Diário do Alentejo

Alentejo: 22 por cento em risco de pobreza e exclusão

20 de dezembro 2019 - 11:20

Segundo o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e divulgado no final de novembro último, 22 por cento da população da região Alentejo estavam em risco de pobreza ou exclusão social em 2018, mais 0,9 por cento do que no ano anterior. O mesmo estudo indica ainda que 36,5 por cento não tinham capacidade para assegurar o pagamento imediato de uma despesa inesperada sem recorrer a empréstimo.

Texto Nélia Pedrosa

Ilustração Susa Monteiro

Vinte e dois por cento da população da região Alentejo (Alentejo Litoral, Baixo Alentejo, Lezíria do Tejo, Alto Alentejo e Alentejo Central, correspondente à NUT II) estavam em risco de pobreza ou exclusão social em 2018, segundo o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e divulgado no final de novembro último. Mais 0,9 por cento do que em 2017 (21,1 por cento) e 0,4 acima da média nacional, que se mantém em 21,6 por cento.

O inquérito foi realizado no presente ano sobre rendimentos do ano anterior. Segundo o INE, estas pessoas encontravam-se em risco de pobreza (habitantes com rendimentos monetários líquidos, por adulto, inferiores a 501 euros por mês) ou vivendo em agregados com intensidade laboral per capita muito baixa (pessoas com menos de 60 anos que viviam em agregados familiares em que a população adulta trabalhou em média menos de 20 por cento do tempo de trabalho possível) ou em situação de privação material severa (uma família não tem acesso a pelo menos quatro de nove itens, relacionados com as necessidades económicas e de bens duráveis).

Ainda segundo os dados do inquérito, o Alentejo apresentava uma taxa de intensidade laboral per capita muito reduzida de 8,3 por cento, a terceira mais elevada, a seguir às regiões autónomas dos Açores (11,9 por cento) e da Madeira (9,4 por cento), e acima da média nacional (6,2 por cento).

Relativamente à taxa de privação material severa, o Alentejo registava 4,6 por cento, abaixo dos 5,6 por cento de média nacional. O Algarve (8,21 por cento) e a Região Autónima dos Açores (13,2 por cento) apresentavam os valores mais elevados.

Analisando os nove itens de privação material, destaca-se, no caso do Alentejo, que 36,5 por cento da população não tinham capacidade para assegurar o pagamento imediato de uma despesa inesperada sem recorrer a empréstimo, um valor acima da média nacional (33 por cento); e três por cento não tinha capacidade económica para ter uma refeição de carne ou de peixe, ou equivalente vegetariano, pelo menos de dois em dois dias, também acima da média nacional (2,3 por cento).

Pobreza e causas “necessitam de resposta estruturada”O coordenador do núcleo distrital de Beja da EAPN Portugal/Rede Europeia Anti Pobreza, João Martins, em declarações ao “Diário do Alentejo”, diz que a rede europeia e o núcleo têm “vindo, ao longo dos anos, a diagnosticar fenómenos de pobreza e exclusão social, quer no País, quer no Baixo Alentejo”, e que já propuseram, junto de vários governos, a criação de um plano nacional de combate à pobreza e à exclusão social.

Em relação aos dados do inquérito, o dirigente refere que “devem ser contextualizados na caracterização socioeconómica do Baixo Alentejo”, um “território de baixa densidade, envelhecido, onde muitos concelhos possuem um índice de envelhecimento superior a 300 por cento, com uma pirâmide etária invertida, fruto da baixa natalidade e do aumento da esperança média de vida”.

Já Isaurindo Oliveira, presidente da Caritas Diocesana de Beja, sublinha que, “antes de mais, é importante que não se caia na discussão meramente numérica e quantificável”, uma vez que os dados “são mais do que números”, que “correspondem a pessoas concretas, com histórias de vida de grande sofrimento e para as quais não se pode ficar indiferente enquanto sociedade e comunidade”. Para o dirigente, “constata-se, também, que há uma desigualdade crescente entre regiões, e, sobretudo, entre pessoas, que se manifesta na ausência de investimento público e na dificuldade em esbater as assimetrias que possibilitem a criação de postos de trabalho das pessoas mais vulneráveis e a fixação de população, amenizando a pobreza sentida e com a qual diariamente se trabalha nos diferentes serviços” da Caritas de Beja. E alerta: “A pobreza e as suas causas necessitam de uma resposta estruturada e que perdure no espaço e no tempo, que não dependa de ciclos eleitorais, onde se fala bastante do combate à pobreza, mas, depois, vai-se a ver e pouco ou nada acontece”.

Para Isaurindo Oliveira, 22 por cento de taxa de risco de pobreza ou exclusão social no Alentejo “é verdadeiramente assustador e preocupante, particularmente, no interior desta região, nas periferias das cidades, uma vez que, apesar da diminuição do desemprego no distrito de Beja, o que é bom, a verdade é que a diminuição da pobreza não se nota nos serviços” da Caritas de Beja.

À Caritas que dirige, adianta, “têm chegado diariamente pedidos de apoio, sejam de natureza pontual, regular, monetários, em bens e géneros, e até do foro espiritual”, o que tem levado ao “crescimento” da estrutura, que emprega atualmente cerca de 60 pessoas, “muitas delas na área da saúde mental, ciências sociais e humanas e ajudantes familiares”, num total de 11 serviços. “Só em 2018 realizámos mais de 2000 atendimentos nos diferentes serviços”, diz. E acrescenta: “Por isso não se tem dúvidas de que o risco de pobreza existe, é sério e caso não seja devidamente combatido por todos estar-se-á a perpetuar e a condenar as gerações futuras”.

No âmbito de vários diagnósticos elaborados pelo núcleo de Beja da Rede Europeia Anti Pobreza, adianta João Martins, têm-se “constatado diferentes fatores, nomeadamente, o Alentejo possui uma população envelhecida, dispersa, onde em muitos casos se observam baixas reformas”. Por outro lado, e de acordo com levantamento efetuado recentemente pela EAPN e pela Associação de Mediadores Ciganos de Portugal, “a população cigana tem vindo a crescer em muitos concelhos do Baixo Alentejo, estando esta comunidade associada a fenómenos de pobreza e exclusão social”. Outro fenómeno recente “tem a ver com o aumento crescente da necessidade de mão de obra qualificada e, sobretudo, indiferenciada, fundamental para uma nova realidade agrícola do Baixo Alentejo”, com o incremento de culturas de regadio. A falta de oferta de mão de obra local na região “desencadeou a necessidade de importação de mão de obra de outras geografias” e “esta alteração de paradigma tem levado à constatação de inúmeros casos de exploração de mão de obra, a viver em algumas situações em condições pouco dignas, contribuindo para um novo fenómeno de pobreza”.

“Emprego estável, com remuneração adequada” João Martins considera que a “garantia de emprego estável (anual), com remuneração adequada, à qual poderemos ainda associar a capacitação e especialização, são fatores que em muito contribuem para a eliminação da pobreza”. Onde “existe oferta de emprego permanente, com remuneração adequada, mais facilmente consegue reter e atrair população, sendo concelhos onde a pobreza e exclusão social diminuem substancialmente”, diz, dando como exemplo Castro Verde, “dormitório das minas de Neves-Corvo”. E conclui: “Muitas vezes existem empresas a quererem instalar-se na região por constatarem o seu enorme potencial. Contudo, a maior dificuldade são a dimensão humana, “pessoas qualificadas e indiferenciadas”. Em muitos casos, e nalguns domínios, como o aeronáutico, mesmo garantindo bons salários, não se consegue atrair pessoas. Fatores como cultura, saúde, educação, acessibilidade, transportes, entre outros, são fatores fundamentais e decisivos que pesam na decisão”.

Isaurindo Oliveira, por sua vez, considera que “é necessário e urgente uma nova geração de políticas públicas, uma vez que se está perante um quadro social que precisa de um olhar atento, e para o qual as políticas públicas não têm tido uma resposta, consistente e com apoios efetivos, como é o problema assustador do envelhecimento da população e com reflexo direto na renovação de gerações e na quantidade de pessoas idosas, sós, pobres e doentes que necessitam de acompanhamento e apoio”.

Por outro lado, “é essencial continuar a reforçar com meios a rede de cuidados existente, com particular enfoque nos cuidados a prestar aos idosos, infância e juventude e saúde mental, através de uma nova geração de políticas sociais, que respondam às causas que originam a pobreza”. Outro “aspeto fundamental” é “o papel e a responsabilidade do Estado no apoio às instituições sociais”, diz, adiantando que cerca de 40 por cento das instituições “têm receita inferior à despesa”, “indicadores preocupantes” que “colocam várias instituições particulares de solidariedade social em risco de encerramento”.

Fundo de emergência apoiou 120 famílias, num montante de 6000 eurosCriado em 2010 pelo bispo emérito António Vitalino Dantas, a Caritas Diocesana de Beja dispõe de um fundo de emergência social que é destinado “a apoiar pontualmente famílias que enfrentam situações de desemprego, outras derivadas de agregados com baixos rendimentos, insuficientes para fazerem face às despesas básicas”. Segundo Isaurindo Oliveira, “o valor angariado por donativos de particulares e pelo peditório público que anualmente é organizado, é destinado, sobretudo, ao pagamento de gás, eletricidade, rendas ou prestações de casa que estejam em atraso e cujas problemáticas são as mais identificadas nos cerca de 2000 atendimentos efetuados em 2018”. É ainda apoiada a compra de medicação crónica (essencialmente do foro psiquiátrico), assim como deslocações em transportes públicos. Posteriormente, os casos identificados continuam a ser acompanhados, “no sentido de minorar as causas que estão por trás das carências”. As famílias em maiores dificuldades são encaminhadas para a Segurança Social e para outras instituições de apoio que fazem parte da rede social, explica o presidente da Caritas. Durante este ano a instituição “já apoiou cerca de 120 famílias, num montante aproximado de 6000 euros e que sem o contributo anónimo de vários cidadãos não teria sido possível prestar esta ajuda”. A atribuição de verbas é gerida por uma equipa que integra os responsáveis da Cáritas Diocesana, da Comissão Justiça e Paz de Beja e da Sociedade São Vicente Paulo. Quanto ao apoio alimentar prestado pela Caritas, o Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas (géneros para confecionar em casa) abrange 352 beneficiários de Beja, Alvito, Cuba, Vidigueira e Ferreira do Alentejo; a cantina social tem um acordo para 66 refeições diárias; o refeitório social tem 20 utentes protocolados pela Segurança Social; e através do banco alimentar são apoiadas famílias, mensalmente, com um cabaz de alimentos. A concluir, Isaurindo Oliveira diz que os pedidos de ajuda “que mais chegam à Caritas de Beja é ao nível do sobre-endividamento e empregabilidade”. “São muitos os desempregados que chegam à Caritas e que nos solicitam apoio no pagamento de despesas e na sua integração profissional, principalmente, migrantes, desempregados de longa duração e jovens NEET [que não estudam nem trabalham]”.

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