográfico, que há falta de gente – fundamental para que haja desenvolvimento. Só haverá dinâmica regional se houver pessoas, o que poderá significar emprego, instalação de empresas, investimento, vontade de crescer e visibilidade. Se tal acontecesse, talvez voltássemos a ter proprietários que tornassem, de novo, as suas moradias “num brinco”, como antigamente, quando se caiava em maio ou em agosto.

 

Havia o orgulho em manter a casa digna, mesmo que o edifício fosse de construção pequena e pobre. Nessa altura, há alguns anos, havia o conceito que uma casa tinha dois proprietários: o dono da casa, com a respectiva caderneta, e a rua, que era de todos, sendo que o mau aspecto de uma casa, a existir, era criticado, também, por todos. Hoje em dia, haverá cerca de 400 casas devolutas no centro histórico de Beja, muitas delas em péssimo estado. Vergonha e falta de dinheiro tenho eu. Que fazem muitos dos nossos proprietários urbanos? Deixam os telhados a cair e as paredes a desfazerem-se, porque pensam que uma casa é um tesouro que os irá salvar da banca rota em que estão há muito. Os preços atingem valores inconcebíveis, a sua recuperação valores absurdos. Porém, se essa recuperação fosse feita – os programas de reabilitação urbana poderiam dar aqui alguma ajuda – a cidade recuperava alguma da sua alma. Felizmente, há gente e instituições a reabilitar alguns edifícios. Devemos, contudo, conhecer a legislação e saber que verbas existem à ajuda para fazer essas obras antes que venha aí o tal plano “Mais Habitação” e sejamos obrigados a uma nova prática habitacional.

 

Aconselho toda a gente a passear pelo centro histórico e observar o seu estado de alma e o dos prédios, nomeadamente, alguns alojamentos locais que dão uma imagem tradicional construtiva. Na praça da República situam-se dois edifícios camarários, um com fachada azulejar, lindíssimo, e outro ao lado, também camarário, que alberga as Modas Felício, que é a vergonha da cidade.

 

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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