Diário do Alentejo

Autarcas de Mértola e Serpa contra instalação de campo de tiro

01 de março 2025 - 08:00
“Vazio de informação” por parte do Governo criticado por Mário Tomé

No seguimento de notícias vindas a lume que apontavam uma zona entre Serpa e Mértola como o local a instalar um novo campo de tiro para substituir o que está em funcionamento em Alcochete, a Câmara Municipal de Mértola, a par da autarquia de Serpa e da Associação de Defesa do Património de Mértola, em comunicado, revela que o Ministério da Defesa garantiu que “não existe, até ao momento, qualquer decisão tomada relativamente à localização de um futuro campo de tiro”. No entanto, a autarquia avança que, caso se confirme a notícia, esta opção “implicaria impactos diretos e indiretos irreversíveis no desenvolvimento ambiental, ecológico, cultural e social da região”, e manifesta-se, firmemente, “contra”.

 

Texto Aníbal Fernandes*Foto Ricardo Zambujo

 

Não é de hoje que se fala, na imprensa, na possibilidade de o campo de tiro de Alcochete ser transferido para uma zona entre Serpa e Mértola. Também não é de agora que a Câmara Municipal de Mértola está atenta a esta questão e, como tal, tem pedido esclarecimentos a várias entidades.

Os últimos contactos, lê-se no documento agora divulgado, reportam a “junho de 2024, ao Ministro das Infraestruturas e Habitação, Dr. Miguel Pinto Luz, e ao Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, General Piloto Aviador João Cartaxo Alves”; a 13 de novembro, “ao Ministro da Defesa Nacional, Dr. Nuno Melo”; contacto que se repetiu no passado dia 13.

Mário Tomé, presidente da Câmara de Mértola, contactado pelo “Diário do Alentejo”, remeteu-nos para o comunicado, mas fez questão de “lamentar o vazio e o défice de informação com que os ministérios e o Governo” tratam a autarquia. “Informam que ainda não há uma decisão, mas estão, ou não, a estudar esta localização?”, questiona o autarca.

Quer a Câmara Municipal de Mértola quer a Câmara Municipal de Serpa não foram, até ao momento, “envolvida[s] em qualquer discussão ou tomada de decisão sobre esta matéria e que desconhece[m] os detalhes desta eventual mudança”, lê-se no comunicado.

Entretanto, na passada terça-feira, dia 25, em sede da comissão parlamentar da Defesa, o ministro da tutela disse que o Governo ainda não tem uma decisão tomada sobre a relocalização do campo de tiro de Alcochete, mas garantiu que as autarquias serão ouvidas nesse processo. Sobre a matéria, Nuno Melo, referiu: “Não temos Mértola como localização, nem Bragança, nem Famalicão, nem nenhum outro ponto do país, não há nenhuma decisão tomada”. De acordo com o ministro da Defesa Nacional, o Governo vai solicitar “os estudos necessários que do ponto de vista técnico, científico e militar” permitam escolher uma localização, algo que não será feito sem envolver os autarcas.

O Governo vai solicitar “os estudos necessários que do ponto de vista técnico, científico e militar” permitam escolher uma localização, algo que não será feito sem envolver os autarcas, refere o ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo.

 

“Informam que ainda não há uma decisão, mas estão, ou não, a estudar esta localização?”

Mário ToméPresidente da Câmara Municipal de Mértola

 

“[É um dos] mais importantes ecossistemas de biodiversidade da Península Ibérica”

João Efigénio PalmaPresidente da Câmara Municipal de Serpa

 

Os impactos

 

“A transferência das instalações militares em questão implicaria impactos diretos e indiretos irreversíveis no desenvolvimento ambiental, ecológico, cultural e social da região”, argumentam os autarcas e, acrescentam, “deverá causar efeitos profundos em estruturas ambientais de elevado valor e classificação no âmbito da Rede Natura 2000: sítio Guadiana ZPE Vale do Guadiana, ZPE Castro Verde, Parque Natural do Vale do Guadiana e, ainda, área da Reserva da Biosfera de Castro Verde”.

Também João Efigénio Palma, presidente da Câmara Municipal de Serpa, estranha a possibilidade da escolha, uma vez que este território é um dos “mais importantes ecossistemas de biodiversidade da Península Ibérica”, lembrando que está em andamento a criação do Geoparque Transfronteiriço do Vale do Guadiana e Província de Huelva, que já tem financiamento aprovado no âmbito do Programa de Cooperação de Cooperação Transfronteiriça Espanha – Portugal (Poctep) e a perspetiva de criação de um agrupamento europeu de cooperação territorial, com a participação dos municípios portugueses de Mértola, Serpa, Moura e Barrancos.

A propósito, o comunicado refere o “forte papel [da região] na preservação de espécies ameaçadas, como o lince-ibérico, e espécies de avifauna como o abutre-preto, a cegonha-preta, abetarda, peneireiro-das-torres ou a águia imperial ibérica, entre outras”, alertando para que “a instalação de uma base militar poderá resultar na poluição dos solos, devido ao uso de combustíveis e materiais contaminantes – como o chumbo, o cobre e o zinco – associados às atividades militares, como os resíduos de munições e o desmonte de equipamentos, o que comprometeria a qualidade do solo e a saúde dos ecossistemas circundantes. A poluição das águas também é uma preocupação grave, uma vez que o escoamento de substâncias tóxicas ou de resíduos para os cursos de água poderia afetar os sistemas hídricos locais”, conclui.

A poluição sonora e luminosa, que “afetaria negativamente a certificação Dark Sky Alqueva, primeiro destino starlight do mundo, é outro dos pontos negativos apontados, a que se acrescenta a interferência “nas rotinas de nidificação, alimentação e migração de aves e outras espécies, causando stresse e deslocamento das populações para áreas menos adequadas à sua sobrevivência, assim como distúrbios à produção pecuária com prejuízos previsíveis na sua produtividade”.

O documento divulgado pela Câmara Municipal de Mértola, em concertação com a autarquia de Serpa e a Associação de Defesa do Património de Mértola, reafirma que, caso “esta infraestrutura mantenha o uso que atualmente tem em Alcochete, somos frontalmente contra essa possibilidade”.

*com “Lusa”

Comentários