Diário do Alentejo

40 mil pessoas esperadas no Festival Islâmico de Mértola

16 de maio 2019 - 12:00

Texto Luís Godinho

 

Sevilhano nascido e criado na paróquia da Bellavista, Joaquim converteu-se à religião islâmica na década de 80 do século passado. “Descobri uma visão civilizadora que me ensinou a observar o homem”. Adotou o nome de Jalid (que significa o eterno, o que permanece) e tornou-se porta-voz da Fundação Mesquita de Sevilha. É, desde o início, há 20 anos, um dos membros mais ativos na organização do Festival Islâmico de Mértola, cuja décima edição decorre até ao próximo domingo, dia 19.

 

Jalid Nieto, é este o seu apelido, lembra que o festival nasceu do encontro entre a vontade de dois grupos. Por um lado, um conjunto de pessoas ligado à câmara e ao Campo Arqueológico de Mértola que “tinha feito um exercício profundo de reflexão e busca das suas próprias raízes e [da sua] história”. Por outro, a Comunidade Islâmica de Espanha, sediada em Sevilha e Granada, “que sentia a necessidade de expressar abertamente os elementos constitutivos da sua maneira de entender o mundo, através de aspetos identitários, sociais, económicos e culturais” e que procurava aprofundar a sua própria vida comunitária.

 

“Quando nos encontrámos em Almonaster la Real [município da província de Huelva], onde tínhamos ensaiado um modelo de ação integral, só tivemos de afinar as nossas posições”, recorda Jalid Nieto, acrescentando que por parte da comunidade islâmica ficou desde logo claro que a sua presença no festival não se destinava a vender mercadorias, mas sim a “passar uma mensagem conectada com a nossa forma de vida mais verdadeira e genuína”.

 

Dito de outra maneira, “para nós [trata-se da] expressão de um islamismo vivo e atual, que não está desconectado do que poderia acontecer numa Mértola islâmica. Todos os visitantes que quiseram mergulhar no tempo-espaço exibido no festival puderam percebê-lo. Passado e presente ao vivo”.

 

Para Jalid Nieto, o certame constitui também uma oportunidade para fomentar o “conhecimento mútuo” entre a religião islâmica e a cristã, por oposição à “ausência de pedagogia social” que encontra no discurso de políticos e jornalistas: “Não entendemos esta atitude contínua de relacionar o Islão com violência. Todos esses preconceitos se diluem quando conhecemos verdadeiramente os muçulmanos”.

Para Jalid Nieto, o certame constitui também uma oportunidade para fomentar o “conhecimento mútuo” entre a religião islâmica e a cristã, por oposição à “ausência de pedagogia social” que encontra no discurso de políticos e jornalistas: “Não entendemos esta atitude contínua de relacionar o Islão com violência. Todos esses preconceitos se diluem quando conhecemos verdadeiramente os muçulmanos”.

Considerado “o local de maior encantamento” do festival, o souk não encena uma recriação histórica, antes vivendo o presente como qualquer mercado árabe dos dias de hoje. Os cabedais, as djallabas (peças de vestuário), o incenso, o sândalo, o chá de menta, as especiarias e a mistura de vozes dão cor, aroma e melodia às ruas da “vila velha” cobertas de tecidos coloridos.

 

As bancadas do mercado são cobertas de artesanato, tecidos, doçaria, produtos regionais ou peças de arte provenientes de países como Marrocos, Tunísia, Egito ou Espanha e, claro, do Alentejo. A compra, essa, está invariavelmente associada ao ritual árabe de regatear um bom preço, surgindo aqui e ali pontos de animação espontânea, como uma dançarina, um poeta ou um cantor. Num espaço improvisado, lá no alto, destaca-se um recanto reservado à oração.

 

Vereadora na Câmara Municipal de Mértola, Rosinda Pimenta diz tratar-se de um evento de “grande relevância cultural” para o município e para a região: “É a afirmação da cultura como um pilar de desenvolvimento e um meio de união e diálogo entre diferentes povos. A Mértola acedem pessoas de todo o lugar, de todas as idades e nacionalidades”. E depois, claro, há o impacto económico: “Os alojamentos do concelho e dos concelhos limítrofes esgotam, os restaurantes ficam cheios e o comércio tem oportunidades únicas de negócio. A cada edição o número de visitantes aumenta e são esperados para este ano mais de 40 mil visitantes”.

 

A autarca lembra que, para além de todos os achados arqueológicos expostos no núcleo de arte islâmica do Museu de Mértola, “que representa uma pequena parte do volume de achados do período islâmico encontrados” na vila, o legado islâmico pode sentir-se hoje em dia nos mais diversos domínios, como a arquitetura das casas, muitas ainda com tradicionais pátios interiores, a toponímia de alguns lugares ou a gastronomia.

 

“A açorda e o gaspacho são comidas típicas daqui mas temos o mesmo em Marrocos, tal como o feijão e o grão. É a mesma coisa”, confirma Salam Lahraoui, que em 2013 deixou Errachidia, cidade marroquina de 90 mil habitantes, para se instalar em Mértola. Seis anos depois continua a dizer-se “apaixonado por esta terra”.

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