Diário do Alentejo

Vai nascer em Serpa o Museu do Humor e Absurdo

20 de setembro 2024 - 08:00
Catálogo da obra de Sam – cujo centenário se comemora neste ano – será apresentado amanhã
Foto | D.R.Foto | D.R.

É já amanhã, sábado, dia 21, que vai ser apresentado, em Serpa, o catálogo da coleção do artista plástico Sam e o Museu do Humor e Absurdo. O evento terá lugar na Biblioteca Municipal Abade Correia da Serra, às 16:30 horas, e a entrada é livre. Para João Efigénio Palma, presidente da Câmara Municipal de Serpa, trata-se de “uma aposta da autarquia na cultura enquanto fator de desenvolvimento do nosso território, no presente e no futuro”.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

O espólio do artista plástico Sam, adquirido pela Câmara Municipal de Serpa em 2009, vai poder ser visto na sua totalidade no catálogo da coleção que será lançado amanhã, sábado, assinalando, assim, o centenário do nascimento do autor.

A vereadora Odete Borralho explica a razão para que só agora as obras adquiridas possam ser apreciadas pelo público: “Há cerca de três anos o Museu Nacional de Arte Contemporânea lançou o projeto ‘Portugal entre Patrimónios’, que tinha como objetivo a avaliação de diferentes coleções na posse de várias entidades. O município de Serpa aderiu e celebrou um protocolo que disponibilizou técnicos habilitados inexistentes na câmara e que nos trouxe até aqui”.

No entanto, não quer dizer que a obra tenha estado “escondida”, uma vez que, pontualmente, tem sido apresentada em vários espaços. É disso exemplo uma exposição no Musibéria, realizada em 2013, e a cedência de algumas peças para serem exibidas no Museu Nacional de Arte Contemporânea ou no Museu do Design (MUDE), em Lisboa.

O protocolo previa também o estudo e a escolha do espaço ideal para a apresentação permanente de parte do espólio que consta de cerca de mil objetos. No sábado, para além do catálogo em que se pode ver toda a coleção, será também apresentado o projeto de arquitetura da autoria de Manuel Lacerda e Maria José Moreira previsto para um espaço contíguo ao edifício da Musibéria. “Vamos agora dar início ao projeto, mas não nos comprometemos com uma data para a inauguração. No entanto, gostaríamos que tal fosse possível durante o próximo ano”, adianta Odete Borralho.

Por seu lado, o presidente da autarquia, José Efigénio Palma, considera que “ao adquirir uma parte significativa da obra de Samuel Azavey Torres de Carvalho (Sam), a Câmara Municipal de Serpa não apenas assume uma responsabilidade acrescida, mas também se posiciona como guardiã de um elemento distintivo de valor incontestado na oferta cultural nacional. A obra do Sam vai além da estética e do humor, incorporando dimensões políticas, sociológicas e antropológicas que abrem uma janela para a compreensão mais profunda da sociedade e da política da época”.

Assim, amanhã, às 16:30 horas, na Biblioteca Municipal Abade Correia da Serra, estarão presentes para falar sobre Sam, e a sua obra, Emília Ferreira, diretora do Museu Nacional de Arte Contemporânea, Luís Afonso, cartoonista, Rui Zink, escritor e professor universitário, Lúcia Saldanha, autora do projeto “Portugal entre Patrimónios”, e Manuel Lacerda, arquiteto.

O catálogo apresentará a obra do artista Samuel Azavey Torres de Carvalho, para além dos cartoons publicados durante décadas na imprensa e de que é exemplo o icónico “Guarda Ricardo”. No catálogo pode ler-se que o autor “deu vida a uma série de objetos absurdos e transformados, como funis, cadeiras e enxadas, explorando o humor, a sátira e a crítica social de uma forma visual única”.

 

“O homem dos sete instrumentos”

 

Luís Afonso, um dos oradores da sessão de apresentação do catálogo, cruzou-se com Sam no início da sua carreira de cartoonista e acabaria, após a sua morte, por o substituir, até hoje, nas páginas do jornal “Público”. “Foi difícil, pois dentro dos cartoonistas que existiam era dele que mais me aproximava em termos de registo”, explica ao “Diário do Alentejo”.

“Conheci-o nos anos 80 nas exposições de cartoons que se realizavam nessa altura. Eu era o novato dos novatos e ele teve a amabilidade de me convidar para visitar o seu ateliê. Gostava de mostrar e partilhar o seu trabalho”, diz o cartoonista natural de Aljustrel, mas a viver em Serpa há décadas.

“Não o consigo definir apenas como cartoonista”, diz Luís Afonso, acrescentando que a atividade de Sam “era muito diversificada”. “Poderia ser ‘o homem dos sete instrumentos’, do Sérgio Godinho”, adianta. O seu trabalho “põe-nos a pensar em assuntos, que, apesar da contundência de algumas situações, é feito com uma elegância e subtileza evidentes”, conclui.

 

Sam: um autor multifacetado, dos cartoons aos filmes

 

Samuel Azaveyev Torres de Carvalho – mais conhecido por Sam – nasceu em Lisboa em 1924 e notabilizou-se pela sua participação em inúmeros projetos jornalísticos, principalmente, através do personagem “Guarda Ricardo”, que foi impresso, pela primeira vez, no jornal “Notícias de Amadora”, em maio de 1971, ainda durante o regime do Estado Novo e com a censura à espreita. Depois, os seus trabalhos gráficos foram publicados em dezenas de publicações periódicas, de que se ressalta o “Expresso”, “Diário de Notícias”, “A Capital” e o “Público”, onde publicaria até à sua morte, a 21 de fevereiro de 1993. Apesar de se ter tornado conhecido pela publicação dos seus cartoons na imprensa, Sam desenvolveu trabalhos tridimensionais e, até, filmes com base na sua figura mais carismática para a “RTP”, protagonizado pelo ator Mário Viegas. Em 1993, Mário Soares, então Presidente da República, agraciou-o, a título póstumo, com o grau de comendador da Ordem do Infante D. Henrique.

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