Diário do Alentejo

A26: a autoestrada do nosso descontentamento

30 de março 2025 - 08:00
Socialistas e sociais-democratas acusam-se mutuamenteFoto | Ricardo Zambujo

As obras no IP8 estão no terreno, mas da A26 apenas se vislumbram as variantes a Figueira dos Cavaleiros e a Beringel. A Infraestruturas de Portugal (IP) garante que no primeiro semestre de 2026 as empreitadas estarão concluídas. Entretanto, PS e PSD trocam acusações sobre as responsabilidade de cada um na inexistência de uma autoestrada que chegou a ter a sua conclusão prevista para 2012.

 

Texto | Aníbal FernandesFoto | Ricardo Zambujo

Os presidentes das câmaras geridas pelos socialistas no distrito de Beja reuniram-se, no passado dia 17, em Beringel, e visitaram os trabalhos de requalificação do troço de obra no IP8, entre Ferreira do Alentejo e Beja.

Em comunicado, os eleitos do PS criticaram o deputado do PSD, Gonçalo Valente, que acusam de “reescrever a história”, e reclamaram os louros da “obra que agora percorre todo o corredor entre Santa Margarida do Sado e Beja” para o governo de António Costa, “nomeadamente, no que diz respeito à preparação, planeamento e à sua orçamentação”.

No mesmo documento os autarcas socialistas reafirmam “a importância estratégica de uma ligação rodoviária”, em perfil de autoestrada até Espanha, mas afirmam que as recentes referências do secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Espírito Santo, à conclusão da A26, não passam de “promessas de um governo demissionário e descredibilizado”, uma “ilusão com fins eleitorais”.

Em resposta, o deputado social-democrata, também em comunicado, acusa os socialistas de “falta de vergonha” e de “desespero eleitoral” ao anunciarem que “pretendem a A26 até Ficalho”.

Gonçalo Valente, numa referência à governação socialista, diz que “durante seis custosos anos nem de IP8 ouvimos falar” e acusa os socialistas do Baixo Alentejo de terem sido “cúmplices da insegurança e da falta de condições que este traçado vinha a demonstrar dia após dia. Caiu um PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] do céu e lá se lembraram que a principal estrada que liga Beja a Lisboa podia ser arranjada sem custos para o Governo”.O deputado do PSD eleito por Beja diz, ainda, que, nos últimos 10 meses, desenvolveu “um conjunto de diligências junto da tutela para que o IP8 não inviabilizasse a A26” e recorda que no dia 12 de fevereiro passado o secretário de Estado das Infraestruturas “assumiu numa audição parlamentar o compromisso” de incluir esta obra na agenda do Governo agora demissionário.

Quanto a este último ponto, os socialistas responderam na segunda-feira, com outro comunicado, dizendo que “desse famoso conjunto de 31 obras, paridas num Conselho de Ministros já em campanha eleitoral”, o Governo só assegurou o financiamento de oito intervenções, e, garantem, “o troço da A26 não está contemplado, atirando este governo a sua concretização futura para um modelo de parcerias público-privadas que não serve os interesses de desenvolvimento de uma região do interior como a nossa”.

Um dia depois, também em comunicado, Gonçalo Valente respondeu aos socialistas, considerando que “acusar este governo de um pacote nacional, onde se incluía a A26, como promessa eleitoral, quando o Governo assumiu o compromisso, publicamente, um mês antes de o PS iniciar o assalto ao poder, é ridículo”.

O deputado social-democrata, perante as dúvidas de financiamento levantadas pelos autarcas socialistas sobre a A26, garante que “existe um projeto, [que] terá de sofrer algumas alterações em virtude da reabilitação do IP8”, que as “expropriações estão feitas” e quanto à declaração de impacto ambiental [apesar de ter 10 anos] “não há nada que faça pensar que [haverá] uma avaliação diferente”.

O que está no terreno Com tantos avanços e recuos, em relação às obras no IP8/A26, o “Diário do Alentejo” questionou a Infraestruturas de Portugal (IP) sobre o estado das obras no terreno, nomeadamente, as duas empreitadas que se desenvolvem neste traçado.

A primeira diz respeito à requalificação do troço entre os quilómetros 20,618 (limite de distrito Setúbal/Beja) e  42,710 (rotunda de ligação com a ER2, em Ferreira do Alentejo), inclui a construção da variante a Figueira dos Cavaleiros, com uma extensão de 3,9 quilómetros, e requer um investimento de 30,8 milhões de euros. A obra iniciou-se em outubro e tem um prazo de execução de 540 dias.

A segunda desenvolve-se no troço entre os quilómetros 51,280 (Ferreira do Alentejo) e 73,810 (rotunda de ligação ao IP2 em Beja) e inclui a construção da variante a Beringel, com uma extensão de 2,9 quilómetros. Esta empreitada envolve um investimento de 33,6 milhões de euros, teve início a 6 de janeiro deste ano e também tem o prazo de execução de 540 dias.

De acordo com a informação prestada pela IP ao nosso jornal, “as empreitadas são promovidas no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), na sua componente infraestruturas, em concreto, no investimento dedicado a ‘Missing links e Aumento de Capacidade na Rede’, tendo como objetivo melhorar a coesão territorial e a competitividade corrigindo as ligações em falta na rede rodoviária”.

Ainda segundo a IP, “as intervenções em curso visam a requalificação da infraestrutura rodoviária, melhorando significativamente as condições de circulação e segurança rodoviária, nomeadamente, na travessia das áreas urbanas de Santa Margarida do Sado, Figueira dos Cavaleiros e Beringel”, e compreendem “a reabilitação e reforço da capacidade estrutural do pavimento existente; a correção das zonas de curva atualmente de raio mais reduzido; a construção de novas rotundas para interligação da rede existente com as novas variantes; a criação de uma rotunda, ao quilómetro 71,200 do IP8, para melhor [ligação] com a zona comercial existente nas imediações de Beja; a melhoria dos diversos entroncamentos e cruzamentos existentes de acesso à rede viária local; a pavimentação das bermas; a reorganização das gares de BUS [autocarros] e das zonas de recolha de resíduos domésticos; a beneficiação do sistema de drenagem da via”.

A direção de comunicação e imagem da IP esclareceu, ainda, que “as duas novas variantes, às localidades de Figueira dos Cavaleiros e de Beringel, terão perfil tipo autoestrada, pelo que apresentam características de traçado compatível com velocidade base de 120 km/hora”, e que “a sua construção aproveita o espaço do canal da A26” e vão “interligar com a rede rodoviária existente através de novas rotundas”.

A IP diz, ainda, que, “nesta fase, não está em execução a variante a Ferreira do Alentejo”, mas não adiantou as razões para tal.

 

 

E o resto é história…

Há cinco anos, em março de 2020, o “Diário do Alentejo” fazia o ponto da situação desta “obra de Santa Engrácia”. Escrevíamos, então, que a A26, pensada para ligar Sines a Beja – com final da construção previsto para 2012 –, tinha apenas dois pequenos troços terminados entre Sines e Relvas Verdes e entre o nó de Grândola Sul e Malhada Velha.  Em 2010 as obras foram para o terreno, mas, em dezembro de 2011, foram suspensas. Numa visita a Beja, o então secretário de Estado das Obras Públicas, Sérgio Monteiro (do governo de Passos Coelho), justificou a situação com “dificuldades da empresa concessionária em aceder ao crédito”, mas garantiu que o Governo era “completamente alheio” à situação. Jorge Pulido Valente, então presidente da Câmara Municipal de Beja, mostrava-se preocupado e adivinhava que o problema não se iria “resolver rapidamente”. A Estradas de Portugal (EP) [na altura a dona da obra e depois integrada na IP] afirmava, por seu lado, que a decisão de construir a A26 tinha sido “um equívoco técnico”, porque “o tráfego previsto não justificava a criação de uma autoestrada dispendiosa para ficar literalmente sem trânsito”.  Apesar disso, em 2012, a EP renegociou o contrato de concessão com a Estradas da Planície (SPER) e cancelou os dois lanços da A26 entre Relvas Verdes e Grândola e entre Santa Margarida do Sado e Beja, onde tinham sido “gastos cerca de 35 milhões de euros”, montante “mal aplicado”, e questionava a utilidade de “aproveitar as infraestruturas existentes”.  Em outubro de 2022, uma delegação da Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal) reuniu-se com o então ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, e saiu com a notícia de uma “semi-autoestrada” no IP8, cujas obras deveriam começar em finais de 2024, que é o que temos. O resto é história…

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