Diário do Alentejo

Emergência: Vilas e cidades vazias. Fronteiras fechadas.

23 de março 2020 - 13:20

O alastrar da pandemia de Covid-19 levou ao encerramento de restaurantes, lojas e hotéis. Empresários pedem apoios. Famílias aconselhadas a ficar em casa. Ovibeja foi cancelada.

O pequeno comércio vive dias de “aperto”. Sem clientes, a maioria das lojas e dos restaurantes encerrou portas. “O negócio é pouco e os comerciantes resolveram fechar. Umas casas irão reabrir, outras talvez não”, diz o presidente da Associação Comercial de Beja. As fronteiras encerradas vieram agravar, ainda mais, a situação da hotelaria, onde já se cancelam reservas para o mês de maio. Face ao crescimento exponencial do número de pessoas infetadas com o Covid-19, as escolas foram encerradas e as famílias aconselhadas a permanecer em casa. As autarquias reforçaram as medidas de prevenção, incluindo o fecho de espaços públicos e a limitação dos atendimentos presenciais aos munícipes.

 

Vilas e cidades vazias, fronteiras fechadas, eventos cancelados, lojas e restaurantes encerrados, atividades letivas suspensas, filas à porta de padarias, de supermercados e de farmácias, pessoas aconselhadas a manter-se em casa para evitar a propagação do novo coronavírus. As consequências da pandemia nas atividades económicas fazem sentir-se em quase todos os setores, a começar pelo turismo. O grupo Vila Galé, por exemplo, que dispõe de um hotel de quatro estrelas em Beja, anunciou que vai iniciar o encerramento progressivo de algumas unidades em Portugal com o objetivo de “salvaguardar o bem- -estar, saúde e segurança dos clientes alojados e dos colaboradores durante o período que seja necessário”.

O Zmar Eco Camping, situado em Zambujeira do Mar, optou por fechar portas, como medida de prevenção: “Sendo um ‘eco resort’ dedicado a famílias, consideramos que devemos dar o exemplo a todos os que nos visitam”. E pequenos operadores, como o Beja Hostel, vivem dias de “aperto”, tendo o cancelamento de reservas levado ao encerramento temporário desta unidade hoteleira, com 25 quartos. “O cancelamento de reservas tem sido permanente. Já foram canceladas reservas para abril e maio, quartos que tinham sido marcados para a altura da queima das fitas no instituto politécnico. Não nos restou outra alternativa que não fosse fechar portas, ficando apenas hospedados alguns clientes que tinham vindo participar no Festival Internacional de Teatro do Alentejo e não conseguiram regressar imediatamente ao seu país de origem”, diz António Freire, do Beja Hostel. “Estão em causa prejuízos de muitos milhares de euros, prejuízos que colocam em risco a sobrevivência destas pequenas empresas e para os quais não temos nenhuma resposta concreta por parte do Governo”, acrescenta o empresário explicando que o encerramento será mantido, pelo menos, até 22 de março, altura em que a situação será “reavaliada”. Depois de dois meses, janeiro e fevereiro, com “com muitas marcações”, a situação alterou-se.

 

“As reservas não estão a acontecer, estão a diminuir, muitos operadores deixaram de ter reservas”, revela António Lacerda, diretor executivo da Agência Regional de Promoção Turística do Alentejo. O cancelamento dos voos para diversos países, como os Estados Unidos, Canadá, Itália ou Espanha, terão um impacto negativo no turismo alentejano que ainda não é possível quantificar. No comércio tradicional, os problemas são idênticos. Quem por estes dias passa pela rua Capitão João F. Sousa, em Beja, depara-se com uma imagem muito pouco habitual: o emblemático café Luiz da Rocha, que nem ao domingo encerrava, está de portas fechadas. É apenas um exemplo entre os muitos cafés, restaurantes e lojas de do Baixo Alentejo que suspenderam a atividade devido à pandemia. “Estamos perante uma crise muito complicada que sabemos como começou e, infelizmente, ignoramos como e quando irá acabar”, diz João Rosa, presidente da Associação do Comércio, Serviços e Turismo do Distrito de Beja e proprietário do Beja Parque Hotel, uma das maiores unidades hoteleiras da cidade, também ela afetada pelo elevado número de desmarcações de reservas, sobretudo por parte de grupos, devido ao cancelamento dos vários eventos previstos para a região. João Rosa sublinha que a Associação Comercial ainda não tem números concretos, mas diz que “há muitas casas fechadas”. “O negócio é pouco e os comerciantes resolveram fechar. Umas casas irão reabrir, outras talvez não”, lamenta. “Temos muitos estabelecimentos já encerrados. […] É uma situação de emergência”, alerta Ana Jacinto, secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, segundo a qual algumas das empresas encerraram por iniciativa própria, como medida de prevenção do contágio da Covid-19, e outras porque não têm clientes. Ana Jacinto diz que devem ser encontradas soluções “urgentes, eficazes e ágeis” de apoio às empresas, sob pena de “encerrarem e não reabrirem”, incluindo a criação de uma linha de apoio à tesouraria de mil euros mensais por trabalhador. As filas de pessoas junto a farmácias, padarias e grandes superfícies comerciais são outra das imagens do alastrar da pandemia. As farmácias únicas nas localidades sem cobertura farmacêutica a um raio de dois quilómetros passaram a garantir o atendimento ao público por postigo, sem entrada de utentes nas instalações, obedecendo a orientações do Infarmed. Nos restantes casos, os farmacêuticos foram aconselhados a pedir aos utentes que tirem senha e aguardem no exterior, para evitar o acumular de pessoas junto à zona de atendimento ao público.

 

OVIBEJA CANCELADA

 

O aumento exponencial do número de pessoas infetadas no País e as medidas de contenção recomendadas pelas autoridades de saúde levaram a Associação de Criadores de Ovinos do Sul (ACOS) a anunciar o cancelamento da edição deste ano da Ovibeja, com início programado para final de abril. A próxima edição deverá realizar- -se em 2021. A ACOS justifica a decisão com a “emergência de saúde pública” que se está a viver. “A Ovibeja é feita pelas pessoas e para as pessoas e só faz sentido com os sentimentos de responsabilidade, de pertença e de festa que a caracterizam, razão pela qual o evento não foi adiado, mas sim cancelado”, explica fonte da associação, acrescentando que esta pandemia “deverá funcionar como uma importante fase de reflexão e de consciência cívica”. Ao longo da semana, diversos municípios anunciaram medidas adicionais de prevenção. Em Beja, o jardim público foi encerrado, foram suspensos os mercados e feiras não alimentares e limitados os acessos a instalações municipais. O mesmo sucede com o museu regional e com as ruínas de Pisões. Em Aljustrel foram fechados ao público os espaços culturais municipais e reduzido o horário de atendimento aos munícipes. Em Serpa, além de várias medidas de contenção, a câmara municipal anunciou que pagará “na íntegra” os salários aos trabalhadores que estão em casa a acompanhar filhos até 12 anos por causa da suspensão das atividades letivas presenciais, “a menos que exista algum impedimento legal”. Já a Câmara de Vidigueira lançou um projeto para apoiar e garantir assistência a idosos que poderão ficar mais vulneráveis por causa do fecho de serviços, devido à pandemia de Covid-19. A ideia é apoiar os idosos com 60 ou mais anos, que sejam ou não portadores de doença crónica (e por isso grupo de risco perante esta pandemia) e que revelem algum isolamento familiar, promovendo a satisfação das suas necessidades básicas, sem que tenham de sair de casa.

AUMENTO “ANORMAL” DE CARAVANISTAS

Para tentar evitar a propagação do Covid-19, as fronteiras com Espanha, incluindo a de Vila Verde de Ficalho/Rosal de la Frontera, foram encerradas às 23:00 horas da passada segunda-feira, dia 16 de março. Desde essa hora passou apenas a ser autorizada a circulação de veículos de mercadoria, de cidadãos nacionais ou de residentes em Portugal, de pessoal diplomático e para acesso a cuidados de saúde. “Todas as deslocações que não sejam de mercadorias ou de trabalho estão impedidas. Todas as circulações turísticas ou de lazer estão impedidas”, resume o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita. A GNR e a Guarda Civil espanhola passaram igualmente a controlar o tráfego automóvel na Ponte Internacional do Baixo Guadiana, entre o Pomarão (Mértola) e El Granado (na Andaluzia). Por outro lado, a Estrada Municipal 520, que liga a localidade portuguesa de São Marcos, no concelho de Serpa, à espanhola de Paymogo, foi fechada ao trânsito, situação que se deverá manter até dia 15 de abril. Trata-se de uma “medida de caráter excecional” que foi acordada entre os municípios de Serpa e Paymogo e que levou à colocação de blocos de betão nos dois lados da fronteira para impedir a passagem de viaturas. Em resultado destas medidas, muitos turistas não conseguiram regressar aos seus países. É o caso de casal Arlette e Philippe Boutard, de 64 e 61 anos, e da amiga Cristian Cornuau, de 64 de idade, residentes em Tours (França) e que foram “apanhados” na Comporta pela notícia do encerramento de fronteiras, depois de um período de férias em Portugal: “Quando deixámos França, o vírus ainda não estava muito ativo. Agora as autoridades estão muito atentas e controlam o movimento das pessoas. Quem não cumprir as regras é multado”. O objetivo do casal é regressar a casa, mas as autoridades espanholas têm mantido a fronteira fechada. Já o presidente da Câmara de Grândola, António Figueira Mestre, diz ter indicações de que existem “muitas” autocaravanas a circular pelo concelho, “provavelmente devido ao facto de não existirem [até terça-feira] infetados com o coronavírus no Alentejo”. Também o presidente da Câmara de Beja, Paulo Arsénio, fala num número “atípico e invulgar” de autocaravanas de matrículas de vários países, com “maior incidência” de Espanha, paradas em parques de estacionamento da cidade, como os das grandes superfícies comerciais, no passado fim de semana. “Foram pessoas que não recolheram ao Parque de Campismo de Beja e que estavam em trânsito”, porque “foram aparecendo e desaparecendo” e, na segunda-feira, o número de autocaravanas “reduziu substancialmente”, disse, admitindo que “poderão ter sido pessoas em trânsito de Espanha para o litoral alentejano ou em sentido inverso, devido à eminência de restrições na fronteira”.

 

“NÃO PODERÁ HAVER VISITAS NA PÁSCOA”

O primeiro caso de um doente infetado com Covid-19 em Portugal foi registado no passado dia 2 de março. Os dois primeiros casos positivos no Alentejo foram anunciados na passada quartafeira, dia 18. A propagação mais lenta, pelo menos nesta fase, da doença na região é justificada pela demógrafa Maria Filomena Mendes com o despovoamento e a existência de menos mobilidade. “O Alentejo é despovoado e, portanto, as pessoas concentram-se em localidades distanciadas umas das outras, a população está espaçada”, afirma Filomena Mendes, acrescentando que a existência de uma grande percentagem de idosos resulta em “menos mobilidade entre as pessoas e entre as localidades”. Com o período da Páscoa a aproximar-se, altura em que muitos alentejanos que vivem nas grandes cidades costumam regressar à região para visitar familiares, Filomena Mendes é taxativa no alerta: “As pessoas na Páscoa não podem visitar os outros” pois “quanto menores forem os contactos sociais, maior é a nossa capacidade de controlar este vírus”.

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