Atrasos na assinatura de contratos que permitam transitar do regime de ocupação diária para o mensal, lojas ainda encerradas, não cumprimento dos horários e pouca afluência ao espaço são algumas das queixas manifestadas pelos operadores do Mercado Municipal de Beja, espaço que reabriu há quase cinco meses, depois de quatro anos encerrado para obras de requalificação.
Texto Nélia Pedrosa
Quatro meses e meio após a reabertura do Mercado Municipal de Beja, as duas operadoras de produtos hortícolas que ocupam o espaço diariamente, de segunda-feira a sábado, ainda não transitaram do regime de ocupação diária de banca para o regime mensal, estando a pagar, por isso, cerca “500 euros” por mês. “Eu vendia só ao sábado no [largo do] Santo Amaro. Entretanto, porque precisava de vender todos os dias, decidi vir para o mercado à diária, mas sendo a diária durante pouco tempo, um mês, dois meses, no máximo, sempre com a expectativa de assinar um contrato”, sublinha, ao “Diário do Alentejo”, Francisca Parreira, adiantando que a situação se está a tornar incomportável, uma vez que “à segunda, terça e quarta os clientes são pouquíssimos”. As vendas acabam por melhorar entre quinta e sábado, admite, mas, “com esta renda, de 127 euros e qualquer coisa por semana, é complicado”. Por isso não sabe se conseguirá aguentar “o mês de fevereiro”, até porque “janeiro, a seguir ao Natal, é sempre paradíssimo, assim como também o será fevereiro”. “O nosso problema, neste momento, é mesmo a falta do contrato para que possamos começar a pagar o que é justo”, reforça.
Também Fátima Silva, que durante os quatro anos em que decorreram as obras de requalificação do mercado ocupou uma tenda no largo de Santo Amaro, lamenta os atrasos “na assinatura do contrato” que lhe permitirá transitar de regime e, consequentemente, baixar significativamente o valor das taxas. “As pessoas que assinaram as promessas de regressarem [ao mercado, depois das obras] é que tiveram direito aos contratos. Eu também tinha banca [no mercado, antes do encerramento], mas não sabia como é que iria ser, porque estivemos muito tempo no Santo Amaro, por isso não me comprometi a voltar”, justifica a operadora, realçando que “as melhores vendas são ao sábado, porque as pessoas trabalham durante a semana”, mas é “impensável trabalhar só quatro sábados por mês”.
Caso os contratos para o regime mensal de banca não sejam assinados brevemente, Fátima Silva também não conseguirá suportar as despesas por muito mais tempo. “Ou pagamos a fruta ou pagamos a diária do mercado, porque não dá para tudo”, afirma, lembrando que, atualmente, são só duas as operadoras de hortícolas “a venderem diariamente no mercado”. “Somos nós que estamos a segurar o mercado, se formos embora, o mercado deixa de ter vendedores de fruta todos os dias. Os outros colegas só vêm vender ao sábado”.
Na opinião de Francisca Parreira seria benéfico, ainda, se o horário das bancas de hortícolas fosse alargado até às 18:00 horas, com encerramento para almoço, de modo a atrair mais clientes, e se fossem transferidos para o mercado alguns dos eventos que decorrem noutros pontos da cidade, como “o mercadinho do jardim do Bacalhau [praça Diogo Fernandes]”. “O mercado esteve parado durante muito tempo e, apesar de a câmara ter feito bastantes eventos para puxar as pessoas, há muitas que ainda não aderiram. Há ainda quem pense que o mercado está fechado ou que só abre ao sábado. Por exemplo, o bolo-rei gigante que foi feito na Casa da Cultura podia ter sido feito aqui. Tem que se dar a conhecer para as pessoas virem. Fazer mais publicidade. Não basta abrir”.
Já Vanda Gaspar, que ocupa uma das lojas interiores do mercado com a venda de roupa e artesanato e serviço de engomadoria, contesta o facto de os horários não estarem a ser cumpridos por todos os operadores, apesar de constar nos contratos “que são obrigados a cumprir, no mínimo, oito horas de trabalho”. E existirem lojas, nomeadamente, na área da panificação/restauração, que ainda não abriram, “também não ajuda a atrair mais clientela”, lamenta.
“A partir das quatro da tarde ficam abertas umas quatro ou cinco portas. O resto fecha. Os clientes assomam-se ali [à entrada do mercado], veem duas ou três portas abertas e já não entram”, diz a lojista que, à semelhança de Francisca Parreira, defende a realização, eventualmente mensal, de “mercadinhos, por exemplo, de artesanato”, para “criar o hábito no cliente”. “Temos um espaço grande. Tivemos aí os insufláveis para as crianças. As crianças estavam brincando e as mães ou vinham às lojas ou estavam na esplanada. Era uma coisa que também chamava”.
Vanda Gaspar queixa-se, igualmente, do facto de “as lojas serem muito frias” e de não lhes ser permitido colocar sistemas de climatização, “apesar de a instalação estar feita”. “Não podemos instalar um ar condicionado. Não podemos pôr [nada] para o exterior [na parede]. O que nos disseram foi que poderíamos furar o vidro [da loja] e colocar um tubo para um ar condicionado portátil. Mas [ficar dentro da loja] faz muito barulho”.
Ainda assim, a lojista considera que o mercado “é um sítio bom, agradável, está tudo limpinho”, falta-lhe “é movimento”.
“O que nós temos falta é de pessoas. Que as pessoas venham e que tomem por hábito frequentar o mercado municipal. Porque de resto…”, diz, por sua vez, Ana Evaristo, que ocupa uma loja com vestuário para criança, jovem e adulto, quase paredes-meias com o espaço de Vanda Gaspar. E acrescenta: “O mercado tem tudo para dar certo, tem é de haver um planeamento estratégico, muitas atividades a decorrer, porque já vimos que quando há coisas a acontecer as pessoas vêm. É uma questão de nos sentarmos, lançarmos para cima da mesa várias atividades, até com custos baixos ou sem custos. E, depois, divulgar atempadamente para as pessoas aderirem”.
Alargamento de contratos deverá ser aprovado na próxima reunião de câmara
Os atrasos na assinatura dos contratos e a fraca adesão ao mercado, entre outras questões, levaram Francisca, Fátima e Vanda a marcarem presença na última reunião de câmara, no passado dia 22, onde expuseram a situação. O presidente da Câmara de Beja, Paulo Arsénio, em resposta, frisou que quem assinou com a autarquia os contratos que previam o regresso dos antigos operadores ao mercado “ficou, automaticamente, no regime mensal de banca”, e admitiu que, de facto, em relação aos restantes, “a situação já podia ter sido ultrapassada”, porém, como o projeto de “alargamento tem de ir a reunião de câmara e depois à assembleia municipal, ainda não foi possível”. Paulo Arsénio espera que o documento possa ser aprovado já na próxima reunião de câmara, agendada para o dia 5 de fevereiro, para depois ir à “assembleia municipal do dia 19”.
No que aos problemas de climatização diz respeito, o edil avançou que, “em função de ser uma construção dos anos Sessenta”, do ponto de vista técnico “não é viável” a colocação, “nas áreas coletivas e comuns [do mercado], de um sistema de climatização geral”.
E sobre o não cumprimento de horários por parte de alguns operadores, garantiu estar atento à situação. “Procuramos, sempre que entendemos que há incumprimentos graves e reiterados por parte de operadores, encaminhar [a situação] para o gabinete jurídico para conseguirmos a recuperação das lojas e colocá-las novamente em arrendamento para novos interessados. É uma tarefa que não é fácil mas estamos empenhados nisso. Nem todas as situações são iguais, mas há operadores que assinaram connosco compromissos de abrirem no prazo de 90 dias e já passaram mais de 200 e não se vê perspetiva de abrirem, e alguns com valores já em atraso… Mas estamos empenhados em melhorar, em recuperar as lojas que conseguirmos e colocá-las de novo a concurso para quem esteja verdadeiramente interessado em dinamizar o mercado”, disse, frisando que “não é possível, legalmente, chegar com uma equipa [ao mercado] e despejar um operador”.
Paulo Arsénio revelou, ainda, que o “concurso para gestor de mercado ficou com três pessoas apuradas, mas nenhuma aceitou”, pelo que a autarquia está a recorrer “à mobilidade” para conseguir alguém que fique “permanentemente no mercado”.
O “Diário do Alentejo” tentou obter, junto do presidente da Câmara de Beja, esclarecimentos adicionais sobre as referidas queixas, mas tal não foi possível até ao fecho da presente edição.
Os operadores do mercado aguardam agora que seja agendada uma reunião com a autarquia para poderem discutir os problemas e encontrar soluções.
“Nós viemos esperançadas [da reunião de câmara], porque nos responderam que as assinaturas dos contratos vão avançar. Mas vamos ver… Vamos voltar às reuniões de câmara até conseguimos o nosso objetivo. Porque senão a gente desiste e vai-se embora”, conclui, em declarações ao “DA”, Fátima Parreira.
Recorde-se que o mercado municipal reabriu a 12 de setembro do ano passado, depois de ter encerrado em fevereiro de 2020 para obras de requalificação, que representaram um investimento na ordem dos 2,4 milhões. No total, o espaço renovado passou a dispor de quatro quiosques, 21 lojas, 12 bancas de pescado e 14 de hortícolas e outros produtos alimentares e, ainda, de uma zona de esplanada comum.