Caixas “miseráveis”, pouco movimento, estantes cheias e prejuízo no stock. O período das festividades está a marcar, pela negativa, a maioria do comércio de Beja, que receia ainda mais os meses “difíceis” de janeiro e fevereiro. A poucos dias da consoada, os investimentos feitos pelos lojistas não se “traduzem em nada” e “o tempo que falta já não vai salvar” a situação.
Texto Ana Filipa Sousa de SousaFoto Ricardo Zambujo
“Tem alguma coisa de gorros?”, questiona uma cliente, sem entrar, à porta da loja de roupa infantil de Ana Evaristo. A lojista apressa-se a mostrar na prateleira as toucas de lã que tem disponíveis, de várias cores e diferentes feitios, desabafando de seguida com o “Diário do Alentejo” (“DA”) que, ultimamente, têm sido os “gorros, os lacinhos e as meiazinhas” os artigos com mais procura e saída.
“Nós só servimos para as coisinhas pequenas. Só vêm mesmo em último caso. Compram os artigos on line e depois vêm aqui comprar uma ou outra coisa para completar [o conjunto]. Este ano está péssimo, tenho o negócio há 12 anos e normalmente nesta fase fazia 700 ou 800 [euros] todos os dias e agora anda numa média de 200 a 300 [euros], coisa que não é nada”, contesta.
Com a maioria da coleção adquirida em setembro, Ana Evaristo garante que, num ano normal, esta “já tinha saído toda e entrado mais uma ou duas vezes”, porém, neste ano o mesmo não está a acontecer. “É muito difícil e acaba por ser um pau de dois bicos, porque muitas das vezes penso que vou comprar mais para atrair clientes, mas, depois, e se comprar e não vender? Vou-me endividar mais? Não é fácil”, argumenta.
Uns metros à frente, Ana Paula Campaniço, funcionária de uma das ourivesarias da cidade, confirma que as vendas “estão um bocadinho mais fracas”. “Eu sou dos anos bons, porque trabalho nesta loja há 40 anos. Sou dos anos em que se vendia muito ouro, muito relógio, muita pulseira, dos anos mesmo, mesmo bons. Agora vende-se pratas, aços e smartwatchs. Hoje, vende-se muito pouco ouro, porque está muito caro”, esclarece.
No início das “Portas de Mértola”, em Beja, Rita Sanches, proprietária de uma loja de decoração, confirma a situação “muito fraca” e “muito abaixo das expectativas” que também ela sente neste ano e, sobretudo, nesta época. “Nós notámos logo no black friday, que era onde se faturava melhor, mas neste ano viu-se logo uma quebra grande e agora o tempo que nos falta já não nos vai salvar nada”, refere.
Sem conseguir comparar valores com anos anteriores, a lojista, assim como Ana Evaristo, assegura que “mesmo pela altura da troika [de 2011 a 2014], que foi muito difícil, nunca tivemos uma quebra tão grande como a que estamos a ter agora”, assim como o período pandémico, em que “de porta fechada e só com uma mesa à porta trabalhámos muito melhor do que atualmente”. “Nem parece Na-tal”, remata.
“Normalmente as pessoas vinham comprar artigos para os filhos ou noras, mas o que se nota neste ano é que compram para elas, por necessidade da casa, e não para oferecer. Sentimos uma diminuição também nos jantares de Natal, porque [antes] todo o jantar tinha uma troca de prendas e neste ano não. O jantar já é caro e as trocas de prendas deixaram de existir, [portanto] estas coisinhas pequeninas de três e cinco euros, como velinhas, estão todas em loja”, refere.
Esta mudança de hábitos de compra, fruto do aumento do custo de vida, também se tem feito notar na ourivesaria onde Ana Paula Campaniço trabalha. A funcionária recorda que antigamente as pessoas guardavam os subsídios de Natal para comprar uma peça de joalharia de qualidade para oferecer “às vizinhas, amigos e familiares”, mas hoje em dia “está a perder-se o hábito de comprar coisas boas, agora é mais lembranças ou o comprar prendas só para as crianças ou para a família lá de casa”.
“Parece-me que este ano está sendo mesmo mau, por exemplo, ainda ontem teve aqui uma cliente [a ver uns artigos] e eu disse-lhe que logo vinha cá quando recebesse o subsídio de Natal e ela respondeu-me que não, que o subsídio era para ajudar os filhos, porque a casa tinha aumentado muito e ela tinha de os ajudar. Os velhotes já ajudam os mais novos, as casas aumentaram imenso e isto é um artigo que não é de primeira necessidade, por isso não se compra”, refere.O presidente da Associação do Comércio, Serviços e Turismo do Distrito de Beja, João Rosa, confirma ao “DA” que os dados deste ano, apurados até segunda-feira, dia 18, revelam que a receita das vendas de Natal, no concelho de Beja, está “cerca de 20 por cento abaixo”, quando comparada com o mesmo período de 2022.
“E AGORA TEMOS O JANEIRO, O FEVEREIRO...”
Se os meses até agora, principalmente, novembro e dezembro, têm sido “complicados” de suportar, os que se avizinham também não serão melhores. Os produtos, na sua maioria, não têm sido escoados, acabando por ficar demasiado tempo em venda e passando mais tarde para inventário, o que acarreta, além da falta de lucro, um prejuízo e um acréscimo de stock que, segundo a experiência das vendedoras, não será colmatado nos próximos meses.
“E agora temos o janeiro e o fevereiro para ultrapassar. Vão ser meses muito difíceis, porque as despesas são fixas, os empregados são fixos, é tudo fixo e a rentabilidade dos espaços não dá, isto não vai dando. Nós abrimos as portas e, vendamos ou não, a despesa é fixa nos ordenados, nos subsídios de Natal, nas rendas... E, agora, primeiro que isto comece a rodar, vamos estar aqui muito tempo sem faturar nada de jeito. Este vai ser um ano muito complicado”, realça Rita Sanches.
A pensar nas dificuldades que os próximos meses trarão, uma vez que é uma altura naturalmente mais baixa e frágil nas vendas, Ana Evaristo espera que “mesmo ali em cima” das duas épocas festivas a situação descomplique e ajude “a pagar o resto da coleção”, para que estas despesas não passem também para “janeiro e fevereiro, que são sempre meses muito complicados”.
“HÁ MUITA GENTE QUE DEVE FECHAR PORTAS”
Quando ao futuro, a previsão é unânime. Com o aumento dos gastos em todos os setores e, consequentemente, a perda contínua do poder de compra, os lojistas acreditam que haverá muitas portas a fechar, principalmente, de estabelecimentos novos.
“Não tenho dúvidas nenhumas. As pessoas mais antigas ainda vão… vão… vão… porque quase que já não fazem grandes investimentos e o que têm está lá e têm de escoar e, muitas das vezes, como não têm rendas associadas, porque [os espaços] já são delas, estão ali ocupadas só para não irem para casa. Agora, nós, malta nova e dinâmica que quer andar para a frente, e vê que compra e não vende...”, afirma Ana Evaristo. Ainda assim, Rita Sanches acrescenta: “Acho que mesmo a malta mais velha do comércio, em que as casas são deles e não têm estas despesas que nós temos, vê que não dá”.
Este encerramento cada vez mais frequente e previsível de estabelecimentos comerciais e, por sua vez, o decréscimo da concorrência, prejudica, considera Rita Sanches, todo o meio, uma vez que “quanto menos comércio nós tivermos, menos procurados somos”.
A poucos dias do final do ano, as comerciantes, ainda que acreditem que as contas não se deverão alterar, mantêm a esperança de que venham “melhores dias” e que o período negativo que agora vivem será ultrapassando. “Já há muitas terras em Portugal onde (…) está na moda consumir-se no comércio local, por isso eu tenho esperança de que a coisa vá dar a volta”, conclui Ana Evaristo.
MERCADINHO DE NATAL “TROUXE MUITA GENTE”
O Mercadinho de Natal, que decorreu nas “portas de Mértola” de Beja de 7 a 10, promovido pela câmara municipal local, segundo as comerciantes, ouvidas pelo “Diário do Alentejo” foi “espetacular” e “positivo” para os seus negócios, uma vez que trouxe dinamismo e, sobretudo, pessoas até ao centro da cidade. “Devia haver mais animação para incentivar as pessoas a virem cá acima, porque, de facto, o mercado trouxe muita gente, algo que não se via há muito tempo e é a prova de que existem pessoas em Beja, agora, têm é de as atrair para aqui”, afirma Ana Evaristo. Rita Sanches acrescenta: “O mercado foi espetacular, trabalhámos muito bem, mas agora morreu. Precisamos de mais iniciativas destas, estendidas por mais fins de semana”. Desta forma, João Rosa, presidente da Associação do Comércio, Serviços e Turismo do Distrito de Beja, garante que irá entrar em contacto com a autarquia para lhe apresentar o feedback dos lojistas nesse fim de semana e propor não só a repetição do Mercadinho de Natal em 2024, mas, sobretudo, mais iniciativas do género em outras alturas, uma vez que, “fora desses três dias, a situação [de decréscimo de vendas] voltou”.
“NÓS TEMOS MEDO DE ESTAR AQUI E AS PESSOAS TEM MEDO DE SAIR”Um dos problemas apontados também pelos comerciantes daquela zona da cidade de Beja que tem vindo a comprometer as vendas é a falta de segurança que sentem de dia, mas, sobretudo, quando escurece. Ana Evaristo garante que “a gente” que se junta nas “portas de Mértola”, principalmente, imigrantes e toxicodependentes, aliado à falta de patrulhamento da PSP e GNR, tem feito com que a população e os lojistas tenham “medo”. “Há coisa de dois meses tivemos aí situações muito desagradáveis e algumas que se traduziram em tentativas ou roubos mesmo. Não está famoso, por isso é que a polícia a pé era muito importante”, conta. Rita Sanches partilha a mesma opinião. “Agora, em janeiro, a partir das 17:30 horas, nós temos medo de estar aqui. Então, o que é que nós vemos aqui em cima? Não vemos ninguém e aqui é o ponto crucial da cidade, depois, as pessoas de idade não vêm e isso também não ajuda. As pessoas têm medo de sair à rua, mal a mal vêem-se pessoas agora de manhã, mas depois o resto acabou”, refere.