José António Falcão, 63 anos, natural de Lisboa
Especialista em arte e arquitetura, consagra grande parte da sua atividade ao estudo do Alentejo. Integra, como investigador, o Centro de Estudos Globais da Universidade Aberta (Lisboa). Dirigiu, entre 1984 e 2016, o Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja. Exerceu funções nos museus de Évora, na Fundação Calouste Gulbenkian e na Academia das Ciências de Lisboa. Tem lecionado em universidades de Portugal, Espanha, Brasil e EUA. É diretor-geral do Festival Terras Sem Sombra.
Pela sua obra Parecer e Ser – Excursus Vital de D. António Paes Godinho, Bispo de Nanquim, José António Falcão recebeu o Prémio Fundação Gulbenkian que assinala, em 2024, o mais importante livro consagrado à história da presença de Portugal no mundo.
Como nos apresenta esta sua obra de investigação?
É uma aproximação à biografia de um vulto importante no xadrez político, religioso e social do tempo de D. João V. Alguém um pouco desconcertante face aos parâmetros então vigentes, o que se explica pela adesão ao ideário radical da Jacobeia. D. António Paes Godinho nasceu no Alentejo profundo, fez aqui a sua carreira e triunfou em Lisboa, na atmosfera rarefeita da corte. Voltou em seguida à nossa região, desprezando cargos e honrarias. Um exemplo de fidelidade às origens.
Qual o principal papel exercido por D. António Paes Godinho (1668/1752) durante os quatro anos que foi bispo da diocese de Nanquim (leste litoral da China), entre 1716 e 1720?
Ao longo desta etapa, preparou-se intensamente para a longínqua cátedra episcopal, o que obrigava à aprendizagem de línguas, em particular, a usada na corte imperial e a falada pelo povo; traçou uma estratégia pastoral, que tinha muita diplomacia de permeio; reuniu colaboradores e coordenou o transporte de imensa bagagem, incluindo livros e equipamentos científicos. Com o agudizar da Querela dos Ritos, devido à dificuldade do Papado em validar as especificidades de adaptação da fé cristã à cultura chinesa, houve retaliações do imperador Kangxi, que se recusou a permitir mais bispos no seu território. Portugal enfrentou as consequências de uma crise que lhe era alheia.
Indicia a nomeação deste cargo a influência relevante de D. António Paes Godinho na corte portuguesa do tempo de D. João V?
Paes Godinho fez parte do núcleo duro da governação, em anos marcantes do longo reinado de D. João V. Este dedicava-lhe muita estima, decerto porque não era dado a lisonjas, mas teve dificuldade em fazê-lo aceitar o uso de armas heráldicas. Tornou-se forçoso mandar-lhe entregar um sinete por um criado da Casa Real para que o bispo cedesse. O rei não gostava de ser contrariado e era lesto a punir quem faltasse às suas ordens; houve uma condescendência relativamente a D. António, graças à aura de santidade que o rodeava.
Considera que a memória de D. António Paes Godinho, natural de Santa Luzia (Ourique), licenciado e mestre pela Universidade de Évora, cura em Alvito e vigário do mosteiro de Jesus, em Viana do Alentejo, tem sido convenientemente preservada e valorizada na região?
Desapareceu o seu rasto em Santa Luzia, que, no período em que aí nasceu, era uma freguesia rural do concelho de Garvão. Em Viana do Alentejo, onde faleceu, consideraram-no a principal personalidade da vila e tornou-se objeto de veneração, sendo-lhe atribuídos vários “milagres”. No entanto, apesar do seu belo túmulo na igreja Matriz, acabou também quase esquecido. Onde essa memória se manteve viva acabou por ser em Santiago do Cacém.
José Serrano