Por momentos, a música deixa de se ouvir e só se escuta o sorriso de Fernanda Marreiros que enche por completo a sala do ginásio. Está sentada numa cadeira de rodas e expressa: “Eu não sabia que podíamos dançar estando numa cadeira. Agora sei que gosto muito de o fazer”. Faz uma pausa, como se precisasse de pensar nas palavras precisas que quer dizer. “Gosto quando a cadeira anda às voltas, sinto-me bem. Quando danço sinto muitas coisas que vêm cá de dentro, que vêm do coração”, desabafa, para rapidamente continuar a sorrir.
Sofia Dias, que está na cadeira de rodas ao lado, também tem urgência em transmitir o que sente. “Eu tenho memória de dançar antes, antes de estar na cadeira, antes do acidente de viação. Lembro-me de dançar nos bailes. Agora voltei a poder dançar e é muito bom, é muito fixe. Gosto de andar às voltas, de levantar os braços, porque sinto-me leve e livre”.
Já Sérgio Lopes, Tânia Carvalho e Adriana Lopes sorriem, mas estão mais interessados em continuar a dançar, em não parar o movimento que os deslumbra e realiza. Mas Milene Simões, timidamente, atira: “Eu também gosto muito de dançar e sinto-me muito feliz quando o faço”. E afinal, o que se pretende, é só, e apenas isso, felicidade. “Eu acho que eles estão felizes, porque a dança os deixa felizes, mas também porque estão a realizar um projeto deles, estão a fazer algo que conseguem concretizar. E é precisamente por isso que nós, enquanto instituição, existimos”, diz Francisca Guerreiro.
Rapidamente começa a música e, por momentos, acabam as conversas e volta-se ao ensaio, à dança, porque, afinal, é segunda-feira, e, para estes bailarinos, significa que é um dos dias mais felizes da semana. “Em boa hora surgiu este grupo. Porque existe outro grupo de dança no Centro de Paralisia Cerebral de Beja, mas é muito mais coreografado. Mas este grupo veio permitir às pessoas que estão em cadeira de rodas poderem dançar, veio dar-lhes essa oportunidade e, sobretudo, esta liberdade”, comenta Graça Guerreiro, diretora técnica do Centro de Atividades Ocupacionais.
Com este grupo, neste projeto, a tempo inteiro, trabalha uma monitora e uma terapeuta ocupacional. “Até porque a dança também lhes permite começarem a ter uma noção mais precisa do controlo dos movimentos do corpo, mas também do controlo da emoção. À partida pode parecer um trabalho simples, mas é um trabalho que requer muita paciência e repetição.
Há umas pessoas que conseguem fazer determinados movimentos e há outras que conseguem fazer outros. Não podemos, por isso, seguir um padrão. Aqui tudo se adapta às especificidades de cada um”, explica, por sua vez, Bruna Silva. Enquanto Eunice Fortes completa: “Há pessoas, aqui, que, por norma, têm comportamentos mais agitados, mas notamos, por exemplo, que a música e a dança os acalma e que os ajuda muito a concentrar. E só isso para nós já é uma vitória enorme. Tudo o que fazem a seguir é inacreditável e extraordinário e é muito compensador para todos os que os acompanham, desde os técnicos do centro às famílias, que têm sido inexcedíveis e nos têm apoiado muito”.
Novamente a música e as cadeiras que se juntam com as bailarinas a fazerem uma roda, um círculo que ora se alarga ora se estreita. As mãos no alto e as cabeças que se vão baixando, lentamente, ao ritmo dos sons que as colunas debitam. Os corpos curvados, para novamente se esticarem, até onde é possível, consoante as especificidades de cada um. Um, dois, três movimentos. E mais outro e outro. Tantos, e mais um girar na cadeira, mais uma volta de 360.º. E Sérgio continua nos seus passos calculados, segurando na mão de Eunice. E Bruna Silva, numa cadeira de rodas, juntamente com todas as outras bailarinas, auxiliando nos movimentos.
“É como se todos tivessem qualquer coisa dentro deles que só foi necessário despertar. Como se o bichinho da dança já lá estivesse, mas sem que ninguém, nem eles, o soubesse”, revela Francisca Guerreiro. Nestas aulas promove-se o aumento do bem-estar, a melhoria da qualidade de vida, a autoestima, a diminuição das limitações, o autocontrolo, o trabalho em equipa, a diminuição da ansiedade, a integração, entre outros.
“As pessoas muitas vezes nem têm a perceção que existem pessoas com limitações, quanto mais que existem pessoas que têm limitações e que dançam. Este projeto é, por isso, também uma forma de quebrar barreiras, de desfazer preconceitos, de aproximar também a sociedade civil da nossa instituição e de mostrar a quem nos ajuda, diariamente, o que por aqui também fazemos”, refere a presidente da direção do Centro de Paralisia Cerebral de Beja.
Para já, o grupo foi solicitado para fazer mais atuações e a última aconteceu na recente edição da Ovibeja, a maior feira do Sul. “Como o projeto é muito novo, começou há poucos meses, ainda só temos uma coreografia. A intenção é, agora, aos poucos, e tendo em conta as especificidades do grupo, ir criando mais coreografias. Seria fantástico, por exemplo, encher a sala do Pax Julia com um espetáculo. E não deixamos de sonhar, nem de acreditar que será possível”, afirma a responsável do Centro de Atividades Ocupacionais.
As bailarinas voltam ao ponto de partida. As cadeiras alinhadas. Sérgio está novamente no chão, o corpo volta a curvar-se e as pernas a dobrarem-se. A espera pela música. E começam a escutar-se as primeiras notas, que ecoam ginásio adentro. E não tarda a que todos rodopiem sala fora, uns em cadeira de rodas, outros pelo próprio pé. Porque a dança, quando foi concebida, enquanto manifestação artística ou como forma de divertimento, foi para todos.