Depois de sete anos, o processo judicial apresentado pela Associação Ambiental de Amigos das Fortes contra a empresa Azeites de Portugal – AZPO pela “poluição” causada pelas emissões da fábrica de bagaço instalada na localidade foi, recentemente, arquivado “por falta de indícios considerados suficientes”. Fátima Mourão, presidente da referida associação, afirma que a decisão vem confirmar que “estamos sozinhos” e que deixou de haver “esperança”.
Texto | Ana Filipa Sousa de Sousa
Há muito que o problema das emissões da fábrica de bagaço Azeites de Portugal – AZPO, instalada na aldeia de Fortes, no concelho de Ferreira do Alentejo, deixou de ser novidade. Os relatos, em vídeos e fotografias, dão conta de “nuvens densas de emissões a sair diretamente” sobre as casas e terrenos que, segundo a Associação Ambiental de Amigos das Fortes (AAAF), continuam a causar um “cheiro forte, partículas no ar, irritação nos olhos e garganta e uma sensação constante de que o ar não é seguro para respirar”. Os novos acontecimentos deixaram a população de Fortes “devastada” e “entregue a si própria” depois de o processo-crime apresentado em 2018, ano em que a AAAF foi criada, contra a AZPO, ter sido, recentemente, arquivado pelo Ministério Público “por falta de indícios considerados suficientes para avançar para julgamento”.Em declarações ao “Diário do Alentejo” (“DA”), a presidente da referida associação, Fátima Mourão, explica que, apesar da colocação de um sistema de filtragem, no início do ano passado, numa das chaminés, o problema agravou-se depois da instalação e da entrada em funcionamento, “há cerca de seis ou sete meses”, “de uma [outra] chaminé de baixa altura”. “Então são essas emissões que continuam intensas e quem vive nas Fortes sente isso. Nós somos pequenos, não temos mais meios, a associação perdeu força e não consegue continuar e, agora, o processo foi arquivado”, resume.Esta decisão, segundo Fátima Mourão, vem confirmar que estão “sozinhos” e que deixou de haver “esperança” na resolução desta problemática, uma vez que “este processo poderia dar alguma razão à população, mas não deu porque não há provas e, portanto, é difícil”. “O que nós dizemos é que se arquivou o processo, mas não se arquivou a poluição, porque esta continua”, reforça.Perante a instalação de uma nova chaminé, a AAAF comunicou, em setembro último, à Câmara Municipal de Ferreira do Alentejo, a situação que, segundo indica a associção, “respondeu afirmando que o controlo ambiental das emissões não é da sua competência” e que, por isso, encaminhou a reclamação para a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo (CCDR Alentejo).Segundo Fátima Mourão, até ao momento não houve qualquer contacto institucional entre a AAAF e a CCDR Alentejo – “não sabemos de nada porque não comunicam com a associação, não temos nada, nunca tivemos um comunicado da CCDR” – e, anteriormente, a versão avançada é que estava “tudo bem”, referindo-se à solução do “filtro inicial e ignorando o que a população diz”.“Estamos mal, sozinhos e sem forma de nos voltarmos, porque a câmara não está a assumir e a CCDR Alentejo tem o seu timing, não faz a fiscalização correta e continua a existir uma legislação muito permissiva, portanto, sentimos que estamos mais desprotegidos”, diz a responsável.
Responsabilidades Por sua vez, a CCDR Alentejo, em resposta ao “DA”, confirma que “deu entrada a reclamação identificada” e que esta “foi remetida aos competentes serviços, estando a decorrer os trâmites legais e usuais em relação à mesma”. Questionada quanto à responsabilidade perante a situação, a entidade garante que a sua função é “avaliar os relatórios de monitorização das emissões atmosféricas submetidos pela empresa”, mas “as restantes ações de acompanhamento e exigência de medidas corretivas, caso se verifiquem infrações, cabem à entidade licenciadora, que, no caso, é a Câmara Municipal de Ferreira do Alentejo”. “Até ao momento, esses relatórios não evidenciaram incumprimento da legislação ambiental aplicável. A atuação da CCDR Alentejo ocorre no quadro das suas competências legais, nomeadamente, na análise técnica de denúncias e na verificação do cumprimento da legislação ambiental pela entidade exploradora”, refere.Ainda assim, a CCDR Alentejo assegura que, “apesar de não ter competências para imposição de medidas corretivas”, “está, e sempre esteve, disponível para fazer parte da solução, cumprindo com as suas obrigações e competências e, sempre que necessário ou solicitado, reunir e debater com as partes envolvidas”. Para Fátima Mourão, a apresentação de “três análises ao ano” realizada “em três manhãs” não representa a verdadeira “realidade” da situação e, por isso, a AAAF pede uma “monitorização contínua” para saber “o que é que está a sair daquelas chaminés”.“Não se consegue [fazer esse controlo] porque não há interesse nisso, porque se houvesse uma monitorização contínua nós sabíamos ao que é que estávamos expostos, mas ninguém quer pôr um sensor contínuo durante um ano [e] não sei porquê”, alude.Paralelamente, a responsável refere que, para além das “emissões poluentes” sentidas diariamente, o novo sistema de filtragem “faz um barulho ensurdecedor à noite” e que, por esse motivo, “não melhorou, ou seja, ainda piorou” a situação.“As Fortes são o lado negro do azeite, [mas] não é pelo produto em si. Apesar de este ser um símbolo nacional nós vivemos a outra face da moeda, [com] as emissões a cairem na aldeia e a ausência de proteção para quem convive diariamente com estes impactos ambientais”, assegura.