Diário do Alentejo

Crónica: “Pandemus – Vinho em tempos de crise”

31 de março 2022 - 11:35

Texto Vanessa Schnitzer

 

A crise, essa malfadada palavra que se instalou no léxico do dia-a-dia, invadindo o quotidiano, ensombrando todas as conversas, infiltrando-se nas preocupações e anseios mais íntimos de cada português.

 

Uma crise que nos tolhe o ânimo, instiga medos e preocupações, embarga projetos e investimentos, protela decisões, provocando comportamentos irracionais de prostração e insegurança.

 

A consciência da presença de uma crise duradoura continua a gerar sentimentos profundamente derrotistas, perigosos para a sanidade e indispensabilidade na tomada de decisões.

 

E quando a uma crise se acrescenta uma outra crise? Ou seja, como se não bastasse a terrível crise pandémica, acresce uma terrível crise climática sem precedentes? O Deus Dionisio encolerizado, nada pode contra a fúria de Zeus, que impiedoso, semeia a tempestade destruindo a mais preciosa de todas as colheitas, a vinha.

 

Esta história ilustra o drama que ocorreu no ano fatídico de 2020 na Casa Courelas da Torre. Habitualmente a empresa Courelas da Torre, produtora de vinho biológico no redondo, colhe 95.000 kg de uva, e no dramático ano de 2020 colheu apenas 1400kg devido ao terrível problema do míldio que devastou a vinha, provocado pela torrente precipitação no mês de maio (choveu em três semanas o equivalente a três anos de precipitação), seguido de temperaturas elevadas contribuíram para o desenvolvimento do míldio.

 

No entanto, como não há mal que não traga sempre algum bem, como terá dito o grande génio da música (Beethoven). Foi esta a atitude adotada pela empresa. Ao invés de se sentir esmagado pelas circunstâncias, optou por se servir das mesmas, convertendo o infortúnio numa oportunidade, imortalizada no grande e raríssimo néctar Pandemus. Esta miraculosa capacidade de encontrar nas brumas da tempestade, a luz, não está acessível a todos; somente para aqueles que não andam à boleia das modas, e não encaram o vinho como um simples produto, mais ou menos trabalho de adega, para agradar ao mercado. O problema surge assim como um caráter distintivo, e um fator de inovação; e no caso da Courelas da Torre uma raridade, por ser um produto irrepetível, único, cuja existência se encontra afeta ao tão limitado número de garrafas.

 

Em suma, poucos descritivos se apropriam mais à magnificência e dramatismo do vinho que a eletrizante tensão, a contínua batalha entre as muitas singularidades e particularidades do vinho, as múltiplas esquinas e arestas, o nervo e energia que sustenta as pontas dos grandes vinhos mundiais, transportando-os para um Universo celestial como é o caso deste poderoso Pandemus. O mais poderoso elixir antivírico, que nos faz regressar até à vida dos sentidos, que nos foi roubada pela pandemia, e assim podermos regressar a nós próprios, que nos perdemos nesta selva obscura onde as coisas deixaram de ser claras ( Dante).

 

E, no fim aproveito para vos desafiar: ao desarrolhar o Pandemus, experimentem olhar tudo pela primeira vez, e reconhecer em cada novo gole a porta de entrada para a alegria. E no fim da garrafa, recuperar a sensibilidade em relação à vida e brindarmos à sua desconcertante simplicidade. Ámen!

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