No mês em que se assinalam os 55 anos do falecimento do radiologista bejense António Covas Lima (2 de novembro de 1970) e 15 anos da morte do seu filho João Covas Lima (4 de novembro de 2010), o “Diário do Alentejo” viajou até ao passado para dar a conhecer os seus percursos profissionais e as suas devoções à causa pública.
Texto | Ana Filipa Sousa de SousaFotos | Ricardo Zambujo
Quem passa na rua Capitão João Francisco de Sousa, outrora muito movimentada, não fica indiferente ao imponente edifício da antiga Casa da Saúde de Beja, fundada em 1933 por António Covas Lima. A sala de espera do agora conhecido Instituto de Imagiologia Covas Lima parece parada no tempo. As cadeiras de madeira e as grandes portadas castanhas das janelas, assim como os azulejos brancos e azuis que forram as paredes, não condizem com as transformações tecnológicas e sociais que se foram sentindo ao longo das últimas décadas.Os apetrechos médicos de outros tempos, expostos no grande armário ao fundo da sala, antecedem a viagem pelo passado que os vários pisos convidam a conhecer. Num dos espaços, colocada estrategicamente em jeito museológico, está a “primeira ampola de raio-x” aplicada no instituto, assim como os retratos, cuidadosamente pendurados na parede, de António e do seu filho João Covas Lima, de Bénard Guedes – “um dos primeiros radiologistas do País” –, de Röntgen – “quem descobriu o raio-x” – e de Ayres de Sousa, médico e amigo da família.O “Diário do Alentejo” (“DA”) regressa, assim, ao passado guiado pela mão de Alexandra Covas Lima, neta e filha dos referidos médicos radiologistas e atual diretora clínica do instituto.“Quando a Radiologia apareceu em 1930 e o meu avô a introduziu aqui no distrito [de Beja] este foi dos primeiros consultórios a sul do País”, começa por contar.Enquanto desce as escadas para o andar inferior, a também radiologista, de sorriso no rosto, vai descrevendo cuidadosamente o primeiro rastreio radiológico antituberculoso que o avô realizou, assim como o trabalho desenvolvido no projeto Seara do Dispensário, ou seja, um passo importante de voluntariado em prol de doentes com tuberculose. “Os lavradores cediam as terras e as pessoas ofereciam o trabalho para que a receita revertesse para melhorar as condições de vida, alimentação, vestuário e medicação para os tuberculostáticos. Todos contribuíam para um bem comum”, explica.De entre os demais feitos do seu avô, Alexandra Covas Lima sublinha também a entrega do radiologista no tratamento das doenças causadas nas minas, como a silicose, que abundavam em Aljustrel, São Domingos (Mértola), Cercal do Alentejo (Santiago do Cacém) e Lousal (Grândola), e na construção do atual Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja.“O meu avô planeou o hospital de Beja, mas morreu em 1970, na altura em que este é inaugurado. Houve uma grande festa, e ele não só foi condecorado com o grau de ‘grande oficial’ na Ordem de Benemerência como foi nomeado, em homenagem, como o primeiro diretor clínico do hospital, [pois] ele nunca exerceu lá”, revela.O legado de António Covas Lima continuou a ser perpetuado pelas mãos do seu filho João Covas Lima, que assume “graciosamente”, durante 17 anos, a direção clínica do hospital de Beja. “Digo graciosamente porque ele estava em Lisboa e não tinha ajudas de custo, utilizava o carro dele e, durante este tempo, conseguiu implementar também a Escola de Enfermagem [agora Escola Superior de Saúde]”, conta.João Covas Lima desenvolveu, também, “novas técnicas” radiológicas, apoiou o Serviço Médico na Periferia, promoveu cursos clínicos de interpretação radiológica de raio-x e ecografias e implementou no distrito de Beja um projeto que permitia que existisse “em cada centro de saúde uma unidade radiológica”. “Na altura havia em todo o lado, até em Moura, Serpa e Castro Verde. Depois ele levava o seu trabalho para outros campos, como no desporto, na Associação Humanitária de Dadores de Sangue ou na Liga dos Combatentes, em que quando acontecia algo grave, e não conseguia ajudar no terreno, fazia-o através dos seus conhecimentos”, admite.O reconhecimento público O andar inferior, que ainda funciona com gabinetes de consultas médicas, é um pequeno “espaço de recordações”. Nas vitrinas guardam-se minuciosamente pequenos instrumentos médicos que contam histórias de um longo legado profissional. Por sua vez, o antigo gabinete de João Covas Lima, decorado com diplomas, publicações escritas no “DA” e fotografias, marcam o percurso da família Covas Lima.Alexandra Covas Lima acredita que a comunidade reconhece o trabalho desenvolvido pelos seus antepassados no âmbito da saúde no distrito, assim como da sua devoção à causa pública, mas admite ter “uma certa mágoa”.“Há um discurso na Assembleia Nacional [antiga câmara de deputados do Estado Novo onde António Covas Lima foi também deputado] em que é dada autorização para se atribuir o nome do meu avô ao Dispensário de Aljustrel e ao pavilhão desportivo de Beja, mas só o primeiro é que se fez. Acho que isto é história e a história perde-se e é importante deixar um testemunho e preservar a memória e o papel da sua obra”, salienta.Numa das paredes, o retrato em azulejo de uma ceifeira chama a atenção. A acompanhar uma breve explicação. “Este é um episódio muito importante alusivo ao que nós chamamos a ‘Ceifa da gratidão’. Isto é, nós tínhamos uma propriedade que era o Monte do Oteiro, perto de Baleizão [no concelho de Beja], e houve um dia em que a população pediu para os meus avós irem ter com eles ao monte. Era um dia de muito calor e quando eles chegaram viram uma cena arrepiante, [ou seja], a população a cantar e a ceifar gratuitamente para mostrarem o seu reconhecimento”, descreve.Este momento, que Alexandra Covas Lima eternizou no instituto de imagiologia, é um marco que reflete a importância das “relações inter-humanas”, de “amizade” e de dedicação em prol dos outros que assinalam o percurso dos dois médicos radiologistas. “Foram duas vidas de entrega e partilha. Eles para terem conseguido dar muito aos outros, o que, por vezes, sentimos é que lá em casa perdemos um bocadinho, porque gostávamos de ter tido mais tempo com eles do que o que tivemos”, conclui.