Diário do Alentejo

Crónica de Ana Paula Figueira: Retratos de vida em tons de azul

10 de outubro 2022 - 09:00
Ilustração | Pedro E. SantosIlustração | Pedro E. Santos

Recentemente foi feito o lançamento de um novo livro cuja autoria partilho com um economista, também humanista, que exerceu cargos de grande responsabilidade política, amplamente conhecido na praça pública. Trata-se de um livro que homenageia a vida, aquelas pequenas coisas (mais ou menos agradáveis), imagens, recordações, emoções, que o nosso ser almeja. Lá bem no seu fundo.

 

Criá-lo, construí-lo, escrevê-lo, fez-me colocar muitas vezes duas perguntas:

«Quem sou eu, para além da minha aparência física, do que transparece do meu carácter, das relações que estabeleço com os outros, da minha profissão, da minha reputação, dos meus amigos…? Qual é a força, aquela força que não é perceptível pelos sentidos, que me move?»

 

Este livro foi totalmente escrito durante o período de confinamento, resultado da pandemia que vivemos, e com a qual ainda estamos a aprender a lidar. Vivências tão peculiares, inimagináveis até, plenas de incerteza, terão determinado a necessidade de encontrar tábuas de salvação em locais mais recônditos do meu ser, em locais onde vivem as referências da minha vida, os meus tesouros, aqueles que ninguém pode roubar.

 

Não foi um “parto” fácil. Nenhum livro, nenhum texto, se honesto, é um “parto” fácil. Pelo menos, para mim. As ideias andavam de lá para cá, de cá para lá…, mas a frase, aquela primeira frase, a primeira, teimava em não querer aparecer. Até que um dia acordo a pensar «As nuvens no céu são de ferro fofo branco.»

 

Assim nasceu o poema I - “Lucidez primordial”. Senti então o tal arrebatamento interior que me disse que estava tudo ali. A medo, comecei a compô-lo. Encontrei um caminho. Seguiram-se os outros. Sem pressas e de forma natural. Ajeitando de um lado, desarrumando de outro. O resultado traduziu-se em dezoito poemas de uma “perceptível sequência da vida”. No feminino. Aos quais se juntaram os extraordinários textos do António, que reflectem o seu “sentir de um mundo que também é o mundo: o arbóreo.”

 

E foi um casamento perfeito. As cianotipias do Nuno deram-lhe um toque ainda mais delicado. A força, o motor que faz tudo isto rodar é - só pode ser - a curiosidade. Neste particular, a minha curiosidade. Bem como a convicção de que existir é uma graça, e que são as pequeninas coisas da vida que a tornam muito mais interessante. Aquelas que captamos através dos sentidos e às quais o pensamento, ao dar uma determinada arrumação, cria um mundo. O meu mundo, o seu mundo, o mundo individual de cada um. No meu caso, por sinal, com prevalência de tons de azul.

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