Diário do Alentejo

Cheiro a azeite chegou a Lisboa e causa protestos em Ferreira do Alentejo

22 de março 2025 - 08:00
Unidades de tratamento de bagaço de azeitona refutam acusações, mas nem todas usam a mesma tecnologia
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Primeiro estranha-se, depois entranha-se. Foi assim, como dizia o poeta, que há duas semanas a população de Lisboa se sentiu quando se deu conta de um odor intenso a azeite no ar, o que já tinha acontecido o ano passado. A origem estava a cerca de 200 quilómetros para sul, em fábricas de queima de bagaço de azeitona. Os operadores refutam a acusação, mas o cheiro é inquestionável. O presidente da Câmara Municipal de Ferreira do Alentejo diz que a situação é “inaceitável”.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

A notícia não é nova e já fez correr muita tinta. As três fábricas de bagaço de azeitona instaladas em Ferreira do Alentejo e Alvito são, regularmente, apontadas como causadoras de mal-estar pelas populações locais. No entanto, quando confrontadas com as acusações, recusam responsabilidades.

Na aldeia de Fortes, em Ferreira do Alentejo, em 2018, surgiu a Associação Ambiental dos Amigos das Fortes que, de forma muito ativa, denunciou a situação e levou a AZPO – Azeites de Portugal, SA a investir num sistema de filtragem que, até há poucos dias, parecia ter resolvido o problema. No entanto, vídeos gravados recentemente, durante a noite, mostram grandes nuvens a sair da chaminé da fábrica, apesar de a legenda reconhecer que “de dia” não há problema.

Idalina Coragem, membro da associação ambiental, em conversa com o “Diário do Alentejo” (“DA”), admite que nos últimos meses “parecia que havia uma boa percentagem de melhoramento”, mas nas últimas semanas – que coincidiram com temperaturas muito baixas – “há vários sítios de onde sai fumo”.

Uma fonte da empresa contactada, nesta semana, pelo “DA”, mostrou-se indignada com a acusação e considerou “inadmissível falar da operação com este tipo de pressupostos”, lembrando que recentemente foram feitos investimentos muito avultados – alguns milhões de euros – para eliminar qualquer tipo de resíduos que pusessem em causa a qualidade do ar.Postos perante a evidência das imagens publicadas, explicaram ao “DA” que o que se via era “apenas a condensação normal” que ocorre em alturas do dia em que a temperatura do ar é muito baixa. “A empresa refuta qualquer anomalia no sistema de filtros” instalado e garante que é regularmente auditada pelas entidades competentes e que os resultados cumprem todos os parâmetros exigidos por lei, garantiu a mesma fonte.

Também a fábrica Casa Alta, uma unidade extratora que produz óleos alimentares a partir do bagaço de azeitona, instalada no Parque Agroindustrial do Penique, em Ferreira do Alentejo, é alvo de muitas queixas por parte da população e dos seus vizinhos na área.

Em resposta a várias questões colocadas por email pelo nosso jornal, responderam que a empresa “é auditada e fiscalizada de forma regular, tanto por empresas externas certificadas como pelos organismos estatais competentes, incluindo a CCDR [Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional] Alentejo, GNR – Sepna [Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente], Administração da Região Hidrográfica do Alentejo, da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território e ASAE [Autoridade de Segurança Alimentar e Económica], garantindo o cumprimento rigoroso da lei portuguesa e da regulamentação europeia”.

A empresa assegura que, “atualmente, implementa sistemas de depuração de gases tecnologicamente desenvolvidos e desenhados expressamente para a sua infraestrutura”, e “encontra-se a estudar a implementação de soluções de filtragem ainda mais inovadoras e sustentáveis, mantendo-se na vanguarda do setor”.

Acrescentam, ainda, que a Casa Alta “não tem conhecimento de qualquer reclamação sobre a sua operação”, mas que “mantém total disponibilidade para analisar qualquer situação que lhe seja reportada”.

A terceira fábrica – União de Cooperativas Agrícolas do Sul (Ucasul) – está instalada no concelho de Alvito. António Brito, presidente do conselho de administração, em declarações ao jornal “Público”, disse que esta unidade “instalou eletrofiltros nos seus secadores” em junho de 2023 e que a empresa investiu 1,4 milhões de euros num sistema de filtragem dos gases resultantes da queima do bagaço de azeitona.

No entanto, admitiu o responsável, ainda não foi instalada “uma cortina de água para reter as partículas contaminadas”, devido à falta “de uma estação de tratamento para ultrafiltração ou nanofiltração”.

 

“Inaceitável”

 

Luís Pita Ameixa, presidente da Câmara Municipal de Ferreira do Alentejo, diz que é à CCDR Alentejo que cumpre fazer “o controlo dos parâmetros impostos pela lei e [que esta] tem dito que as análises estão dentro dos critérios” exigidos.

Em declarações ao “DA”, o autarca diz que, “apesar de ser reportado o cumprimento da lei, achamos a solução inaceitável”, revelando que em relação a Fortes os últimos relatos “confirmam uma melhoria” e, neste momento, está à espera de, em breve, saber os resultados de uma inspeção realizada no final do ano.

De qualquer forma, diz “haver um incómodo real” entre as pessoas da zona, que se “queixam dos cheiros que às vezes trazem gorduras associadas. Há uma série de incómodos e, independentemente do que a lei diz, a autarquia nunca os aceitará porque acha que a situação tem de ser resolvida”. Até porque, alerta, “está em causa a credibilidade da fileira do azeite, um produto de excelência, verde e ambiental, e são os próprios lagares que ficam desacreditados por causa desta situação”, conclui.

Segundo a legislação em vigor, o acompanhamento e monitorização desta atividade industrial é da competência das CCDR, mas quem faz as análises são empresas independentes acreditadas pelo Instituto Português de Acreditação.

O “DA” não conseguiu, até ao fecho desta edição, chegar à fala com a CCDR Alentejo, mas, segundo o jornal “Público”, durante o ano de 2024 as análises efetuadas às emissões das empresas Casa Alta e Ucasul mostram “um historial de cumprimento generalizado dos valores-limite de emissão legalmente impostos para os poluentes emitidos”.

No entanto, a mesma entidade admite que, mesmo assim, “possam ser sentidas incomodidades em termos de emissões gasosas e/ou de odores (para os quais não há legislação nacional aplicável) decorrentes do funcionamento daquelas instalações industriais, em situações atmosféricas desfavoráveis à dispersão dos gases”.

 

 

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Bagaço de azeitona: resíduo ou subproduto?

 

O projeto das Unidades de Recir-culação de Subprodutos de Alqueva (URSA) desenvolvido desde 2014 pela Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA) apresenta-se como uma solução ambientalmente sustentável e de acordo com as orientações da economia circular.

A primeira unidade URSA foi criada a título experimental, em 2019, no Polo de Inovação do Baixo Alentejo, em Serpa, tendo começado a desenvolver experiências de compostagem com materiais agrícolas produzidos no empreendimento de Alqueva, com vista ao aumento da matéria orgânica do solo através da agricultura circular.

Segundo a EDIA, se as previstas 12 unidades de compostagem (e mais oito unidades particulares em funcionamento) pudessem utilizar de forma simplificada o bagaço de azeitona como matéria-prima, cerca de metade do milhão de toneladas deste produto deixaria de circular pelas estradas e também deixaria de ser um problema para a atmosfera e para a qualidade de vida das populações, com ganhos evidentes do ponto de vista ecológico, mas também económico, uma vez que, depois de transformado em composto orgânico, este fertilizante poderia substituir os adubos químicos industriais agora utilizados na agricultura, reduzindo as necessidades de importação destes produtos, que muitas vezes são rapidamente diluídos e vão parar aos rios e albufeiras.

Apesar de a lei o permitir, o processo burocrático para a utilização do bagaço de azeitona em compostagem é denso e complexo, exigindo guias eletrónicas e registo informáticos, já que o bagaço de azeitona é considerado um resíduo para compostagem enquanto para as extratoras é considerado um subproduto e não precisa de toda a carga burocrática como resíduo.

“Se for para queimar nas extratoras é tudo facilitado e está classificado como subproduto, mas para a reciclagem, em que de facto é um subproduto e se produz um fertilizante orgânico, é classificado como resíduo”, diz David Catita, responsável pelo departamento de Ambiente e Ordenamento do Território da EDIA.

Para isso têm sido desenvolvidos alguns contactos com as entidades oficiais (Ministério do Ambiente e Agência Portuguesa do Ambiente (APA)) de forma a que a legislação seja alterada. Num documento produzido pela APA em 2023, “Regras gerais – compostagem de resíduos agrícolas, pecuários e agroindustriais em pilhas dinâmicas com revolvimento”, estão isentas de licenciamento as unidades de compostagem que valorizem uma quantidade máxima de 27 375 toneladas/ /ano e nas quais consta uma lista de oito tipologias de materiais orgânicos a valorizar, entre os quais o bagaço de azeitona e massas vínicas, ainda com classificação de resíduos, apesar de ser um processo de valorização defendido consensualmente onde estes materiais são a matéria-prima e não se eliminam e, como tal, deveriam ser subprodutos.

Assim, soam vozes no mundo rural a dizer que “a classificação do bagaço de azeitona deverá ser urgentemente alterada para subproduto, quando se destinar à compostagem, já que nesta atividade funciona como matéria-prima e dela resulta um produto de elevada mais-valia ambiental e agronómica, que tem como objetivo a resolução de um grave problema de falta de matéria orgânica no solo, que afeta muitas áreas agrícolas, e, consequentemente, o seu desempenho agroambiental e o uso eficiente da água de rega”.

Ainda sobre o óleo de bagaço de azeitona, produzido nas extratoras, a British Food Standards Agency emitiu avisos sobre possíveis propriedades cancerígenas, assim como o governo espanhol informou que este material apresenta elevados níveis de contaminantes hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAP), com elevado potencial cancerígeno.

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