Diário do Alentejo

Perfil do fundista Edgar Matias: "A corrida liberta-me"

07 de agosto 2020 - 10:00

A praia do Canto Mosqueiro, em Sines, foi o local escolhido pelo fundista Edgar Matias para a partida da sua corrida solidária, e solitária, até à marina de Tróia. Um total de 65,2 quilómetros pelas areias douradas da costa atlântica, que percorreu em cinco horas, 55 minutos e 17 segundos.

 

Texto e Foto Firmino Paixão

 

Uma aventura, um desafio à sua capacidade de superação, mas também, e não menos importante, um gesto mobilizador da generosidade alheia, na recolha de fundos para o lar de idosos da Casa do Povo de Melides, terra natal deste engenheiro de‘automação, controlo e instrumentação, de 41 anos, residente em Vila Nova de Santo André. Edgar Matias revelou ao “Diário do Alentejo” que, face ao atual contexto pandémico, a Casa do Povo de Melides viu-se forçada a enfrentar despesas extras, não programadas. “Sabendo desta realidade, pensei que poderia ajudar e foi esta a melhor forma que encontrei para o fazer. Os nossos idosos merecem todo o carinho e respeito. Se hoje colhemos foi porque eles, no passado, semearam. A Casa do Povo é de todos e, todos juntos, podemos ajudar os que mais precisam”.

 

Quem assim olha para os que atravessam o “outono” da vida, seguramente que teve uma infância bem vivida e uma educação sustentada. “Sim, tive uma infância muito feliz, do tempo em que se brincava na rua. Os dias eram sempre curtos: sair da escola, fazer os trabalhos de casa e, essencialmente, brincar. As brincadeiras quase todas tinham corrida ou bicicleta. No verão, a bicicleta era o meio de transporte diário para ir à praia, seis quilómetros para cada lado. Crescer em Melides, numa pequena aldeia onde os amigos e as famílias sempre foram muito próximos, onde o espírito de entreajuda ainda hoje perdura é, de facto, muito importante para um crescimento saudável e feliz”.

 

Foi-lhe proporcionada a prática de diversas modalidades mas aquela em que se destacou foi o atletismo, razão para afirmar que, “possivelmente”, terá passado ao lado de uma grande carreira como atleta: “[Poderia ter sido assim] se tivesse começado mais cedo, pois só comecei a correr, com mais afinco, em 2017 e com o objetivo, único, de correr a Ultra Maratona Melides-Tróia”.

 

Por outro lado, e a par desta apetência pela corrida, nascer e viver perto do mar proporcionaram-lhe a convivência com a natureza. “O local onde vivo sempre me proporcionou um excelente contacto com a natureza, de um lado tenho o mar e do outro a serra. Nesse aspeto, posso dizer que tenho o melhor dos dois mundos”.

 

Os clubes cuja camisola tem vestido são o da sua terra natal, a Juventude Desportiva Melidense, o Grupo Desportivo e Cultural dos Portos de Sines e do Algarve, estes de uma forma mais informal e, como federado, o Grupo Desportivo e Recreativo de São Francisco da Serra, clube que lhe oferece todas as condições para a prática da modalidade no panorama nacional.

 

Edgar Matias explicou que esta corrida solidária, com o lema “A Corrida Liberta-me” surgiu após o cancelamento da edição 2020 da Ultra Maratona Melides-Tróia (UMA) devido à covid-19. “Já com os treinos em curso, precisava de um objetivo forte e arrojado para manter o foco. Entre uma conversa de amigos saiu esta proposta e depois de a ideia encaixar já nada mais há a fazer, a não ser concretizá-la. Isso já está”.

 

No seu palmarés conta com duas participações na UMA, prova organizada pelo município de Grândola, onde o seu melhor resultado foi um terceiro lugar, gastando três horas e 16 minutos para percorrer os 43 quilómetros de prova. Mas esta aventura entre Sines e Tróia, com caráter solidário, não foi, simultaneamente uma luta contra a covid-19 pois, diz o fundista, “essa luta terá que ser de todos e por todos. A única coisa que pedi foi que as pessoas cumprissem as recomendações da Direção-Geral de Saúde. Não é fácil para ninguém o momento que estamos a viver, mas só nos resta proteger, essencialmente, os mais idosos, respeitar os profissionais de saúde e cumprir o que nos é pedido”.

 

Pelo traçado, entre a areia e a espuma das ondas, superou com sucesso as dificuldades que já esperava. “É um ambiente que conheço muito bem. No entanto, correr na areia é sempre imprevisível. Segui à risca o plano de hidratação e alimentação orientado pelo meu treinador, Rui Dolores”.

 

No final, já com a Serra da Arrábida no horizonte, invadiu-o o sentimento de felicidade e a certeza de que o desporto também tem o seu lado solidário e fraterno. “Senti-me feliz, essencialmente por perceber que as pessoas e as empresas se mobilizaram e abraçaram a causa, e isto deixa-nos a esperança de um futuro melhor. O desporto é de facto um meio extraordinário para este tipo de causas”.

 

O atleta diz fazer uma boa gestão do seu tempo. “O trabalho e o treino são sempre compatíveis quando se quer muito uma coisa; mas o trabalho está sempre em primeiro lugar. Por vezes, vou a correr para o trabalho e volto a correr, otimizando assim melhor o meu tempo”. Ainda assim, esgotada esta “super” maratona, não pensa, para já, noutros desafios. “Em breve pensarei noutro, pois é isso que me motiva e me faz manter o foco. Sonhos? Tenho muitos, mas o meu maior sonho seria integrar um daqueles planos de treino no Quénia, com os atletas locais”.

 

Cumprido o desafio, a dedicatória do sucesso não foi fácil, segundo confessa: “Essa foi a parte mais difícil de gerir, em termos emocionais… perdi alguém muito próximo, de coração enorme e do mais puro que conheci até hoje. Uma pessoa simplesmente maravilhosa. A minha prima Carla partiu cedo demais, mas sei que estará sempre presente, e esta viagem também foi uma forma de ir ao seu encontro. Este feito foi essencialmente dedicado a ela”, concluiu, já emocionado.

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