Diário do Alentejo

Parlamento: PAN quer acabar com a caça ao coelho-bravo

30 de agosto 2021 - 08:30

O partido Pessoas, Animais e Natureza (PAN) apresentou na Assembleia da República uma proposta de alteração à Lei de Bases Gerais da Caça, em vigor desde 1999. O objetivo pretendido, segundo se lê na proposta, é garantir “o respeito pelo estatuto dos animais legalmente reconhecido enquanto seres dotados de sensibilidade”. Partidos, autarcas e caçadores já reagiram e consideram que o único propósito da iniciativa é acabar com a caça.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Para além da proposta de revisão da Lei de Bases Gerais da Caça o PAN apresentou ainda um projeto de resolução em que defende a retirada do coelho-bravo da lista de espécies cinegéticas.

 

José Lopes Bernardino, presidente da Federação Alentejana de Caçadores (FAC), acusa os deputados do PAN de “não pretenderem trazer nada à atividade de caça, mas tão-somente acabar com ela, na linha ideológica de quem quer apagar o papel histórico do homem na sociedade e instituir um estado policial totalitário, que assegure iguais direitos dos homens aos animais”. Já o presidente da federação portuguesa de Caçadores (Fencaça), Jacinto Amaro, considera que a proposta “é tão má que quase é difícil comentar. Do início ao fim, não tem nada que se aproveite”.

 

Segundo Lopes Bernardino, comentar estas propostas “acaba por ser um exercício patético”, porque “tentamos que [o debate] seja sério e racional, quando nada justifica que o seja”, acrescentando que “o PAN elege a caça como principal responsável pela situação que o coelho conhece, e recomenda a sua proibição definitiva, algo que, como proposta de solução para os problemas que afetam a espécie, ainda se não ouviu com clareza da parte de quem o investiga e à [respetiva] doença que o assola”.

 

O presidente da FAC acusa o partido animalista de “não saber, nem quer saber” que num ano normal, a uma fêmea corresponderão, em média, 15 a 20 láparos e que não existe método de caça tradicional, como é praticada entre nós e pelo número de pessoas que a praticam, que consiga competir com este potencial reprodutivo. “Se o PAN percebesse, ou lhe interessasse perceber, alguma coisa do que fala, procurava combater a aniquilação dos habitats dos coelhos e do lince-ibérico que as desmatações sem quartel nem critério têm operado no País nos últimos anos e que, pouco a pouco, liquidam a biodiversidade que ainda vai persistindo e retiram ao coelho e ao lince os habitats essenciais para viverem”, diz Lopes Bernardino.

 

Jacinto Amaro não acredita que exista “algum partido com responsabilidades na vida política que vá atrás de uma proposta destas”, que classifica como “de uma ignorância e um desconhecimento total sobre o assunto”. O presidente da Fencaça acusa o PAN de não conhecer e “não valorizar o mundo rural, os terrenos agrícolas e as zonas de baixa densidade”, prometendo lançar um manifesto junto dos autarcas e de todos os partidos com assento parlamentar, em defesa do direito à caça. Mas teme que “os partidos que estão no poder possam precisar do voto do PAN como aconteceu neste último Orçamento do Estado” e acusa o PS de ter “vendido a alma ao diabo, em troca do voto do PAN”, ao “ter terminado com a modalidade de tiro aos pombos”.

 

INCREDULIDADE

Jorge Rosa, presidente da Câmara de Mértola (“Capital da Caça”) e da Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal), diz-se “incrédulo” com as propostas do PAN por serem “desajustadas da realidade, das necessidades do mundo rural, principalmente na área da caça, e que é a de proteção da natureza e da conservação da biodiversidade” que seriam afetadas com o fim da atividade. “Numa das propostas defendem que a caça só é possível com os cães com açaime… é algo surreal e só pode vir de alguém que não tem capacidade para raciocinar com razoabilidade”, diz o autarca.

 

Em defesa dos caçadores, lembra que “a sua mentalidade não é aquela que o PAN apregoa e não é por haver um problema com um, ou com uma zona de caça, que todo o território deve ser visto de igual forma”, acrescentando que “a ação dos caçadores é fundamental para o controle, na medida do possível, dos predadores (como o javali, a raposa ou o saca-rabos), que caso contrário existiriam em quantidades elevadas e depois fariam uma pressão enorme nas espécies, nomeadamente no coelho-bravo ou na perdiz”.

 

Jorge Rosa acusa o PAN de ter “uma atividade persecutória em relação ao mundo rural”, dizendo ser um partido formado “sobretudo por ambientalistas citadinos, que não conhecem muito do campo e que acham que quem vive no campo tem práticas erradas”. Segundo o autarca, “uma vez que não conhecem a nossa realidade e querem legislar sobre ela”, os deputados do PAN não se deveriam “intrometam no mundo rural e no que desconhecem”.

 

Pedro do Carmo, deputado do PS eleito por Beja, assegura estar “completamente contra as propostas que são fruto de uma agenda urbana do PAN e que demonstra um enorme desconhecimento do mundo rural”. Aponta como razão para o ‘timing’ da proposta “a proximidade da discussão do OE e a necessidade de afirmação da nova liderança” daquele partido, e considera que a iniciativa é “proibir por proibir e preocupante para quem vive no mundo rural. “A caça é fundamental para o equilíbrio do mundo rural. Veja-se o caso dos javalis, que já são uma praga, e os pombos, que são um perigo para a saúde pública”, alerta.

 

Por seu lado, João Dias, deputado do PCP eleito por Beja, diz que apesar do PCP ter considerado que a atual lei “limitou o acesso à atividade, principalmente aos mais idosos e de baixos rendimentos  – veja-se o número de caçadores que têm desaparecido – ela é bastante consensual” e não vê razões para a alterar. “O objetivo último do PAN é proibir totalmente a caça”, acusa o deputado, considerando que “é fruto da ignorância e põe seriamente em causa as economias locais e muitos empregos que dependem desta atividade”.

 

ZERO CONTRA CAÇA À ROLA-COMUM

A associação ambientalista Zero mostrou o seu contentamento com a proibição da caça à rola-comum, anunciada pelo Instituto de Conservação da Natureza e Floresta (ICNF) e noticiado pelo “DA”, considerando que a medida “só peca por tardia” face ao decréscimo populacional significativo da espécie observada nos últimos anos. Apesar de considerar a adoção desta medida “mais do que sensata” para a proteção da espécie, a Zero lamenta, em comunicado, que tenha sido tomada com “um considerável atraso” por parte do Ministério do Ambiente e Ação Climática. A portaria que proíbe a caça à rola foi publicada apenas a 2 de agosto, depois de, a 10 de maio, ter saído o despacho relativo ao calendário venatório para a época 2021/2022, onde a caça a esta espécie ainda estava contemplada.

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