Diário do Alentejo

O Judo Clube de Beja está de regresso aos seus bons velhos tempos

14 de novembro 2022 - 10:30
A pedagogia da queda
Foto | Firmino PaixãoFoto | Firmino Paixão

O dojo do Judo Clube de Beja, fundado no ano de 1957, abre diariamente a suas portas, ao pôr-do-sol. As primeiras horas, dos primeiros dias da semana, são dedicadas aos mais jovens candidatos a judocas. Entre os seus atletas tem alguns campeões europeus e mundiais.

 

Texto Firmino Paixão

 

Outrora, antes de o clube ali se instalar, vindo de anteriores espaços, o imóvel dava teto ao caseiro (o Ti’ Cabaça) que guardava os celeiros de uma abastada família de lavradores, proprietária de uma grande parte daquele quarteirão, próximo de uma mão-cheia de bem dimensionadas indústrias de metalomecânica, de transformação e reparação de maquinaria agrícola e industrial.

 

Hoje, o número 29 da antiga ‘Rua das Árvores’ tem uma função bem mais glorificante. É ali a sede do primeiro e, por isso, mais antigo clube de judo criado em Portugal.

 

Os jovens, metidos nos seus kimonos largos, vão chegando a conta-gotas. Juntam-se no interior do dojo e, sobre o tatami, é-lhes permitido um crédito de alguns minutos de descontração, um tempo que também gera convívio, que os une e identifica mutuamente.

 

Os cinturões que apertam o kimono têm colorações diferenciadas, de acordo com a graduação que já atingiram, mas, nas idades mais baixas são, maioritariamente, brancos ou amarelos, as categorias iniciais da hierarquia.

 

E eis que surge o Mestre! Silêncio absoluto, silhuetas curvadas em sinal de respeito, porque a brincadeira acabou. Começa a aula. Aos estreantes são-lhes prescritos os valores do Código Moral do Judo, oito no seu total: o respeito, a honestidade, o autocontrolo, a amizade, a cortesia, a honra, a coragem e a modéstia.

 

Mais adiante, saberão também que foi o japonês Jigoro Kano o criador desta arte, cuja inspiração verteu como ferramenta educacional, de desenvolvimento exponencial da moral, da valorização intelectual e do crescimento físico. Todos estes valores, e códigos, estão inscritos nos painéis que decoram as paredes brancas do dojo e legíveis para quem pisa o tatami, ao lado de uma foto bem ampliada de Kiyoshi Kobayashi, um dos grandes Mestres que passaram por Beja.

 

Francisco Gaitinha, Mestre (Cinturão Negro com o 5.º Dan) e presidente do clube, contou como faz a receção aos “caloiros”. “A mensagem que lhes transmito passa por lhes ensinar os valores do judo, principalmente o respeito, os cumprimentos à entrada e à saída do tapete.

 

Aliás, eles quando lutam, cumprimentam-se mutuamente, no início e no fim de cada combate. Mas a primeira técnica é aprenderem a cair, esse é o primeiro ensinamento, depois vêm as técnicas de autodefesa, porque as outras técnicas, mais exigentes, só são ensinadas a partir dos 15 ou 16 anos”.

 

Com um alargado universo de jovens atletas, é fácil entender a afirmação do presidente de que “o principal foco está na formação, até aos 17 ou 18 anos, porque, nessa altura, vão estudar para Lisboa. Os que mantêm o interesse na modalidade, às vezes, inscrevem-se noutros clubes. Temos até alguns atletas que se têm distinguido em diversas competições nacionais, representando outros emblemas, mas que se iniciaram na modalidade no Judo Clube de Beja e isso também nos orgulha”.

 

Enquanto modalidade “cara-a-cara” não permite a existência de distanciamento social, o que, em tempos de pandemia, provocou alguns constrangimentos, felizmente ultrapassados, referiu Francisco Gaitinha, também Árbitro de Elite.

 

“Nos últimos dois anos, as coisas não correram bem, porque apareciam poucos praticantes. Mas isso, felizmente, já faz parte do passado. Estamos, de novo, com mais de 70 judocas nas diferentes idades. Portanto, hoje estamos bem, estamos de boa saúde”, até porque foram mais os miúdos que vieram de novo, do que aqueles que abandonaram.

 

Mas a saúde não é só nos recursos, é também no plano financeiro. O presidente do clube lembrou que “o município de Beja, à semelhança do que faz com o restante movimento associativo do concelho, também nos ajuda. Só com a quotização seria impensável fazermos face aos encargos que o clube tem e nós nunca daremos um passo maior do que a perna”.

 

Gaitinha leciona a modalidade há cerca de meio século, por isso, admitiu que tem “visto a evolução de muitos alunos que passaram por este dojo e que hoje são licenciados em diversas áreas. Muitos já têm cá os seus filhos, o que, de alguma forma, justifica o reconhecimento por tudo aquilo que os fez crescer e valorizar, enquanto praticaram esta modalidade. Aliás, a grande maioria dos nossos atletas, são também bons alunos nas respetivas escolas”.

 

Praticar judo, pode ser uma questão de vocação, ou, como se diz na gíria, “por ter queda”, no entanto, a projeção para o solo, técnica muito comum nos combates, também tem a sua pedagogia. Por isso, no horizonte do clube, estão alguns projetos inovadores. U

 

m deles, anunciou o dirigente, passa pela “celebração de um protocolo com a Santa Casa da Misericórdia de Beja, em que iremos ensinar algumas noções de Judo aos utentes das Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), principalmente, ensinar-lhes as técnicas de queda, naturalmente, tendo em conta as diferentes limitações físicas das pessoas, para que aprendam a cair sem provocar qualquer tipo de fraturas”.

 

Por outro lado, acrescentou, irão inscrever no Plano de Atividades, para 2023, um outro projeto, “que passará por levarmos o judo para o exterior daquele que é o espaço físico do nosso dojo, fazendo demonstrações em diferentes locais da zona histórica da cidade, por exemplo, nas Portas de Mértola, no Jardim do Bacalhau, na Praça da República e noutros locais que venham a surgir com relevância para a divulgação e promoção da modalidade”.

 

Instado a comentar a recente polémica entre a judoca Telma Monteiro e o presidente da Federação Portuguesa de Judo, Gaitinha, fez notar que “há uns anos, a Telma estava quase sozinha no Projeto Olímpico. Hoje existem mais atletas nessa condição e as verbas terão que ser repartidas equitativamente”.

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