Diário do Alentejo

Crónica: "O Velho e o Mar"

21 de fevereiro 2023 - 14:00
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Texto Rodrigo Ramos

 

"O Velho e o Mar" conta a história de Santiago, um pescador cubano de idade avançada, que passara os últimos 84 dias a sair para o mar e a regressar de esquife vazio. A situação tornara-se de tal modo anedótica que os outros pescadores zombavam dele e os pais do jovem Manolin, o seu ajudante, proibiram-no de ir com Santiago para o mar e insistiram para que procurasse outro pescador a quem oferecer os seus préstimos.

 

Obediente, Manolin deixou de acompanhar Santiago mas, no final de cada dia, insistia em aguardar pelo pescador, para o ajudar a puxar a pequena embarcação para a praia, arrumar os seus utensílios de pesca na velha cabana, preparar-lhe comida e ficarem os dois a falar sobre o dia, o basebol e a vida. Santiago estava absolutamente convencido de que a sua sorte havia de mudar e tomou a decisão de, na manhã seguinte, navegar para águas mais profundas e distantes de Havana.

 

 

Porque há resoluções que são promessas, na manhã do 85.º dia, Santiago navegou para lá das águas pouco profundas da ilha e aventurou-se na Corrente do Golfo. De início, o mesmo silêncio, o mesmo azul, a ausência de sempre. Mas ao meio-dia um peixe graúdo, que Santiago confiava ser dois pés maior do que o esquife, deixara-se capturar pelo anzol.

 

O pescador, sem forças para o puxar para junto do pequeno barco, apertou a linha de pesca nas mãos e enrolou-se nela, fazendo-a passar pelos ombros, em vez de a prender à embarcação, com receio de que se partisse. Incapaz de vencer a batalha, mas decidido a triunfar na guerra, Santiago segurava a linha que segurava o anzol que segurava o peixe com as mãos, os ombros e as costas. Puxava-a um pouco e, logo depois, aliviava-a ligeiramente, como se na folga que oferecia, o tentasse prender para sempre.

 

Na força que ambos mediam, o pequeno barco tornara-se cativo do enorme peixe deixara-se arrastar para noroeste. A submissão do esquife durara dois dias e duas noites e Santiago, quase desmaiado de exaustão, suportava a dor da linha que abria sulcos nas suas costas, nos seus ombros curtidos pelo sol, que lhe sangrava as mãos, até que por fim o peixe se cansou e se deixou arrastar pela corrente de leste. O experiente pescador fazia uso da linha com mestria: ora folgava, ora sacava; do outro lado, a mesma determinação, a mesma perseverança, a mesma dor: o grande peixe tanto parava e dava tréguas ao velho pescador, como se atirava desenfreado para o fundo ou para diante, como se fora um prisioneiro que se atirava para uma promessa de liberdade.

 

Duas criaturas presas ao mesmo destino, por uma linha de pesca, num deserto de águas profundas. No terceiro dia, a luta cessou, por fim, apenas para dar lugar a uma outra, cruel, extenuante, conquistadora.

 

Manolim, na praia, esperava.

 

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