O programa do Governo foi apresentado e discutido na Assembleia da República, na passada semana. Os deputados eleitos por Beja (Rui Cristina, do Chega, Pedro do Carmo, PS, e Gonçalo Valente, PSD) recusaram de forma unânime a moção de rejeição apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP, viabilizando, assim, o segundo executivo de Luís Montenegro.
Texto Aníbal Fernandes
O programa do Go-verno entregue no Parlamento no passado dia 14, e discutido pelos deputados e ministros nos dias 16 e 17, assenta em 10 eixos prioritários e, para muitos, representa uma “guinada à direita” em relação às políticas seguidas nas últimas décadas.
São eles, a política de rendimentos, em que se prevê o aumento para 1100 euros do salário mínimo até 2029; a valorização do mérito; a redução do IRS; a revisão do regime de apoios sociais “para garantir que trabalhar vale mais a pena do que não trabalhar”.
A reforma do Estado, que aponta para a “simplificação de procedimentos, digitalização, reforma orgânica da administração pública e uma nova política de recursos humanos para valorizar o mérito, as qualificações e o desempenho”.
A criação de riqueza, “através da redução do IRC, simplificação fiscal, revisão do regime e sistema de formação profissional (…) aceleração dos fundos europeus e revisão da legislação laboral”.
A política de imigração, “regulada e humanista, de reforço do controlo de entradas, da lei da nacionalidade, dos mecanismos de controlo, de retorno, da Unidade de Estrangeiros e Fronteiras da PSP”.
Colocar os serviços essenciais (educação, saúde e mobilidade) “a funcionar para todos e com qualidade, assente na complementaridade entre a oferta pública, privada e social”.
O reforço da “segurança de proximidade nas ruas, com mais presença, atividade e meios”. “Justiça mais rápida e combate à corrupção”.
Enfrentar “a crise da habitação, com a concretização da oferta pública de 59 mil casas, a libertação da capacidade de construção e reabilitação privada e cooperativa, (…) revisão do regime de arrendamento e revisão dos apoios ao arrendamento”.
O programa de novas infraestruturas, com construção do aeroporto Luís de Camões, privatização da companhia aérea TAP, construção das linhas de alta velocidade ferroviária, reforço das ligações e sistemas de transporte de energia elétrica e concretização dos planos rodoviário e ferroviário.
A estratégia “Água que Une”, “para dotar o País das infraestruturas de armazenamento, transporte e consumo eficiente para os vários usos, para obviar às alterações climáticas e à escassez em várias regiões”.E, em décimo, o plano de reforço estratégico de investimento em defesa, através do investimento e do aproveitamento do conhecimento da economia e da capacidade industrial para produzir.
Chega “satisfeito”
Rui Cristina considera que os 10 pontos destacados pelo Governo “não são propostas, são linhas orientadoras”. Para o deputado do Chega eleito por Beja, o documento “é complexo, mas tem de ser assinalado um facto político relevante: o Chega é o partido com mais propostas integradas no programa do Governo. São 27 no total, mais do que qualquer outra força política. Os números falam por si. Mostra também que as nossas ideias estão a moldar o debate nacional e a responder às verdadeiras preocupações dos portugueses”.
No entanto, critica o facto de estas medidas terem sido incluídas “sem qualquer diálogo formal com o Chega. Teria sido desejável, no processo democrático, que fosse mais transparente e colaborativo”. Apesar disso, reconhece que “entre as propostas estão incorporadas medidas que temos defendido desde o primeiro dia”, nomeadamente, no que se refere “às forças de segurança para o combate firme à imigração ilegal, o investimento na investigação [criminal] e o agravamento de penas para este tipo de criminalidade, mas, também, a gratuitidade dos manuais escolares para todos os alunos do ensino obrigatório, sejam de escolas públicas ou privadas, proposta que o Chega tinha apresentado na Assembleia da República e que a AD votou contra”.
Rui Cristina diz ir lutar por medidas que garantam “médicos de família em zonas carenciadas, como é o caso do Baixo Alentejo, quer através de um programa de incentivos, quer pela redução do número de doentes por médicos”, e que podem passar por “benefícios salariais e subsídios de deslocação”. “O Governo fez um corta-e-cola das nossas propostas, mas não incluíram o mais importante, que, para além dos incentivos, é a redução do número de utentes por médico e que nós propomos que, nas zonas carenciadas, seja reduzido de 1900 para 1000/1200, dependendo caso a caso”, especifica.
Apesar de o Chega ter ficado “satisfeito” por o Governo estar, “finalmente, a seguir este caminho”, o deputado lembra “que estas medidas têm uma cara, têm um rosto, têm uma história e foram muitas vezes desvalorizadas porque vinham do Chega, e o que nós queremos é que sejam concretizadas com seriedade. Mas como este Governo é muito bom em anúncios, em comunicação…”, desconfia.
Em resposta àqueles que criticam a política restritiva de imigração exigida pelo Chega, Rui Cristina diz defender “uma política de quotas” e “favorecer a entrada de estrangeiros que tenham competências profissionais, ou seja, que venham direcionados para a agricultura, turismo, etc.. Ou seja, o que queremos é que haja uma triagem. Sabemos que há essa carência no Baixo Alentejo”.
“Viragem à direita”
Para Pedro do Carmo, este programa representa, “claramente, uma viragem à direita e é preocupante para quem defende quem trabalha. Fico preocupado com estas alterações, com estas propostas, nomeadamente, com as questões do subsídio de desemprego, direito à greve, alterações nos acordos colectivos, são tudo sinais muito preocupantes e em que os direitos adquiridos estão todos postos em causa”.
Nada que seja “novidade” para o deputado socialista eleito pelo círculo de Beja. “São mais alguns sinais num programa do Governo claramente ideológico legitimado pela votação que tiveram”. E considera que, com a inclusão de propostas de vários partidos, “o Governo pôs-se numa posição muito desculpável para a sua agenda ideológica, dizendo que como não teve maioria absoluta foi buscar propostas de outros partidos. E colocou as que têm uma carga ideológica maior, e que servem um conjunto de interesses que não os dos trabalhadores e da classe média”.
A este propósito, Pedro do Carmo refere uma notícia recente, “em que os trabalhadores que ganham acima de 3500 euros, com as alterações [do IRS] que estão a ser preparadas pelo Governo, serão beneficiados no dobro em relação aos que ganham menos”.
O socialista critica, também, o facto de, “quanto à nossa região, apenas terem apresentado projetos que já estavam em marcha e que vinham até do anterior governo do Partido Socialista”.
Promete empenhamento pessoal, “como não podia deixar de ser, nas questões da agricultura que são um fator determinante desta região”, e que há muito está ligado, e dará “muita atenção às questões da economia e dos investimentos, que tem a ver com as autarquias”, mas também irá “estar focado nas questões sociais, nas questões dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente, nos das IPSS [instituições particulares de solidariedade social] que estão muito desprotegidas e que, agora, com esta viragem à direita, ainda ficarão mais acentuadas”.
Por último, um tema que já tinha falado durante a campanha eleitoral: “A representação do círculo eleitoral, cada vez com menos poder e influência. Há que tomar decisões e alterar o sistema eleitoral para que os votos contem todos da mesma forma, para que não haja votos que vão para o lixo e que esta região, com a sua imensidão de território, possa ser compensada por isso. A minha intenção foi pôr o tema na agenda, e agora até parece que já entrou um projeto do PAN, do qual eu discordo, mas é uma ideia e é preciso que se debata. É possível fazer alterações sem mexer na constituição”.
“Não há assuntos do Chega, do PS ou PCP”
Gonçalo Valente, perante a crítica de o PSD se ter apropriado de muitos dos temas que o Chega trouxe para o debate político e tê-los integrado no programa do Governo, diz que “aqui não há assuntos do Chega, do PS ou do PCP, são assuntos do País, e temos de olhar para as matérias que devem merecer mais a nossa atenção e uma resposta mais célere”.
“Apesar de algumas medidas não estarem inscritas no nosso programa eleitoral, temos de perceber que em política todos os dias há uma novidade, há uma evolução muito rápida e temos de ter a capacidade de nos adaptar”, explica.
O deputado do PSD reconhece que “o Chega tem determinadas bandeiras, mas a AD partilha parte delas. Nunca escondemos que é nossa intenção regular, da melhor forma possível, resolvendo os problemas que o PS deixou, a questão da imigração; nunca escondemos que queríamos dar força, passo a redundância, às forças de segurança e mostrámos isso desde a primeira hora” e acrescenta que “a questão do reagrupamento familiar” estava inscrito no programa da AD e não no do Chega, apesar deles “terem, agora, levantado essa questão”.
Quanto às medidas com maior impacto na região, Gonçalo Valente realça, “desde logo, a imigração, onde há uma intenção firme do Governo em regular e melhorar”, e a questão da água com o programa “Água que Une”, que “vem transformar a gestão dos recursos hídricos no Baixo Alentejo e que vai permitir ligar Alqueva à barragem de Santa Clara e dar uma resposta para o sudoeste alentejano que sofre de uma grande escassez de água”.
Para além disso o deputado do PSD valoriza o “investimento em infraestruturas, com a conclusão da A26 até Beja, já aprovada em Conselho de Ministros na anterior legislatura, e a continuidade da eletrificação da ferrovia entre Casa Branca e Beja”, não negligenciando outros temas que possam aparecer, “porque em política tudo se altera dia a dia”.
Moção de rejeição apresentada pelo PCP apenas reuniu 10 votos em 230
Há muito que o PCP tinha manifestado a intenção de apresentar uma moção de rejeição do programa do Governo, uma vez que o regimento não prevê uma votação do documento e com o objetivo de “clarificar posições”. Paulo Raimundo justificou a iniciativa com o seu “significado político” e como “combate ao Governo e à sua política em todas as frentes”, criticando o “ataque a vários direitos”, nomeadamente, “o desmantelamento do SNS, o assalto à Segurança Social, às alterações laborais e o processo de privatizações que está em curso”. O documento obteve 10 votos a favor (PCP, Livre e Mariana Mortágua, do BE), uma abstenção de Inês Sousa Real, do PAN, e votos contra de PSD, CDS, IL, Chega e PS.

Gonçalo Valente
Surpreendeu-o o facto de Chega e PS terem votado contra a moção de rejeição apresentada pelo PCP? Que leitura faz deste facto? Vai contribuir para a estabilidade do Governo?Mostra que há algum consenso em torno das políticas que o Governo considerou como prioritárias e têm a anuência dos partidos da oposição. Mostra também que a visão estratégica política do Governo vai ao encontro daquilo que é a realidade do País, caso contrário, esses partidos estariam contra. Portanto, isso mostra que estamos no bom caminho e que é importante dialogar com todos os partidos, ou aqueles que querem dialogar.

Rui Cristina
O Chega reclamou para si o título de “líder da oposição”, mas, apesar das muitas críticas que fez durante a discussão do programa do Governo, votou contra a moção de rejeição apresentada pelo PCP. Não é contraditório?
Não. Houve eleições e o povo decidiu que o partido mais votado foi o PSD, ou seja, a AD, e temos de aceitar a vontade do povo. O povo também decidiu que o maior partido da oposição é o Chega. Não nos cabia a nós mandar abaixo o Governo logo nesta primeira fase. Temos é de ver se vai cumprir aquilo que prometeu no programa eleitoral.

Pedro do Carmo
Segundo muitos comentadores este programa do Governo é um dos mais à direita de sempre. Não sendo o voto contra do PS indispensável para o chumbo da moção de rejeição apresentada pelo PCP, a abstenção não seria apropriada para mostrar a posição do PS?
O PS teve uma posição inicial de não querer ficar com nenhuma marca [de ser responsável] pela inviabilização deste Governo. A votação seria inócua de uma forma ou de outra e o PS fez questão de dizer que não é por nós que vai haver queixinhas ou problemas. Não se desculpem com a esquerda, façam o que têm a fazer.