A propósito do recente projeto “QI 4.0 – Queijo Serpa DOP – A inteligência artificial na produção artesanal”, promovido pela Associação de Produtores Queijo Serpa (APS) e pelo Instituto Politécnico de Beja (IPBeja), o “Diário do Alentejo” conversou com o docente e investigador do IPBeja, João Mestre Dias, sobre os objetivos desta parceria, a desconfiança que pode vir a ser sentida com a introdução da inteligência artificial na feitura do “Queijo Serpa”, assim como a importância do aporte da academia, da ciência, para a valorização de produtos gastronómicos tradicionais.
A Associação de Produtores Queijo Serpa (APS) e o Instituto Politécnico de Beja estão a levar a cabo o projeto “QI 4.0 – Queijo Serpa DOP – A inteligência artificial na produção artesanal”, que será oficialmente apresentado no dia 22 de fevereiro, na Feira do Queijo do Alentejo. Quais os objetivos desta parceria?
Esta parceria surge na sequência de um trabalho que vem sendo feito, desde há anos, entre o IPBeja e os produtores locais de queijo, no sentido de caracterizar e melhorar a produção de queijos tradicionais. O “Queijo Serpa” tem especificidades que o tornam único e com este projeto pretende-se levar uma tecnologia inovadora até um produto tradicional que apresenta vários desafios, onde é imperativo cumprir com todo um conjunto de requisitos. Com este projeto pretende-se desenvolver uma aplicação capaz de interpretar diferentes parâmetros ao longo da cura e, em tempo real, apresentar recomendações ao produtor de queijo no sentido de cumprir com os requisitos do “Queijo Serpa”.
Considera que a introdução da inteligência artificial (IA) na feitura do “Queijo Serpa” pode vir a levantar dúvidas, algum tipo de desconfiança, por parte de alguns produtores?
Tradicionalmente existe a tendência em se ter algum receio do desconhecido. No entanto, a aplicação da IA faz já parte do nosso quotidiano, o que facilita a compreensão da importância da sua introdução neste setor. Durante séculos, a produção de queijos não apresentou grandes inovações tecnológicas, mas desde o final dos anos 70, do século XX, surgiram desenvolvimentos que têm contribuído para a melhoria das condições de fabrico e, em especial, para a homogeneidade da produção. É o caso da introdução das câmaras de cura ou da refrigeração do leite, que vieram permitir uma melhoria da qualidade e que, atualmente, são inerentes ao fabrico de queijos artesanais em todo o mundo.
Como classifica a importância do aporte da academia, da ciência, para a valorização de produtos gastronómicos tradicionais?
É um caminho que deve ser feito lado a lado. No século XXI os desafios com que a agricultura e a agroindústria se defrontam são muito variados, desde a segurança alimentar ao impacto ambiental e à necessidade de redução de gastos energéticos. Ao mesmo tempo, existe toda uma expectativa, legítima, do consumidor em manter elevados padrões de qualidade. E é neste ponto que a academia pode intervir, facilitando a transferência de conhecimento, resultante da experimentação científica para a comunidade, beneficiando-a. Com a participação do IPBeja, são vários os projetos que têm sido desenvolvidos para o estudo e a valorização dos produtos gastronómicos da região, a exemplo do queijo, do cardo, do azeite, do vinho, do pão e de produtos de charcutaria.
Texto | José Serrano