Diário do Alentejo

Mariana Alcoforado: obra universal para ver em Beja

14 de junho 2019 - 16:40

Não se conhecem os originais, mas isso não impediu que Lettres Portugaises Traduites en François – título da primeira edição em 1669, por iniciativa de Claude Barbin –, seja a obra atribuída a um autor português mais traduzida e estudada em todo o mundo. No Museu Regional de Beja está patente, até dia 30, uma exposição que faz justiça à dimensão universal de soror Mariana Alcoforado, iniciativa integrada na programação do Festival B.

 

Texto Aníbal Fernandes 

 

Mariana Alcoforado nasceu, viveu e morreu em Beja, num espaço que podia ser percorrido apenas com 100 passos.  Filha de um nobre transmontano, Francisco da Costa Alcoforado, e de uma bejense, Leonor Mendes, viu a luz do dia no ano da Restauração da Independência, em 1640.  Em abril do mesmo ano, no dia 22, foi batizada na igreja de Santa Maria, tendo como padrinho D. Francisco da Gama, conde de Vidigueira e bisneto do descobridor do caminho marítimo para a Índia, Vasco da Gama, e com apenas 11 anos entrou para o Convento da Conceição, e não mais de lá saiu. 

Como se vê são “100 passos”, expressão que dá nome a um dos três núcleos da exposição patente no Museu Regional de Beja e que assinala os 350 anos do lançamento da primeira edição das Cartas Portuguesas. Os outros dois pontos de interesse da mostra são a exposição bibliográfica e a homenagem a Leonel Borrela, “um guardião da memória de Mariana Alcoforado”.

 

Os originais das cartas não são conhecidos, mas conhece-se a caligrafia da freira. Em 1709, com 69 anos, apesar de proposta para o cargo de abadessa, foi preterida na eleição. Até à sua morte, em junho de 1723, desempenharia as funções de contabilista do convento, e é assim que é possível verificar nas contas do convento a assinatura de soror Mariana Alcoforado, protagonista de “uma das mais belas histórias de amor e desamor”, no caso, entre uma freira reclusa e um cavaleiro oficial francês.

 

No núcleo da exposição dedicado aos “100 passos” da sua vida, podem ver-se maquetas e fotografias que explicam o que era o convento nos séculos XVII e XVIII. Um espaço de clausura de raparigas ricas e de famílias nobres, o que lhes permitia ter “apartamentos” próprios e serviços de criadagem…

A joia da coroa da exposição é, sem dúvida, o exemplar da primeira edição (1669) das cartas adquirida por Leonel Borrela. No entanto, o acervo do Museu Regional de Beja disponibiliza ao público 80 edições de todo o mundo, desde o século XVII ao século XX. E alguns bem curiosos.

Se ao tempo da primeira edição a autoria, e a ligação à cidade de Beja, ainda era desconhecida, em 1810, o abade Boissonade, numa edição por ele produzida, fez a primeira referência a Mariana Alcoforado e a Beja. Depois disso, não mais Beja e Mariana deixaram de andar juntas, e as suas cartas de influenciar várias gerações de poetas, pintores, dramaturgos, filósofos, cineastas.

 

Reiner Maria Rilke dizia que este amor “era grande demais para um só ser”; Eugénio de Andrade e Pedro Tamen fizeram as suas próprias traduções (todas do original francês); Júlio Dantas dramatizou a história; e até Humberto Delgado, em 1964, oito anos depois de ter tido a intenção de demitir Salazar, editou uma versão das Cartas Portuguesas.

 

No espaço dedicado a Leonel Borrela, artista, historiador, investigador e, acima de tudo, um apaixonado pela obra de Mariana Alcoforado, para além do espólio pessoal que tem a ver com a autora, é possível revisitar um pouco da sua vida através de uma coleção de fotografias cedidas pela família.

 

Importante, e a ser em breve editado em livro, é a coleção de crónicas publicadas no “Diário do Alentejo” sob o título de “Iconografia Pacense”: uma memória única da cidade feita por esse bejense de coração. 

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