Diário do Alentejo

Crónica de Jorge Martins: O início

04 de fevereiro 2023 - 17:00
Digo eu...
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Senta-te aqui. Mais de uma década depois de estarmos juntos, pior do que esta frase para início de conversa, apenas a tradicional e não menos assustadora: “temos que falar…”. Acedi. Sentei. E ouvi. Seguíramos juntos para casa, depois de um dia de trabalho que terminou com um café e um cigarro, na esplanada. Estava tudo bem, dentro da rotina normal que nos impõe a vida na capital. Na mão trazia algo que estendeu. Foi nesse dia 12 de maio que tudo mudou. Nunca fui de aumentar de peso. Na balança, pelo menos. Mas foi nesse dia que antecede a comemoração religiosa que leva milhares até Fátima, que diante mim surgiu uma espécie de pré-aparição que me levou a sentir não no corpo, mas na alma, um peso que nunca antes tinha pensado ser possível ganhar de forma tão instantânea e natural.

 

- Vamos ser Pais. Nessa altura, o mundo para. O mundo muda. O mundo cai em cima de nós e volta a erguer-se como se naquele instante mudássemos de pele. E o nosso mundo é recentrado e deixa de ser “só nosso”. É esse o dia em que, embora na altura com mais oito meses pela frente, nos tornamos Pais. Nada se compara ao momento em que caímos na realidade de ter um filho nos braços, o nosso filho nos braços, à nossa responsabilidade, quer saibamos ou não cuidar, quer estejamos ou não preparados para responder. Mas o instante em que sabemos que esse momento vai chegar, digo-vos eu, é uma espécie de garantia de que vamos dar o nosso melhor, pois somos imediatamente toldados pelo entusiasmo e pelo inexplicável amor que se pode sentir por algo que não vemos. Com mais ou menos tempo de “trabalho” para isso, a verdade é que quando a notícia surge, cai como uma surpresa. Como se nada tivéssemos feito para tal acontecer e, ao mesmo tempo, não fossemos merecedores de tamanho presente. Mas fizemos sim. E merecemos sim. Abraçámo-nos. E esperámos…

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