24 de julho de 1980. É esta a data de constituição da Somincor – Sociedade Mineira de Neves-Corvo S.A, que assinalou, há pouco mais de um mês, 44 anos de existência. É uma das maiores empresas nacionais, no que diz respeito à exportação e ao contributo para o Produto Interno Bruto (PIB) do País. Uma cidade à superfície, mas também no subsolo, junto às duas aldeias, do concelho de Castro Verde, que lhe dão nome: Neves da Graça e A-do-Corvo.
Texto| Marco Monteiro Cândido Foto | Ricardo Zambujo
“Maior contribuinte para o PIB [Produto Interno Bruto] do Baixo Alentejo; representamos cerca de oito por cento do PIB da região do Alentejo; somos responsáveis por cerca de 10 por cento das exportações do Alentejo e de 40 por cento do Baixo Alentejo; contribuímos diretamente para o rendimento de cerca de nove por cento das famílias da nossa área de influência (Almodôvar, Aljustrel, Castro Verde, Mértola e Ourique); entre emprego direto, indireto e induzido geramos cerca de 5000 postos de trabalho”. É através destes indicadores que o administrador delegado da Somincor, António Salvador, sublinha que a empresa é “o grande motor económico e social desta região”. Criada há 44 anos, data cumprida há cerca de um mês, o impacto que tem e o papel que a mina de Neves-Corvo representa para a região mais a sul do distrito de Beja está também em foco, por estes dias, a propósito do Festival Castro Mineiro, que se realiza em Castro Verde (ver página 10).No entanto, a mina de Neves-Corvo tem sido objeto de atenção mediática nas últimas semanas devido às notícias trazidas a público pelo jornal económico on line “Eco”, dando conta que a empresa-mãe da Somincor, a canadiana Lundin Mining, teria colocado a mina à venda, Em meados deste mês de agosto, o mesmo jornal económico noticiou que “estrangeiros dominam corrida à Somincor”, tendo sido já escolhidos “os candidatos para a apresentação de propostas firmes”. Ao “Diário do Alentejo” (“DA”), sobre a possibilidade da Lundin Mining vender a Somincor, estando já numa segunda fase com uma short-list de interessados, e quais as razões para isso acontecer, António Salvador não comenta, adiantando que “não parece haver qualquer razão para que se gere alarme social” sobre uma possível venda, nomeadamente, em termos de exploração futura e perda de postos de trabalho.
Pelo mesmo diapasão alinha o presidente da Câmara Municipal de Castro Verde, António José Brito, autarca do concelho onde está sediada a mina de Neves-Corvo. “A Lunding Mining é uma grande empresa internacional do setor mineiro e a Somincor é um ativo apetecível em termos de mercado global que é gerido segundo os interesses do grupo proprietário”. E acrescenta: “É legítimo que a empresa, tendo um ativo tão importante e valioso, o possa rentabilizar e entendemos isso como um ato de gestão normal no seio de um grande grupo económico”.Para António José Brito, apesar de a autarquia ter “pouca informação sobre o negócio”, a convicção é de que o mesmo decorra “com toda a transparência e em sintonia com os trabalhadores e a comunidade”. “A ideia de diabolizar a venda de uma empresa é de outro tempo. Não faz sentido andar à procura de fantasmas onde eles não existem”. Até porque, segundo o autarca, têm sido feitos “investimentos relevantes”, recentemente, por parte da empresa e “tudo leva a crer que o processo decorrerá dentro da maior normalidade”, continuando o seu concelho a ter “uma empresa muito sólida, geradora de emprego e de riqueza”. E remata: “A venda de empresas acontece todos os dias em todo o lado. É o mercado a funcionar”.
No final da semana passada, a propósito deste assunto, o ministro da Economia, Pedro Reis, em resposta a uma pergunta colocada pelo deputado António Filipe, do PCP – em que apontava à “defesa do interesse nacional”, os “interesses dos trabalhadores” e os lucros marginais em território português (em que a Somincor paga “impostos relativamente modestos”, em contraponto a “um ganho de centenas de milhões de euros” que não será “tributado em Portugal”) face ao processo de venda –, sublinhou que a Somincor “é uma empresa privada, de gestão igualmente privada”, finalizando: “Consciente da relevância social e económica da Somincor para os trabalhadores, para a região e para o país, o Governo exercerá as suas competências na garantia de pleno respeito das normas legais e laborais em vigor”.
A operação da empresa Ao longo dos 44 anos de operação da Somincor, que é, segundo o administrador delegado da empresa, “uma referência na produção de cobre, zinco e chumbo”, esta tem afirmado “uma atividade fundamental para a região e importante para o País”. António Salvador recorda que muito mudou na atuação da empresa, nomeadamente, “o decréscimo dos teores de minério”, o que tem obrigado a um incremento de “produtividade e a controlar de custos”. Nesse sentido, sublinha ao “DA”, têm vindo a inovar a sua operação, “com a introdução de tecnologia” que permite adequá-la “cada vez mais” aos desafios de operarem em “maiores profundidades numa mina que tem cerca de 200 quilómetros de galerias”.
Dos investimentos realizados ao longo dos anos, António Salvador destaca o “Projeto de Expansão do Zinco”, concluído em 2022, e a “Instalação de Resíduos do Cerro do Lobo”, duas “obras fundamentais para a competitividade e sustentabilidade” da operação da Somincor, “uma das maiores produtoras europeias de cobre e zinco”, que está “entre as 100 maiores empresas portuguesas e [que] é uma das principais exportadoras nacionais”.
Sobre a longevidade da mina de Neves-Corvo, que está no coração da Faixa Piritosa Ibérica (que se estende desde a zona de Alcácer do Sal até Sevilha, em Espanha, ao longo de cerca de 300 quilómetros), “o horizonte de vida”, no que diz respeito à extração, “é de 2032”. “Este horizonte pode ser alterado e estendido por mais alguns anos se se concretizarem alguns investimentos na exploração de novos jazigos já identificados”, afirma António Salvador. “Neste momento, exploramos cinco jazigos – Corvo, Graça, Lombador, Neves e Zambujal – e temos dois jazigos que estão por explorar – Monte Branco e Semblana”.
O impacto na região Sediada no concelho de Castro Verde, junto às aldeias de Neves da Graça e A-do-Corvo, a Somincor tem cerca de 1300 trabalhadores, contando, diariamente, com “outros tantos que são trabalhadores de empreiteiros”. Com um grande impacto no País, mas, sobretudo, no meio onde se insere, António Salvador estima que “cerca 85 por cento do total dos trabalhadores” sejam oriundos da região. “Em termos de género, somos uma empresa com uma percentagem larga de homens, mas nos últimos anos o número de mulheres na Somincor tem vindo a aumentar, estimando-se que representem cerca 14/15 por cento”.
E é na região, com especial destaque para os concelhos de Almodôvar, Aljustrel, Castro Verde, Mértola e Ourique, que se tem feito sentir a responsabilidade social da empresa, com especial enfoque, nos últimos cinco anos, nas áreas da educação e do empreendedorismo, refere o administrador delegado. “Nestas duas áreas já impactámos mais de 1500 jovens através de programas que implementamos com alguns parceiros, como a Junior Achievement Portugal e a ADPM [Associação de Defesa do Património de Mértola]. Para além deste investimento, olhamos muito para as comunidades que nos estão mais próximas, nas quais investimos mais de 1,5 milhões de euros nos últimos anos”.
Neves da Graça e A-do-Corvo Foquemo-nos, agora, nas aldeias que dão o nome à mina, Neves da Graça e A-do-Corvo, e que vivem paredes meias com a extração mineira, para o bem e para o mal. António Veiga, de 63 anos (na foto, a olhar para o complexo mineiro), vive nas Neves da Graça há 38 anos e, como muitos dos que residem na região, trabalhou na mina, como ajudante de eletricista. Se, ao “DA”, refere, em fim de conversa, que a mina é positiva para a aldeia onde vive, considera que muito mais poderia ser feito. “Acho que a mina devia fazer mais pela região, investir mais noutras áreas para haver sempre trabalho quando isto acabar. Isto um dia acaba. Trouxe muitas coisas boas para as pessoas que trabalham na mina, a evolução de Castro Verde... agora, para os povos aqui, trouxe pouco”. Entre as principais razões de queixa de António Veiga estão questões como “o pó que mandam para o ar”, a “poluição sonora” – que motivou uma queixa da sua parte ao Ministério do Ambiente – ou a possibilidade de abate de “azinheiras que já estão todas marcadas” para “meter painéis solares” junto à aldeia. Outra das questões que o antigo ajudante de eletricista aponta são os disparos, as rebentações na prospeção de minério, o que acontece duas vezes por dia, todos os dias, por volta das sete da manhã e das sete da tarde. “Às vezes abusam. Há quem diga que o minério é mau de sair (…) e depois tem ser mais forte”. E com isso vêm as marcas em casa, com rachadelas constantes, fruto do impacto das explosões, afirma António Veiga. “Não vale a pena reclamar”.
Do lado oposto das Neves da Graça, com a mina pelo meio, fica a A-do-Corvo, a outra aldeia desta parelha. São 09:30 horas, mas o largo da rua de Baixo, em contraste com o da Igreja, fervilha por essa hora, à dimensão da pequeno povoado. São nove as pessoas que se juntam por ali, antes que o calor aperte. Ilda Constantino, de 59 anos (na foto), é uma delas. Mãe e esposa de mineiro e de antigo mineiro, respetivamente, na mina que está paredes-meias, há cerca de 20 anos que está na aldeia que a viu nascer, depois de ter estado emigrada na Suíça. “Poluição, cheiros – quando disparam aquilo que a gente chama barrenos [tiros de mina ou pedreira], é um cheiro enxofre e a gente apanha com aquele cheiro todo porque estamos dentro da mina. E as poeiras, as rebentações, é igual. E, além disso, a maioria das pessoas tem as casas tudo estragado, rachadas, com os rebentamentos, que são muito fortes”. Esta é a descrição de Ilda Constantino de como é viver junto a uma mina. No entanto, reconhece, por outro lado, os benefícios que a exploração mineira trouxe. “Como digo uma coisa, também digo outra: trouxe muitos benefícios, muitos postos de trabalho. A mina deu uma grande vida aqui ao Alentejo. Mal de nós se ela acabar. Mas, como estamos dentro da mina, devíamos ser o povo mais beneficiado”.
Sentado ao lado de Ilda Constantino está Ernesto Faustino, de 85 anos, que recorda bem os tempos em A-do-Corvo, antes de haver mina, na sua mocidade. “Agora é que já se parece com qualquer coisa, nesse tempo não havia nada”. Sobre o que a mina trouxe de bom, a palavra “trabalho” surge-lhe facilmente no discurso. Apesar de nunca ter sido mineiro, ainda trabalhou em empresas de construção civil quando a mina começou a ser erguida, à superfície e no subsolo. “É pena é termos barrenos que quase levantam as vigas no ar. E termos tudo partido. Ainda esta manhã foi um que quase parecia que me levantava, parecia um tremor de terra”. Ilda Constantino corrobora: “Só que nós já estamos tão habituados aos barrenos, nem que venha um tremor de terra, a gente já não se apercebe”. Curiosamente, nessa manhã, houve mesmo um sismo, sentido, principalmente, na zona sul de Portugal. Em A-do-Corvo pensou-se, porventura, que seria mais um rebentamento na mina.