Diário do Alentejo

Festival de Banda Desenhada: Beja aos quadradinhos

31 de maio 2019 - 14:00

Texto Aníbal Fernandes

 

“O Festival de BD de Beja é diferente de todos os outros, e uma das suas particularidades é o ambiente informal que oferece aos autores e aos visitantes”. É assim que Paulo Monteiro, responsável pela Bedeteca e pela programação do evento, caracteriza a iniciativa que vai trazer a Beja alguns dos mais conhecidos e apreciados criativos da chamada nona arte. Mas é muito mais do que isso. “É um espaço que junta autores famosos com outros que estão agora a começar, e que têm aqui a possibilidade de mostrar o seu trabalho ao público e a importantes agentes e editores internacionais”, explica.

 

Na última edição passaram pelo festival cerca de nove mil pessoas, mas a expectativa, neste ano, é que o número seja ultrapassado. Até porque o evento foi divulgado no estrangeiro e o secretariado já foi contactado por fãs de banda desenhada de Espanha, França e Polónia, a manifestar a intenção de estarem presentes, facto ao qual o site do evento em inglês, francês e inglês não deve ser alheio. 

 

São 19 as exposições que podem ser vistas em quatro locais da cidade: Casa da Cultura, Centro Unesco, Museu Regional e galeria da Rua dos Infantes, local onde estará patente uma mostra com o trabalho de Eduardo Teixeira Coelho. Este autor é um dos pioneiros da BD portuguesa. Nasceu em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, Açores, em 1919, e faleceu em 2005, em Veneza. Começou a publicar em 1936, no jornal satírico “Sempre Fixe”, e foi um dos mais regulares colaboradores da revista “O Mosquito”. O fim desta publicação, em 1953, e as limitações impostas ao seu trabalho pelo regime do Estado Novo, levaram-no a emigrar, primeiro para Espanha, e depois Inglaterra, antes de se fixar em França, onde trabalhou sob o pseudónimo de Martin Sièvre. Uma exposição a não perder.

 

Mas há muito mais para ver, de autores de Portugal, Brasil, Bélgica, Itália, França, Holanda, Estado Unidos e Espanha.

 

Hoje, dia da inauguração, às 21:00 horas, será dado o tiro de partida na Casa da Cultura, com a abertura das exposições e o lançamento do “Splaf!”, o catálogo da exposição. Antes, às 19:00 horas – e aberto até às 04:00 horas de sábado –, começará a funcionar a tasquinha da BD com os habituais comes e bebes. “Este é um festival português, e, como tal, tem de ter petiscos”, diz Paulo Monteiro.

 

Mais ao fim da noite, no largo em frente à Casa da Cultura, será a vez da música tomar conta da festa com o grupo de capoeira Gingartes e os concertos desenhados de Silvano Sanches com Rita Alfaiate, e Peltzer com Patrícia Guimarães. A partir da 01:45 horas o palco fica por conta de Hang the DJ.

Paulo Monteiro | Foto de José SerranoPaulo Monteiro | Foto de José Serrano

E como a conversar é que agente se entende, sábado, a partir das 10:00 horas, terão lugar várias tertúlias, na Bedeteca de Beja: uma sobre o “gigante” Eduardo Teixeira Coelho, com Cristina Gouveia, Fabio Moraes e José Ruy (este último o decano dos autores da BD nacional); “dois dedos de conversa” com Dany (o histórico autor belga de “Olivier Rameau”); com Paul Duffield (autor de “Freak Angeles”); e Enrico Faccini (desenhador da Disney). Ainda antes do almoço terá lugar a apresentação do livro O Outro Lado de Z, de Nuno Duarte e Mosi.

 

À tarde, os protagonistas são Alarriba e Kim, Tyler Crook, e há dois lançamento de livros programados, com a presença dos autores, Música para Antropomorfos, de Fabio Zimbres, e Space Beteeen, de Miguel Ángel Martín. A partir das 17:00 horas, e durante duas horas, no espaço principal do festival, dezenas de autores estarão presentes para autografarem as suas obras que podem ser adquiridas no mercado ali a funcionar durante estes dias.

 

O espaço conta com a presença de 70 editoras, desde as mais comerciais às mais alternativas, que terão para oferecer as mais recentes edições de BD, mas também títulos há muito esgotados, para além de serigrafias e pranchas e desenhos originais. É aqui que muitos dos visitantes ocasionais, movidos pela curiosidade, contactam pela primeira vez com a BD. Primeira vez não! Quase toda a gente, em alguma altura da sua infância ou adolescência teve contacto com a BD, mas “há uma idade em que existe um corte”, diz Paulo Monteiro, justificando que isso acontece porque “enquanto crescemos como pessoas e interesses” as histórias de aventuras ficam para trás… No entanto, hoje “existe banda desenhada de todos os géneros, para todas as idades e interesses”, o que permite que o gosto pela leitura deste género de literatura perdure ao longo da vida.

 

Voltando ao programa, mais ao fim do dia, a partir das 20:45 horas, serão apresentados os livros A Morte Viva, de Alberto Varanda (um autor português radicado em França) e Olivier Vatine, e O Homem Polvo, de Veté. Ainda no âmbito do XV Festival Internacional de BD de Beja, será entregue o prémio Geraldes Lino (um dos maiores colecionadores e especialistas portugueses de fanzines e divulgador de novos nomes da banda desenhada portuguesa que faleceu recentemente) e que nesta edição distinguirá Patrícia Guimarães.

 

À conversa vão estar também Peter van Dogen, o atual desenhador de “Blake & Mortimer”, David Sala e Enrique Sánchez Abulí, o autor de “Torpedo”. Os concertos desenhados estarão a cargo de Mata Bicho e Fábio Veras, e de The Town Bar e Diogo Carvalho. A noite finalizará com João Melgueira no som.

 

A manhã de domingo começa com uma homenagem a Michel Vaillant e um encontro de carros antigos, organizado pelo Clube Automóvel do Baixo Alentejo. Meia hora depois Florival Baiôa conduzirá uma visita guiada à cidade de Beja. Antes, às 09:30 horas, será estreado o documentário “José Ruy – Uma vida dedicada à banda desenhada,” realizado por Manuel Monteiro, com guião de Paulo Ribeiro e produzido pela Câmara Municipal de Beja, que é a promotora do evento, juntamento com a Bedeteca de Beja.

 

Durante o dia, no espaço central do festival, terão lugar várias conversas com autores e apresentações de livros. O programa completo pode ser consultado em bejabd.pt/.

A Bedeteca de Beja

Apenas existem quatro bedetecas em Portugal: três na zona da Grande Lisboa (Amadora, Cascais e Lisboa) e a de Beja. A do Alentejo foi inaugurada em 2005, mas tem as suas origens uma década antes, num ateliê de BD que juntava cerca de duas dezenas de desenhadores que produziam o fanzine “A Toupeira”.

 

A Câmara Municipal de Beja, reconhecendo o potencial da iniciativa, resolveu enquadrar esta atividade, promovendo e apoiando o nascimento da Bedeteca. Durante o ano a programação é variada, com exposições, workshops e um ateliê semanal, às quartas-feiras, em que participam “artistas” de várias idades. Para além da biblioteca que está disponível a toda a gente, a interação com as escolas é também uma realidade, quer através de ações de divulgação, quer disponibilizando livros aos jovens.

 

O próximo passo é a criação do Museu da BD, projeto com alguns anos, mas que o atual executivo camarário quer concretizar. “Já existe muito material”, garante Paulo Monteiro, e o espaço, na “rua das lojas”, no centro histórico de Beja, há muito que está identificado. Um equipamento que a cidade e a BD portuguesa – “A mais rica do mundo” – merecem, e que pode contribuir para que Beja se afirme como “centro europeu da banda desenhada”, como disse Paulo Arsénio, presidente da autarquia, na apresentação do festival, na passada segunda-feira.

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