Diário do Alentejo

Crónica de Florival Baiôa: A arte saiu à rua, mas atão!

05 de fevereiro 2023 - 16:00
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Uma das primeiras manifestações artísticas do Homem já vem de longe, do Paleolítico Superior, onde definia as suas obras por motivos mágico-religiosos, aproveitando os materiais naturais para resolver problemas técnicos, tal como a volumetria e/ou o movimento das imagens. Sempre foi o seu objecto a cópia imagética do homem ou de animais que caçava para sua alimentação. Dava-lhes cor, sempre que possível cor da pele, definindo a volumetria com tons mais escurecidos. Estas imagens, todas ligadas à natureza, eram pintadas em grutas ou mesmo ao ar livre. As mais simplistas mostram-nos círculos que representam o sol ou a água, aquelas linhas curvas do correr do rio.

 

No entanto, estes aspectos nem sempre tinham o mesmo carácter mágico-religioso e na escultura de pequenas armas, em madeira ou pedra, aparecem-nos várias decorações e representação de animais, normalmente em alongamentos, para aproveitar os materiais. Até ao século XIX, o Homem tinha as suas telas organizadas, projectadas, que depois eram pintadas, tendo como temas o homem e a natureza. Mas a partir desse século as coisas mudaram muito. Até parece que o homem se tinha revoltado contra a arte, que a chamada estética, palavra difícil de conceptualizar, que procurava o belo, se tinha alterado. Mas nem tudo seria assim tão mau, porque uma das grandes discussões dos entendidos na matéria era se a arte deveria ser uma prática elitista ou se deveria tornar-se num instrumento popular, descrevendo sociedades, lutas e apreciação por todos. E alguém resolveu o problema de uma maneira inteligente, indo mais além do que o previsto, trazendo o século XX a grande novidade da arte de rua. Rotundas e praças começaram a ser adornadas por motivos escultóricos, com imagens figurativas e abstractas. A arte pública deu lugar às imagens alegóricas de figurantes da nossa história local e regional. Não temos a mínima dúvida que esta nova linguagem artística veio para ficar e, parcialmente, tomar o lugar da relva ou das flores dos canteiros.

 

Em Beja, tivemos a sorte de ter figuras, com coragem de olhar com antecedência estas novas tendências, que se lembraram de chamar à cidade nomes famosos das artes em Portugal. Temos, em Beja, algumas trabalhos dos mais famosos artistas do País, como Jorge Vieira, Noémia Cruz, Vhils, Bordalo II, Sousa Lara, Ana Rodrigues, Add Fuel, Leonel Moura e muitos outros, que trouxeram com eles o melhor do mais contemporâneo. Mas atão! Como é que se apresentam estas obras? Algumas estão vedadas ao público – como a do Vilhs, um dos mais famosos e internacionais artistas, fechada no Parque Vista Alegre. Outras, como as figuras de Mariana Alcoforado e de João Honrado, estão num estado de decadência que até dá pena à alma, destroçada pela dor da arte maltratada. Em vez de admirarmos a arte de rua, vemos a degradação e a insensibilidade dos nossos gestores autárquicos, sem alma artística.

 

O caso mais dramático é de um outro enorme artista português, o Leonel Moura. Este homem, de reconhecimento mundial, executou várias obras para Beja, entre as quais uma escultura geométrica, formando um cubo de ferro, colocada na relva junto ao castelo. Esta obra ficou oxidada e logo seguiu para o parque de materiais da autarquia, para restauro. Lá repousou, até à sua morte. Não foi para o cemitério mas para uma lixeira qualquer, sem dó nem piedade de alguém que também ficou sem alma. Todas estas obras, de milhares de euros bem gastos, têm de ser conservadas e, caso seja necessário, restauradas. Caso contrário também esta cidade irá ficando cada vez mais “enferrujada”.

 

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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