Diário do Alentejo

Serpa: O alentejano que recusou jantar com Marcelo

13 de janeiro 2020 - 00:10

Nasceu em Serpa, estudou em Beja e em Évora, mudou-se para os Açores e é, desde 2008, deputado regional, eleito pelo Corvo. Paulo Estevão já foi o presidente nacional do PPM e “saltou” para as notícias por ter recusado jantar com Marcelo Rebelo de Sousa, quando o Presidente visitou a ilha.

 

Texto Luís Godinho

Fotografia José Ferrolho

 

Os jornais e rádios noticiaram até ao mais ínfimo detalhe e as televisões entretiveram-se em longos diretos a partir do Corvo, a ilha escolhida pelo Presidente da República para festejar a passagem de ano. Marcelo fez compras, passeou pelos campos, mergulhou no oceano, falou ao País e jantou na noite de dia 31 de dezembro, brindando a 2020 com espumante da Adega Cooperativa do Pico. O jornal on line “Açores9” relatou o momento: “Cá estou eu, cá estou eu, repetiu [Marcelo] aos jornalistas, ao mesmo tempo que ia cumprimentando, uma a uma, as cerca de 150 pessoas que marcaram presença no jantar”, oferecido à população do concelho mais pequeno do País. A quem não apertou a mão foi a Paulo Estevão, alentejano de Serpa há muito radicado no Corvo, que recusou o convite presidencial.

 

“Em virtude de Marcelo Rebelo de Sousa se ter deixado raptar e instrumentalizar pelos interesses do Partido Socialista, o jantar de fim de ano constituiu um fracasso monumental. Não estiveram presentes mais de 60 residentes na ilha do Corvo. Isto no âmbito de uma população que soma mais de 430 pessoas”, diz Paulo Estevão, que chegou ao arquipélago em 1995 para dar aulas de História e que hoje é deputado à Assembleia Regional dos Açores, eleito pelo PPM. É, portanto, monárquico, mas não foi por isso que decidiu jantar longe do Presidente da República. O que o deixou a “ferver” foi ter visto a ação de Marcelo como uma espécie de propaganda ao governo dos Açores: “[As pessoas querem é que o chefe de Estado] seja o porta-voz da população e que seja um ponto de equilíbrio entre os diversos agentes políticos. Ao colar-se de forma ostensiva ao poder regional, o Presidente da República perdeu o apoio de todos os outros setores de opinião”.

De origens modestas – a mãe era cabeleireira, o pai vigiava as fronteiras enquanto cabo da Guarda Fiscal –, Paulo Estevão nasceu em Serpa em 1968. Aos 10 anos foi estudar para o seminário de Beja, cidade onde fez o liceu. Concluído o ensino secundário seguiu para a Universidade de Évora, licenciou-se em História com o objetivo de ser professor. As “muitas dificuldades de co- locação” nas escolas de Portugal continental levaram-no a concorrer para os Açores, onde havia falta de docentes. Foi colocado na Terceira, em 1995. Depois, a mulher, também ela professora e antiga colega de universidade, seguiu-lhe os passos. Passou pelo Pico. E no ano 2000 conseguiu, finalmente, um lugar no quadro de escola. Vive há 19 anos na ilha do Corvo.

 

“Não tive quaisquer dificuldades de adaptação. É uma ilha com características muito especiais porque tem poucos habitantes, todos se conhecem e ainda há um grande conjunto de atividades comunitárias, não só nas festas, como acontece no Alentejo, mas até em tarefas relacionadas com a agricultura. Por vezes chego a casa e tenho à porta um saco de bata- tas ou de laranjas e só passados alguns meses é que venho a saber quem as ofereceu. É uma sociedade muito semelhante àquela em que eu cresci nas décadas de 60 e de 70, quando havia uma interação social muito grande”, conta Paulo Estevão, entrevistado pelo “Diário do Alentejo” em Beja, depois de mais uma das habituais visitas à casa que mantém em Serpa e por onde faz questão de passar várias vezes ao longo do ano.

 

Não é de estranhar que seja o único alentejano residente no Corvo, ilha onde vive com a mulher e os dois filhos. Por ali todos o conhecem. E o facto de ser monárquico valeu-lhe uma alcunha, “o rei”, bastante utilizada quando pelo meio surge uma partida de  cartas: “Quando sai um rei até dizem, por graça, olha um ‘Estevão’ de copas, ou de ouros, e dizem-no mesmo na minha presença”.

 

Não sendo rei, foi presidente nacional do Partido Popular Monárquico entre 2010 e 2017, sucedendo a Nuno da Câmara Pereira, depois de ser ter zangado com Paulo Portas e abandonado o CDS. É o único deputado monárquico entre os 57 que compõem a Assembleia Regional dos Açores. Não foi fácil lá chegar. Primeiro teve de organizar o partido na região. Depois apresentou-se a votos e somou derrotas nas eleições de 2000 e 2004. Em 2008 chega, finalmente, ao parlamento, empenhando-se desde então em fazer a “vida negra” ao governo regional de maioria socialista. Só de uma assentada foram 12 dias em greve de fome.

 

“Fui presidente do conselho executivo da escola do Corvo entre 2000 e 2008. A escola tem poucos alunos, menos de 60, mas eram os únicos no País que não tinham acesso a refeição escolar. Apresentei várias iniciativas para corrigir essa injustiça, sem- pre com a oposição do PS. A única solução foi mesmo fazer greve de fome e a verdade é que, neste mo- mento, os alunos do Corvo já têm refeições escolares e já foi aprovada outra iniciativa para alargar essas refeições ao pessoal docente e não docente”, conta Paulo Estevão, recordando que mesmo depois de o parlamento ter aprovado a abertura da cantina o projeto tardava em concretizar-se. Foi por essa altura que ao ver o filme “Três Cartazes à Beira da Estrada”, vencedor de dois Óscares, teve uma outra ideia arrojada: “Vá de colocar cartazes à beira da estrada a dizer que o Vasco Cordeiro [presidente do governo regional] era o responsável pelo facto de as crianças no Corvo não terem refeições na escola. A vida política nos arquipélagos é muito difícil. A Madeira é governada pelo mesmo partido desde 1976. E nos Açores só tivemos uma mudança de governo, em 1996. São partidos que dominam a administração regional e as empresas públicas e, por isso, a alternância política é muito mais difícil”.

 

"Preocupa-me muito o abandono do Alentejo"

Deputado regional dos Açores desde 2008, Paulo Estevão diz ter “evoluído” na sua posição relativamente à regionalização: “No referendo de 1998 votei contra mas agora votaria a favor. Não estou a ver outra forma de desenvolver uma região como  o Alentejo sem a existência de regiões administrativas. É necessário que se tenha poder político para atrair investimento”. Quando vai a Serpa, e cruza as estradas do Alentejo, não deixa de se indignar com o que diz ser o “abandono” do poder central – “As estradas estão uma lástima e os centros urbanos muito degradados” – nem com a proliferação de culturas intensivas. “Fosse eu deputado e cada plantação nova teria merecido um requerimento a perguntar quem foi o responsável que autorizou e quem financiou”.

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