Diário do Alentejo

Vila Negra Karaté Clube, um exemplo no universo associativo almodovarense

30 de novembro 2025 - 08:00
“O caminho das mãos vazias”
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Subindo meia dúzia de lances de escada no edifício sede dos Bombeiros Voluntários de Almodôvar entramos no salão nobre da corporação, um espaço amplo, em cujo solo se entende um bem dimensionado tatami.

 

Texto Firmino Paixão

 

Estamos no dojo do Vila Negra-Clube de Karaté, um clube liderado pelo sensei Alexandre Barrios. Uma “escola” que tem cerca de 11 anos de existência, alguns títulos nacionais, a presença em mais de quatro dezenas de pódios e uma atleta, a judoca Chiara Brandauer, na seleção nacional de cadetes. Foi a própria Chiara, terceira classificada no XXXI Mediterranean Karaté Championships 2025, em Guadalajara (Espanha), em representação da seleção nacional, que inspirou e deu o mote ao nosso reencontro com esta modalidade. “O karaté é algo que eu tenho feito durante toda a minha vida. Fiz grandes amizades durante este percurso”, confessou a atleta, sublinhando: “Somos uma família. Unimo-nos e estamos aqui todos uns para os outros, sempre juntos com um espírito de entreajuda e solidariedade. Subir ao pódio e ganhar uma medalha é sempre um momento único de felicidade, por verificar que todo o meu esforço teve um bom resultado”. A afirmação da jovem Chiara mereceu a concordância de Tiago Abreu, um madeirense radicado em Almodôvar, que, entre outros bons resultados, conseguiu um terceiro lugar (medalha de bronze) no último Campeonato Nacional de Karaté: “O karaté, além de nos proporcionar uma boa forma física, ensina-nos as virtudes da vida. Não é só ganhar e subir ao pódio, é construir amizades para o futuro, sermos melhores pessoas e aprendermos coisas boas para o futuro”. Tiago Abreu quis ainda vincar: “Vencer pelo clube desta terra é muito gratificante. Não sou natural de Almodôvar, sou madeirense, mas tenho metade da minha vida aqui, vivo cá e já me sinto almodovarense. Quando estou a competir faço-o com muito orgulho, por estar a representar esta vila e este clube”. Ora, o Vila Negra-Clube de Karaté, sucessor de uma outra coletividade com semelhante designação, incorpora, referiu o sensei, “uma nova geração, além de que temos outra linha de pensamento e, então, seguimos o nosso caminho”. O clube que pratica o estilo kuma shitor ryo tem 70 atletas de diferentes escalões etários e graduações, ocupando, mediante arrendamento apoiado pelo município de Almodôvar, o salão nobre dos bombeiros locais. A receita para tão bons resultados num espaço temporal tão curto está, necessariamente, no trabalho, na dedicação, na grande entrega dos atletas. Depois, acentuou Alexandre Barrios: “Estou 100 por cento dedicado ao karaté, sinto que este é o caminho, durmo a pensar no karaté, sonho e acordo a pensar no karaté, daí a dimensão que já conseguimos”. Depois, o estilo shitor ryu e a predisposição para a competição. O sensei” comentou: “Apesar de eu gostar muito da vertente tradicional, isso é que é o karaté em si, como gosto muito de me desafiar e de me pôr à prova, na verdade, para mim, o desporto sem competição não faz muito sentido. Por outro lado, estamos inseridos numa comunidade onde é tudo muito competitivo. Nestes meios, de menor dimensão, encontra-se muito isso, as pessoas querem fazer sempre melhor e mostrar o que sabem fazer, querem competir, e eu deixei-me envolver um pouco nesse espírito e, ao longo destes 11 anos, as coisas têm corrido bem”. O clube está equilibrado nas variantes de kumite e kata, aliás, o atleta mais medalhado, António Mendinhos, ausente porque é estudante universitário, tem quatro títulos em kumite e um em kata, Chiara Brandauer obteve, recentemente, o sexto título de campeã nacional de cadetes, em kata, mas o clube todos os anos consegue inúmeros pódios e Alexandre Barrios insistiu na ideia: “Estou sempre a destacar isso, porque as pessoas não têm noção do trabalho que é feito aqui por estes jovens”. Depois, a presença de Chiara Brandauer na seleção nacional é, digamos, “a cereja no topo do bolo”. Alexandre Barrios assumiu o gosto pelos desafios, pela superação, mas será que partilha esses sentimentos com os seus atletas? “Não vou muito pela ideia de partilhar, vou mais pelo traçar o caminho. Karaté quer dizer ‘o caminho das mãos vazias’, sou um bocado de tipologias, fui militar durante sete anos e tenho aqui um bocadinho dessa veia. Mas sou muito mais de passar aquilo que eu sou para eles e para elas. Gostaria que um dia fossem um bocadinho como eu sou. Não direi exemplo, porque faço coisas bem, mas também as faço mal. Somos humanos e quem não tiver humildade para perceber isso não pode andar aqui”. Sobretudo, garantiu, porque ainda há mais caminho a percorrer. “Ao nível de resultados, não tenho metas. Interessa-me que os meus atletas sejam bons cidadãos, boas pessoas e que não trilhem os caminhos maus que, cada vez mais, existem aí pelas ruas. Espero deixar uma marca positiva na vida futura de cada um deles”. Finalmente, o momento que o sensei Alexandre Barrios não queria, nem por nada, deixar de destacar: o apoio das famílias. “Isso tem sido fundamental e estamos todos unidos. Achei por bem chamar os pais para dentro do clube e as coisas têm dado certo. Temos sempre a colaboração das famílias em diferentes funções, porque fazem parte dos órgãos sociais. Um dia este clube ficará entregue a alguém aqui da terra. Mas, sim, temos muitas dificuldades. Se não fossem os pais não andaríamos aqui, porque o karaté é um desporto muito caro. Temos deslocações enormes, agora vamos com a Chiara para Veneza, no ano passado estivemos no México, no Dubai, em Espanha e na Croácia. É verdade que o município também nos ajuda, mas os apoios são sempre poucos para as necessidades”. É o preço da fama, rematámos. “Não é tanto pela fama, mas pela vontade de conquistar sempre mais”, retorquiu o sensei.

Comentários