Diário do Alentejo

Projeto do CPC Beja leva dança a pessoas em cadeira de rodas

17 de maio 2019 - 12:00
Foto José Serrano

Texto Bruna Soares

 

 O Centro de Paralisia Cerebral de Beja (CPCB) tem um novo projeto que leva a dança contemporânea a pessoas com mobilidade reduzida, que estão em cadeira de rodas, ou que têm algumas limitações. Porque a dança, essa, é para todos. Um projeto que pretende promover o autocontrolo, a autoestima, a diminuição da ansiedade, mas também a melhoria da qualidade de vida. E, sobretudo, quebrar barreiras e preconceitos em nome da integração. Eis a dança sobre rodas, pela mão do grupo InclusiveDance, onde a criação artística não conhece limites.

 

Sérgio Lopes, de 42 anos, está deitado no chão branco do ginásio do Centro de Paralisia Cerebral de Beja (CPCB). Tem os braços jogados para a frente, o corpo semicurvado, as pernas um pouco dobradas. Está assim, porque é desta posição, precisamente, que começa a sua performance enquanto bailarino do grupo de dança InclusiveDance, o mais recente projeto do Centro de Atividades Ocupacionais (CAO) do CPCB.

 

Está integralmente vestido de preto, tal como estão todas as restantes bailarinas que integram o grupo. Atrás de si, sentadas nas cadeiras de rodas que utilizam como meio de locomoção, estão Sofia Dias, de 34 anos, Adriana Lopes, de 25, Fernanda Marreiros, de 48, Tânia Carvalho, de 35, e Milene Simões, de 36.  A música inicia e lentamente Sérgio começa a mover-se. Agarra as mãos de Eunice Fortes, monitora, e são eles os primeiros a arrancar com a coreografia. E há braços que se esticam, corpos que se encontram, num movimento irrepreensível. E agora já rodopiam pela sala fora...

 

São eles, na coreografia, que, ao som da melodia, vão despertando as diferentes bailarinas, que, depois de “acordadas” nas suas cadeiras, avançam. Primeiro umas, depois outras. E Bruna Silva, terapeuta ocupacional, que também integra o grupo, é puxada por uma delas, até se sentar numa outra cadeira de rodas que a aguarda. E novamente os braços, os movimentos e as mãos que ora rodam, ora abrem ou se fecham. Tudo ao ritmo de uma canção. Eis a dança contemporânea, na sua vertente de dança teatral, a invadir a sala do ginásio, local onde, uma vez por semana, ensaiam, e a partir do qual se combinam diversas qualidades de movimentos sem que nada se prenda, à partida, a estéticas pré-estabelecidas.

 

“Este é um grupo perfeito na imperfeição. Os nossos corpos não são perfeitos, nenhum de nós é perfeito, e quisemos ir por aí. E daí também ter surgido a dança contemporânea que permite esta liberdade de criação, que nos permite conhecer o corpo. Onde não são precisas grandes coreografias, onde o que apenas é preciso é sentir a liberdade, a leveza, a emoção”, começa por dizer Francisca Guerreiro, presidente da direção do CPCB. Que não deixa, porém, de se emocionar a cada vez que assiste a uma apresentação do grupo. “Porque isto resultou tanto, é tão bonito, é tão perfeito, que é impossível não nos deixarmos comover”.

 

Este grupo de dança foi criado a 28 de janeiro deste ano e houve um dia que marcou, para sempre, a decisão da sua continuidade. 8 de março, o Dia Internacional da Mulher, haverá de ficar também para a história como o da primeira apresentação pública do InclusiveDance, precisamente, na receção ao embaixador e do cônsul honorário da República Federal da Alemanha, em Beja.

 

“Sabíamos como estas pessoas reagiam quando estavam só connosco, quando estavam na sua zona de conforto, quando estavam à vontade e sem qualquer tipo de pressão, ensaio após ensaio, aula de dança após aula de dança. Não sabíamos como seria atuar para tanta gente. Mas aconteceu e encararam o desafio como se fossem verdadeiros profissionais. Foi muito gratificante ver a sua alegria, a sua realização pessoal”, recorda agora Eunice Fortes.

“Este é um grupo perfeito na imperfeição. Os nossos corpos não são perfeitos, nenhum de nós é perfeito, e quisemos ir por aí. E daí também ter surgido a dança contemporânea que permite esta liberdade de criação, que nos permite conhecer o corpo. Onde não são precisas grandes coreografias, onde o que apenas é preciso é sentir a liberdade, a leveza, a emoção”.

Por momentos, a música deixa de se ouvir e só se escuta o sorriso de Fernanda Marreiros que enche por completo a sala do ginásio. Está sentada numa cadeira de rodas e expressa: “Eu não sabia que podíamos dançar estando numa cadeira. Agora sei que gosto muito de o fazer”. Faz uma pausa, como se precisasse de pensar nas palavras precisas que quer dizer. “Gosto quando a cadeira anda às voltas, sinto-me bem. Quando danço sinto muitas coisas que vêm cá de dentro, que vêm do coração”, desabafa, para rapidamente continuar a sorrir.

 

Sofia Dias, que está na cadeira de rodas ao lado, também tem urgência em transmitir o que sente. “Eu tenho memória de dançar antes, antes de estar na cadeira, antes do acidente de viação. Lembro-me de dançar nos bailes. Agora voltei a poder dançar e é muito bom, é muito fixe. Gosto de andar às voltas, de levantar os braços, porque sinto-me leve e livre”.

 

Já Sérgio Lopes, Tânia Carvalho e Adriana Lopes sorriem, mas estão mais interessados em continuar a dançar, em não parar o movimento que os deslumbra e realiza. Mas Milene Simões, timidamente, atira: “Eu também gosto muito de dançar e sinto-me muito feliz quando o faço”. E afinal, o que se pretende, é só, e apenas isso, felicidade. “Eu acho que eles estão felizes, porque a dança os deixa felizes, mas também porque estão a realizar um projeto deles, estão a fazer algo que conseguem concretizar. E é precisamente por isso que nós, enquanto instituição, existimos”, diz Francisca Guerreiro.

 

Rapidamente começa a música e, por momentos, acabam as conversas e volta-se ao ensaio, à dança, porque, afinal, é segunda-feira, e, para estes bailarinos, significa que é um dos dias mais felizes da semana. “Em boa hora surgiu este grupo. Porque existe outro grupo de dança no Centro de Paralisia Cerebral de Beja, mas é muito mais coreografado. Mas este grupo veio permitir às pessoas que estão em cadeira de rodas poderem dançar, veio dar-lhes essa oportunidade e, sobretudo, esta liberdade”, comenta Graça Guerreiro, diretora técnica do Centro de Atividades Ocupacionais.

 

Com este grupo, neste projeto, a tempo inteiro, trabalha uma monitora e uma terapeuta ocupacional. “Até porque a dança também lhes permite começarem a ter uma noção mais precisa do controlo dos movimentos do corpo, mas também do controlo da emoção. À partida pode parecer um trabalho simples, mas é um trabalho que requer muita paciência e repetição.

 

Há umas pessoas que conseguem fazer determinados movimentos e há outras que conseguem fazer outros. Não podemos, por isso, seguir um padrão. Aqui tudo se adapta às especificidades de cada um”, explica, por sua vez, Bruna Silva. Enquanto Eunice Fortes completa: “Há pessoas, aqui, que, por norma, têm comportamentos mais agitados, mas notamos, por exemplo, que a música e a dança os acalma e que os ajuda muito a concentrar. E só isso para nós já é uma vitória enorme. Tudo o que fazem a seguir é inacreditável e extraordinário e é muito compensador para todos os que os acompanham, desde os técnicos do centro às famílias, que têm sido inexcedíveis e nos têm apoiado muito”.

 

Novamente a música e as cadeiras que se juntam com as bailarinas a fazerem uma roda, um círculo que ora se alarga ora se estreita. As mãos no alto e as cabeças que se vão baixando, lentamente, ao ritmo dos sons que as colunas debitam. Os corpos curvados, para novamente se esticarem, até onde é possível, consoante as especificidades de cada um. Um, dois, três movimentos. E mais outro e outro. Tantos, e mais um girar na cadeira, mais uma volta de 360.º. E Sérgio continua nos seus passos calculados, segurando na mão de Eunice. E Bruna Silva, numa cadeira de rodas, juntamente com todas as outras bailarinas, auxiliando nos movimentos.

 

“É como se todos tivessem qualquer coisa dentro deles que só foi necessário despertar. Como se o bichinho da dança já lá estivesse, mas sem que ninguém, nem eles, o soubesse”, revela Francisca Guerreiro. Nestas aulas promove-se o aumento do bem-estar, a melhoria da qualidade de vida, a autoestima, a diminuição das limitações, o autocontrolo, o trabalho em equipa, a diminuição da ansiedade, a integração, entre outros.

 

“As pessoas muitas vezes nem têm a perceção que existem pessoas com limitações, quanto mais que existem pessoas que têm limitações e que dançam. Este projeto é, por isso, também uma forma de quebrar barreiras, de desfazer preconceitos, de aproximar também a sociedade civil da nossa instituição e de mostrar a quem nos ajuda, diariamente, o que por aqui também fazemos”, refere a presidente da direção do Centro de Paralisia Cerebral de Beja.

Para já, o grupo foi solicitado para fazer mais atuações e a última aconteceu na recente edição da Ovibeja, a maior feira do Sul. “Como o projeto é muito novo, começou há poucos meses, ainda só temos uma coreografia. A intenção é, agora, aos poucos, e tendo em conta as especificidades do grupo, ir criando mais coreografias. Seria fantástico, por exemplo, encher a sala do Pax Julia com um espetáculo. E não deixamos de sonhar, nem de acreditar que será possível”, afirma a responsável do Centro de Atividades Ocupacionais.

 

As bailarinas voltam ao ponto de partida. As cadeiras alinhadas. Sérgio está novamente no chão, o corpo volta a curvar-se e as pernas a dobrarem-se. A espera pela música. E começam a escutar-se as primeiras notas, que ecoam ginásio adentro. E não tarda a que todos rodopiem sala fora, uns em cadeira de rodas, outros pelo próprio pé. Porque a dança, quando foi concebida, enquanto manifestação artística ou como forma de divertimento, foi para todos.

CPCB pretende procurar apoio na área da dança contemporânea

A direção do Centro de Paralisia Cerebral de Beja pretende ainda, num futuro próximo, dar a conhecer este projeto a uma bailarina ou um bailarino de dança contemporânea. De ouvir as suas opiniões e, se possível, que possam trazer algumas indicações ou acrescentar formação ao grupo. “Um desafio, por exemplo, que podemos lançar ao Conservatório Regional do Baixo Alentejo, devido à sua proximidade ao nosso centro, e à excelente componente de formação que tem nesta área, caso exista disponibilidade. Tudo o que nos possa auxiliar, neste projeto, neste momento, é muito bom”, conclui Francisca Guerreiro. Até porque a intenção também “é levar o projeto para a sociedade, para próximo da comunidade”. E, neste sentido, de acordo com a direção, “todas as parcerias que possam surgir são benéficas”.

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