Diário do Alentejo

Japoneses querem restaurar órgão da Sé de Évora

09 de setembro 2019 - 10:20

Com ligação histórica ao Japão e considerado uma raridade, o órgão de tubos renascentista da Sé de Évora “chama” hoje à catedral muitos turistas deste país e até uma associação japonesa quer apoiar o seu restauro. “Gostaria de tentar ajudar. Com quanto” ou “o tempo que vai demorar e aquilo que conseguirei fazer ainda não posso dizer neste momento, mas vou fazer o meu melhor”, afiança à agência Lusa o presidente da Associação Kamakura Portugal, Genjiro Ito.

 

Texto Rita Ranhola (Lusa)

 

Uma delegação da associação esteve esta semana na Sé da cidade alentejana, onde se reuniu com responsáveis da Arquidiocese de Évora e da Direção Regional de Cultura do Alentejo (DRCAlen), e ficou evidente a importância do órgão, do século XVI. “Há 400 anos”, evoca à Lusa Genjiro Ito, a Missão Tensho, a primeira embaixada japonesa enviada à Europa, com destino a Roma, para se apresentar ao Papa, “veio aqui”, a Évora e à catedral, e “um deles tocou neste piano”, no órgão renascentista, que se tornou “muito importante para a história japonesa”.

 

O instrumento é tão especial que a delegação até trouxe a sua própria pianista e organista, a japonesa Mizuki Watanabe, de 15 anos. Após um breve ensaio, com o apoio do organista da Sé Rafael Reis, a jovem deu um pequeno recital e mostrou os seus dotes, “inundando” de música a catedral. Uma experiência que a deixou “muito feliz”, afirma à Lusa, recorrendo a um intérprete. O órgão de tubos foi o instrumento “mais antigo” que já tocou e despertava-lhe interesse, pois, conhecia a história da Missão Tensho pelos “livros da escola” e através de “filmes e documentários”.

 

Ana Maria Borges, da DRCAlen, enfatiza que a Missão Tensho “foi importantíssima” para o conhecimento das relações entre Portugal e o Japão e respetivas relações diplomáticas e culturais. “São quatro príncipes, muito novinhos, que vêm como embaixadores, acompanhados por percetoras e padres jesuítas portugueses”, conta, assinalando que a viagem durou “dois anos e meio” e, quando chegam a Portugal, “o cardeal D. Henrique já tinha morrido e, por isso, o rei já não estava em Lisboa, estava em Madrid”, ou seja, era Filipe II de Espanha e I de Portugal.

Em vez de seguirem diretamente para Madrid e daí para Roma, o então arcebispo de Évora, Teotónio de Bragança, “consegue” que vão “primeiro a Évora”, onde ficam “cerca de uma semana”, e a Vila Viçosa, daí resultando “uma descrição fascinante do que viram, que para eles era tudo diferente”, acrescenta. “Uma das coisas que acharam espantoso foi o órgão, porque era enorme, com um som fabuloso, onde eles tocavam numa tecla e ouviam tocar e mexiam-se várias teclas. Eles fazem esta descrição pormenorizada, como fazem de outras coisas”, relata. Daí o fascínio dos japoneses por este órgão. Apesar de já ter tido “grandes modificações no século XVIII” e “um grande restauro nos anos 60” do século passado, “os tubos, grande parte do material” no interior e a fachada em madeira de carvalho são originais, refere o organista Rafael Reis.

 

Nos 22 anos em que tem estado ao serviço na Sé, Rafael tem assistido “sistematicamente” à chegada “de excursões principalmente do Japão” com turistas que “querem vir a Évora ouvir este órgão particularmente”. “Vêm e pedem que toque para eles um pequeno recital ou um bocadinho, 10 ou 15 minutos”, diz, referindo que também tem acolhido estações de televisão japonesas que pretendem “filmar o instrumento”, tal como Ana Maria Borges destaca que mesmo “as missões de teor económico, com empresários” do Japão têm a Sé no seu roteiro de visita. O imponente instrumento, com a sua grande estrutura de madeira, de onde saem inúmeros tubos, cujas notas ecoam pela catedral quando está a ser tocado, é o “mais antigo de Portugal e único do género” no país, explica à Lusa o cónego Eduardo Pereira da Silva, da arquidiocese, frisando Rafael Reis que o órgão “é um dos mais importantes da Península Ibérica e da Europa”.

 

Os turistas japoneses “pedem muitas vezes um concertozinho, só para ouvir o órgão” e ficam “todos contentes por esta relação história entre o Japão e Portugal”, diz o cónego. Mas agora é preciso uma revisão, o que é também atestado por Rafael Reis, que indica que há “alguns tubos inclinados” no topo, com “risco de queda”, e, em termos de som, outros que não funcionam. Na capela-mor da Sé, a arquidiocese está a restaurar outro órgão, construído por Oldovino, no século XVIII, e queria “fazer este a seguir, só que é um volume financeiro” a rondar “os 90 mil euros”, não existindo essa capacidade financeira “de um momento para o outro”, realça o cónego, considerando bem-vindo o interesse da Associação Kamakura Portugal: “É uma boa notícia para nós saber que há interesse em ajudar-nos”.

 

O mesmo afirma Ana Maria Borges, lembrando o vasto património do Alentejo: “Se tivermos alguém que nos apoie no restauro do órgão, para nós é importantíssimo”. Pode “não ser assim tão fácil” conseguir o dinheiro para o restauro do órgão renascentista, mas Genjiro Ito diz que “é possível” e compromete-se. Quando regressar ao Japão vai “procurar encontrar os fundos” e “as pessoas que possam ajudar este projeto”.

Comentários