Diário do Alentejo

Fim das manifestações de interesse não trava imigração ilegal na região

21 de setembro 2024 - 08:00
Imigrantes continuam a chegar, apesar das alterações impostas pelo Governo
Ilustração | Susa Monteiro/ArquivoIlustração | Susa Monteiro/Arquivo

Entidades de apoio a imigrantes com sede em Beja garantem que fim das manifestações de interesse, determinado pelo Governo no início de junho, não está a travar “a entrada ilegal” de pessoas na região e sublinham que a partir do próximo mês, com o início da campanha da azeitona, esse número irá aumentar significativamente.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

O secretário de Estado-Ad-junto da Presidência, Rui Freitas, em entrevista recente ao “Diário de Noticias”, afirmou que, passados três meses após o fim das manifestações de interesse – uma das principais medidas para tentar estancar o efeito-chamada que constam do Plano de Ação para as Migrações aprovado pelo Governo no início de junho –, é evidente “uma redução no fluxo migratório” no País.

A diretora-geral da associação Estar, com sede em Beja, admite ao “Diário do Alentejo” que esse decréscimo poderá dizer respeito “aos que tentam entrar ilegalmente através das alfândegas, por barco ou avião, e que se não tiverem toda a documentação são mandados de volta, mas isso já acontecia”, não aos que “passam pela fronteira terreste, por Espanha, sem documentos”. Esses, sublinha Madalena Palma, “continuam a chegar diariamente”, “pelo menos” à Estar, “com dúvidas, pedidos de apoio, alimentação, cama, com a ilusão de que em Beja há tudo e depois deparem-se com o facto de não haver”. Considera, por isso, que o fim das manifestações de interesse “não foi impeditivo da entrada ilegal de imigrantes”.

“Não notamos diferença. Con-tinuam a chegar todos os dias à Estar – uma média de 30 por dia, mas são mais os que chegam [à cidade] porque nem todos nos procuram. E nós continuamos a dizer que aqui é muito difícil, porque o número de imigrantes é muito superior àquele que é necessário para o trabalho agrícola e não só. Damos a comida do dia – porque muitos vêm, às vezes, com dias sem comer –, uma manta ou cobertor quando nos é solicitado e encaminhamos para outras respostas. Em muitos momentos pedem-nos apoio para irem para outras cidades e nós facultamos isso, de autocarro ou comboio”, reforça a responsável. Com o início da campanha agrícola da azeitona, a partir de outubro, adverte Madalena Palma, “chegarão muitos, muitos mais”.

A diretora-geral da Estar salienta, ainda, que há imigrantes que contactam a Estar “porque não conseguem contactar a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA)”, criada em 2023 e que substitui, em algumas competências, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). “A AIMA de Beja não dá resposta. Encaminham para um email e depois o email não dá resposta. E posso dar o melhor exemplo de como o funcionamento da AIMA é péssimo. A Estar acolheu um casal refugiado em outubro, da Costa do Marfim, vindo de Lampedusa, em Itália, numa situação de grande vulnerabilidade. Passados 11 meses ainda não foram chamados à AIMA. Vieram sem documentos, não têm nada, estão totalmente ilegais. Não podem trabalhar, ter acesso à saúde. São pessoas ativas que querem trabalhar, que querem ter uma vida independente”.

Na entrevista ao “Diário de Notícias”, o secretário de Estado- -Adjunto da Presidência adiantou que “está em fase avançada o concurso, que será nos próximos dias, para um call center” da AIMA.

Ao Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes (Claim), projeto integrado na Cáritas de Beja que abrange, ainda, os concelhos de Aljustrel, Alvito, Cuba, Ferreira do Alentejo e Vidigueira, também continuam a chegar novos imigrantes, que “vêm à procura de melhores condições de vida” e que “agora não têm forma de se regularizar”, sendo que “vão ficar em território nacional numa situação de grande vulnerabilidade, o que é preocupante”, diz a coordenadora do centro apoiado pelo Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração (FAMI 2030). Teresa Martins adianta que o Claim também tem vindo a ser procurado, desde a aprovação do Plano de Ação para as Migrações, “por pessoas que já se encontravam em território nacional, que inclusivamente já estavam a trabalhar, mas que ainda não tinham reunido toda a documentação necessária para iniciar o procedimento [de regularização] através da manifestação de interesse”.

“Neste momento essas pessoas ficaram numa situação de grande vulnerabilidade. Algumas conseguiram manter o trabalho, outras com alguma dificuldade, até porque as entidades patronais ficaram na dúvida, e bem, sem saber o que irão fazer estas pessoas, porque não vão conseguir iniciar o seu processo por esta via [da manifestação de interesse]”, refere a responsável, sublinhando que “são pessoas que vieram de vários países e que também não têm condições para retornar ao país de origem para adquirirem nos postos consulares o visto de trabalho, ou visto de procura de trabalho, para depois voltarem [a Portugal] e iniciarem o seu processo de regularização”. E mesmo que tenham essa vontade, existem “também os constrangimentos dos postos consulares dos países de origem – falta de recursos humanos, celeridade do processo que leva as pessoas ao desespero. Deixam de existir filas à porta da AIMA e passa, provavelmente, a haver filas de pedidos de visto nos países de origem, o que poderá levar as máfias a aproveitarem-se dessas pessoas e [a exigirem] que paguem valores altíssimos para conseguirem um agendamento para obterem a documentação necessária para entrar em Portugal”.

Ainda que admita que a obrigatoriedade do visto de trabalho seja uma medida que, “a longo prazo, pode ter os seus benefícios, porque as pessoas vêm com contratos, com melhores condições para trabalhar”, para já “está muito aquém daquilo que são as expectativas das pessoas que ainda estão em território nacional”. Teresa Martins considera, assim, que “há um conjunto de orientações” que necessita, urgentemente, de ser conhecido para que “as pessoas tenham uma resposta adequada às suas necessidades”.

 

“É a economia que continua a chamar os imigrantes”

 

A ser verdade essa “redução no fluxo migratório”, diz, por sua vez, Alberto Matos, membro da direção da Associação Solidariedade Imigrante (Solim) e responsável pela delegação do Alentejo, com sede em Beja, “é uma situação altamente negativa para a economia, com efeitos desastrosos”, porque “uma das conclusões [de um estudo] da Universidade do Porto é que o País precisa desesperadamente de imigrantes para poder crescer”.

De acordo com o responsável, as consequências da alteração da lei fizeram-se sentir “de imediato” na região, no dia 4 de junho, com trabalhadores a contactarem a Solim. “O primeiro caso foi de uma trabalhadora brasileira de um lar em Beja, em funções há quase um mês, mas que só nesse dia recebera o contrato de trabalho e quando ia submeter a sua manifestação de interesse a página [da Internet] estava em manutenção e pouco depois foi desativada. E também um restaurante do concelho de Mértola que pretendia regularizar a contratação de um cozinheiro da República Dominicana e deparou-se com o mesmo”. “Daí para cá”, acrescenta, “têm sido inúmeros os casos, sobretudo, na hotelaria e na construção civil”, de pessoas que “não conseguem regularizar a sua situação”. Na agricultura, “esses não perguntam nada”. “Na apanha de fruta, os frutos vermelhos, no caso do litoral, na azeitona, que irá começar daqui a pouco tempo, na vindima que estamos em curso…. É evidente que contratam imediatamente ou subcontratam aos engajadores e nem sequer perguntam se têm manifestação de interesse, se têm algum documento”, frisa. E mesmo na restauração, Alberto Matos acredita que alguns trabalhadores, com a situação não regularizada, “acabaram mesmo por trabalhar, particularmente, no verão, e no litoral, onde a pressão turística é maior”.

O dirigente adverte também para o esperado aumento de imigrantes nos próximos meses na região, “a partir de outubro, com a azeitona”, e diz que, “terminada a campanha”, alguns ficarão “na rua, porque não há habitação suficiente para todos”. “Não são as leis que têm um efeito de chamada [de imigrantes], as leis respondem sempre em atraso. É a economia que os continua a chamar”, conclui.

A Solim irá reunir-se, em meados de outubro, segundo adianta o dirigente, com os seus associados no Alentejo, nomeadamente, em São Teotónio, Odemira, para dar a conhecer uma petição que pretende “obrigar o parlamento a discutir as últimas leis à imigração” e mobilizar os imigrantes para a concentração agendada para 25 de outubro em frente à Assembleia da República.

Comentários