O antigo enfermeiro do hospital de Beja, apaixonado por selos e postais, é desde 1984 autor de “Filatelia”, coluna semanal do “Diário do Alentejo” dedicada à área em questão. Neste ano que agora findou, Geada de Sousa celebrou 40 anos desta sua colaboração. Sentindo-se realizado com o percurso até aqui, fecha agora, aos 81 anos, este longo ciclo.
Texto | Ana Filipa Sousa de SousaIlustração | Susa Monteiro
José Geada de Sousa nasceu em 1943 na freguesia de Alcains, no concelho de Castelo Branco. Com 16 anos “acabados de fazer”, conta ao “Diário do Alentejo” com a voz vibrante, começou a ler jornais, principalmente, “O Século”, no Clube Recreativo de Alcains, do qual o pai era sócio. Um dia, por mero acaso, viu “um apelo de um ‘irmão’” português, residente em Pretória, na África do Sul, que “pedia correspondentes em português, porque estava em perigo de esquecer o pouco português que sabia”.
“Eu respondi-lhe. Na [resposta de] volta, o rapaz, que era da minha idade, mandou-me aquilo que para mim eram os selos mais bonitos do mundo”, recorda.
A surpresa ao se deparar com tal elemento deixou-o “curioso” e desde então nunca mais parou de os procurar e estudar. “Comecei a pedir selos a amigos, conhecidos, a bater às portas comercias e a pedir as suas correspondências. O português que estava na África do Sul lá me disse que para os retirar [dos envelopes] era preciso mete-los na água e deixa-los sair com naturalidade. Não os podia forçar, porque senão estragava-os e foi assim uma vida inteira até hoje”, diz.
Com o passar dos anos, quando começou “a ganhar algum dinheiro” passou a frequentar algumas estruturas filatélicas e a comprar os selos que mais lhe agradavam, mas só quando migrou para a capital lisboeta, aos 19 anos, é que descobriu que “o mundo era outro”. “Aqui na minha terra não conhecia ninguém que se interessasse por selos, curiosamente, ainda hoje não conheço qualquer conterrâneo que se interesse, [porém] quando fui para Lisboa [vi] que o mundo filatélico era outro. Comecei a frequentar o Clube Filatélico de Portugal e outros locais onde as pessoas se juntavam”, revela.
Perspicaz, como se assume, relembra que se metia “na conversa, à descarada, dos mais velhos” e que, pela sua idade, “as pessoas achavam piada ao puto que se interessava por selos”.
A chegada ao “Diário do Alentejo” Do conhecimento que tem, pelas pesquisas que foi fazendo ao longo da sua vida, diz, de forma satisfeita, que “a história da filatelia no ‘Diário do Alentejo’ é antiga” e que não lhe pertence. Pelo que consultou, acredita que “no final do século passado”, ou “no princípio deste século”, já existiam “notícias de emissões de selos”, maioritariamente, de “reproduções das portarias que criavam os selos em Portugal”
“Eu não sei como é que o jornal tinha conhecimento dessas coisas, mas creio que tenha sido o engenheiro José Guerreiro de Brito, que era um dos grandes filatelistas do País, [e] seguramente o maior do Alentejo, que, não tenho dúvida alguma, fornecia essas notícias e imagens originais”, admite.
Ao “DA” recorda que a coluna filatélica do jornal teve início em 1981 pela mão, precisamente, do seu “amigo” Guerreiro de Brito que, mensalmente, escrevia sobre “novas emissões de selos” e analisava “alguns aspetos filatélicos relacionados” com a atividade.
Três anos depois, em 1984, Geada de Sousa, após “alguma relutância”, substituiu o autor da rubrica e a publicação, que até então era quinzenal, passou a semanal. Apesar de um pequeno interregno “por motivos profissionais”, o antigo enfermeiro dedicou-se à escrita filatélica e nunca mais a abandonou.
Das particularidades que o diferenciam no “DA” enquanto filatelista, aquela que salta à vista de todos os leitores diz respeito à assinatura, a partir de meados dos anos 2000, da sua coluna, o que, até então, não acontecia.
“Nas duas primeiras décadas a coluna de filatelia não era assinada, inclusive eu também não assinava os meus artigos. Foi já no século XXI que me perguntaram se me importava que colocassem o meu nome e eu não me importava nada”, menciona.
Volvidos 40 anos desde a publicação da sua primeira crónica, é com saudade que Geada de Sousa recorda o número de caracteres “bastante irregular” que lhe era solicitado, todavia, “necessariamente, nunca menos de 2500, mas por vezes atingia, seguramente, os 3500”, e que preenchia uma das folhas do jornal. Com o passar do tempo, reconhece que o espaço disponível começou a ser limitado, principalmente, com a necessidade de, ocasionalmente, incluir ilustrações na rubrica.
Diz, visivelmente orgulhoso, que “sempre” entregou “os assuntos e ilustrações pessoalmente” na redação do jornal enquanto residiu em Beja e só mais tarde se rendeu aos novos meios de comunicação para fazer chegar o material.
O caminho que percorreu, nas últimas décadas, dedicado ao mundo filatélico, foi-lhe sendo reconhecido com premiações da rubrica “Filatelia” – mais recentemente com a medalha de prata dourada na Exposição Nacional de Filatelia (2022) e a medalha de prata no “Ibra 2023” – Exposição Internacional de Filatelia (2023).
“A coluna tem ganho muitas medalhas de prata, muitas medalhas de bronze e por aí fora. Não tenho contabilizado, porque, digamos, que nesse aspeto sou muito zero à esquerda, mas sei que há algumas dezenas de premiações nestes 40 anos, tanto em Portugal como no estrangeiro”, admite.
A sua singularidade permitiu também que em 2004 fosse agraciado com a medalha e o diploma de “Serviços inestimáveis”, o galardão máximo da Federação Portuguesa de Filatelia (FPF), e em 2014 com a “Ordem de mérito filatélico”. Há cerca de dois anos, em 2023, a FPF voltou a premia-lo com “A. Guedes de Magalhães – Melhor autor”, referente aos seus artigos publicados no “DA”.
A sua carreira no mundo filatélico termina, publicamente, agora. Na última edição do “DA” escreveu a sua última crónica dedicada à sua “paixão”, deixando um agradecimento a todos os que o permitiram percorrer este caminho. Hoje somos nós, “Diário do Alentejo”, que damos a conhecer o enfermeiro especialista que viveu para a filatelia. O alcainense que fez com que os leitores do “Diário do Alentejo” se apaixonassem por selos.
O futuro da filatelia está “negríssimo”O atraso na divulgação do calendário filatélico, a pouca promoção da área, a impraticidade em vender selos ao balcão dos serviços CTT e o desencanto, por parte dos filatelistas, pelas ilustrações dos selos feitas de forma “mecanizada” tem conduzido a filatelia a um período, segundo Geada de Sousa, “negríssimo”, não se prevendo melhorias no futuro. Para o antigo colaborador do “Diário do Alentejo”, é urgente que “este tipo de coisas” se reinvente, porque os avanços, da forma como estão a ser feitos, estão a “tirar muita graça à filatelia”.