Beja é este fim de semana palco deum congresso que reúne os maiores especialistas internacionais da vida e obra de soror Mariana Alcoforado. No entanto, isto é apenas uma parte do programa pa- ralelo que tem muito mais para ver e ouvir.
Texto Aníbal Fernandes
Ilustração Susa Monteiro
Em 2019 comemoram- -se os 350 anos da publicação, em França, das cinco cartas de amor que se acredita terem sido escritas pela freira portuguesa de Beja: Lettres Portugaises ou, simplesmente, as “Cartas”. Integrado na programação do Festival B, organizado pela Universidade Nova de Lisboa (em colaboração com a Universidade de Massachusetts) e pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, com o apoio da Biblioteca Nacional, Museu Regional de Beja e Instituto Politécnico de Beja (IPBeja), e, claro, a Câmara Municipal de Beja, o congresso junta os 50 membros do comité de apoio, oriundos de oito países, a 45 congressistas da Bélgica, Brasil, Estados Unidos da América, Espanha, França, Reino Unido e, claro, Portugal, para discutirem, durante dois dias, os mistérios e o universo de Mariana Alcoforado.
Desde há 350 anos que o epistolário da freira de Beja, “com a sua impetuosa escrita de amor e dor”, tem “suscitado debates, ensaios, teses de doutoramento, recriações literárias novelísticas, poéticas e teatrais, obras pictóricas, plásticas e musicais, figurando de forma proeminente no imaginário português e estrangeiro”, lê-se na nota de imprensa divulgada pela organização do evento.
Nestes dois dias de trabalho, para além das três sessões plenárias previstas, e da sessão final no Museu Regional de Beja – o antigo Convento da Conceição onde a clarissa alentejana viveu enclausurada –, serão apresentadas cerca de quatro centenas de trabalhos com o mote “Melancholy, Love and Letters”, sobre a vida e obra da freira alentejana, em sessões que decorrerão no hospital da Misericórdia e no Centro Social do Lidador.
Paralelamente, uma série de iniciativas que vão desde a BD ao teatro, passando pela música e pelas artes plásticas, estarão ao dispor do público, gratuitamente, um pouco por toda a cidade. A comissão científica do evento integra Filipe Delfim Santos, Anna Klobucka, Amaral de Oliveira, Maria Odete Sequeira Martins, Myriam Cyr e Lisa Forrell, para além dos padres António Cartageno e António Aparício.
O congresso, que teve em Lisboa, na Biblioteca Nacional, com a abertura da exposição bibliográfica sobre as Lettres Portuguaises, com o espólio daquela instituição, inclui ainda, em Beja, seis homenagens a personalidades (Mariana Alcoforado, Noël Bouton, Luciano Cordeiro, Florbela Espanca, Luís Amaro e Leonel Borrela), o lançamento de quatro livros (Vítor Amaral de Oliveira, Miguel Borrela, Patrícia Tavares de Azevedo e Paulo Monteiro) e a exposição de infografias de Cristina Pires Santos, patentes no IPBeja, em conjunto com uma série de ilustrações.
Para Filipe Santos, investigador do Instituto de Estudos de Literatura e Tradição, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e promotor do congresso 3,5C Mariana, em declarações ao “Diário do Alentejo”, afirma que “Mariana foi, no seu tempo, um fenómeno global, antes mesmo de ser um fenómeno local”. E acrescenta: “Foi a mais internacionalizada das autoras portuguesas, tão conhecida e imitada como Camões”.
“Mariana vai inspirar uma corrente de novelas amorosas em forma epistolar, cuja voga inclui o Werter, de Goethe (1774), as Liaisons Dangerouses, de Choderlos de Laclos (1782), e a nova Heloísa – Cartas de Dois Amantes, de Rousseau (1791), revelando-se uma verdadeira influencer antes do seu tempo.
Filipe Santos diz mesmo que Mariana “provou que os nossos autores, sendo traduzidos, granjeariam o respeito e a admiração dos estrangeiros, até mesmo daqueles, como os franceses, que nos colonizavam cultural e politicamente”. E para que servirá o congresso? “Para regressar ao dossiê [da nacionalidade do autor das cartas] sem quaisquer partis pris, e, sim, com abertura a todas as conclusões bem fundamentadas. Quiçá se possa chegar a uma solução equilibrada...”