É claro que, por esses anos, também existia uma criada, empregada na casa de um fidalgo, que morava mesmo por cima da farmácia e lhe consolava as tristezas enviando "mimos de cabelo" e confessando, através da frincha da porta, que, coitada, "nunca encontrara um amor de rapaz mais dedicado". A paixão evaporou-se quando a rapariga resolveu pagar a dedicação de Fialho indo "viver com um barbeiro do largo do Mitelo, homem frascário e fácil, quase trôpego, que acumulava o mister capilar com esse outro, não menos untuoso, de ajudar à missa o padre da Bemposta".
Durante esse período – igualmente gasto "a percorrer todos os lugares comuns dos escritores nacionais, e a matar o tédio desta leitura com romances de cadernetas, e pequenos ensaios literários de fábrica própria, para os jornais de província" – passou pelo Liceu Francês e pela Escola Politécnica, matriculando-se em 1879 na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, de onde saiu formado em 1885. "Como vivi todo esse tempo? Dos recursos do pouco que minha pobre mãe podia dar-me, dalguma colaboração avulsa por dicionários e pequenas folhas literárias, e enfim de lições que fui dando, à hora em que os meus condiscípulos folgavam, descuidosos, felizes, bem comidos, bem vestidos, ignorando o martírio do pão ganho aos patacos".
Concluídos os estudos, só esporadicamente exerceu medicina, primeiro na Pampilhosa, depois no Alentejo, entre 1886 e 1887. "O escritor tratou de cedo enforcar o médico", frisa Cruz Malpique num texto publicado em 1957. Acaba por se fixar em Lisboa. "Cometi a tolice de me lançar na vida literária, de querer viver por uma pena donde continuamente espirravam revoltas, e que fatalmente havia de me agravar as dificuldades do caminho". Integra a redação de diversos jornais e revistas, dedicando boa parte do tempo à "comédia da vida lisboeta", passada entre restaurantes, tabacarias, teatros e cavaqueiras de cafés. "Gastava [nesses locais] a melhor parte da sua vida, quase sempre representando os primeiros papéis, embora soubesse como eram frágeis as dedicações de muitos que o adulavam", escreve Xavier de Almeida, amigo e "irmão de sonhos" de Fialho.
Em 1893 abandona Lisboa e regressa ao Alentejo, a Cuba, para casar com Emília Garcia Pego, senhora de posses, que viria a falecer no ano seguinte deixando-lhe a herança. Torna-se um pequeno proprietário rural, passa a viver de forma desafogada mas sem, verdadeiramente, se habituar à vida provinciana: "É horrível a minha vida na aldeia. Se não fossem os livros já me tinha suicidado. Cada vez preciso mais de ver gente e desta vida artificial de Lisboa. Na aldeia, em Cuba, não falo com ninguém, não tenho ninguém com quem comunicar. (...) Ah, mas as noites!...Tenho noites em que pego num livro e saio. Há uma estrada em volta de Cuba – e eu ali ando à roda toda a noite a falar sozinho como um condenado", desabafa Fialho numa carta endereçada a Raul Brandão.
Aproveita o dinheiro para viajar pela Europa, sobretudo por Espanha [visita Salamanca e Valladolid em 1901; a Galiza dois anos depois, retornando mais duas vezes], mas também pela Suíça, Bélgica, Alemanha e França – Paris, pois claro. "Fascinou-o a vida estonteante dos boulevards centrais (…) mas sentia saudades da nossa feira de agosto", conta Xavier de Almeida, que relata um episódio vivido uma tarde, na avenida da Ópera, quando viu passar um carrinho de mão carregado de bananas da Madeira e, ali mesmo, "com uma simplicidade de gente primitiva, por entre a multidão que passava, matava saudades da Pátria à dentada nos saborosos frutos".
Publicou em vida nove títulos: Contos (1881), A Cidade do Vício (1882), Os Gatos (1889-1894), Pasquinadas (1890), Lisboa Galante (1890), Vida Irónica (1892), O País das Uvas (1893), Madona de Corpo Santo (1896) e À Esquina (1900), além de numerosos artigos e crónicas em variados jornais e revistas. Os restantes oito títulos só seriam publicados depois da sua morte: Barbear, Pentear; Aves Migradoras, Vida Errante; Figuras de Destaque; Estâncias d'Arte e de Saudade; Atores e Autores; Saibam Quantos… e Cadernos de Viagem."Franco-atirador, Fialho de Almeida poucas vezes esteve de acordo com o poder de Estado, e revelou sempre uma teimosa vocação para estar do lado dos vencidos. O que mais nos impressiona neste artista sonhador, que não oculta e antes proclama com orgulho a sua origem plebeia, é o seu grande amor pelos desprotegidos, a sua natural predileção pelos humildes, a feição fraternal e protetora dos pobres e oprimidos", sublinha Joaquim Palminha da Silva (Fialho de Almeida, Cem Anos Depois, Editora Licorne).