Diário do Alentejo

Encerramentos temporários do SUB de Castro Verde são “inaceitáveis”

15 de novembro 2024 - 08:00
Presidentes das câmaras de Aljustrel, Almodôvar, Castro Verde, Mértola e Ourique reuniram-se com conselho de administração da Ulsba
Foto | D.R.Foto | D.R.

Nos últimos dias, o Serviço de Urgência Básica (SUB) de Castro Verde tem encerrado temporariamente devido à “ausência de médicos” para completar as escalas, estando previsto para este mês o seu fecho, pelo menos, mais seis vezes, e um cenário semelhante para dezembro. Sem compreenderem a situação, a população e os autarcas dos concelhos do “Campo Branco” mostram-se preocupados por a “única solução” ser o hospital de Beja, a dezenas de quilómetros.

 

Texto Ana Filipa Sousa de SousaFoto Ricardo Zambujo

 

António Marciano, antigo mineiro, subiu as escadas em direção ao Serviço de Urgência Básica (SUB) de Castro Verde. Não tardou. Ao chegar junto das portas de vidro deparou-se com o papel informativo que dava conta de que este estava encerrado entre as 08:00 e as 20:00 horas desse dia, algo que, ao que tudo indica, voltará a acontecer, “pelo menos, seis dias durante o mês de novembro” e no “mês de dezembro não deverá ser muito diferente”.

“É a primeira vez que venho aqui e que isto está encerrado. As pessoas vêm aqui e depois voltam para trás, porque urgências nada. Isto é complicado”, desabafa ao “Diário do Alentejo” (“DA”).

Sem concretizar o motivo da sua vinda, diz, preocupado, que “não haverá outra solução” a não ser “ir para Beja”, ou seja, percorrer, no seu caso, cerca de 60 quilómetros, desde a freguesia de Santa Bárbara de Padrões até ao Hospital José Joaquim Fernandes, na capital de distrito.

“Isto não está bem. Tem que haver outra solução aqui. Isto não é nada. O que é que acontece às pessoas que estão doentes? Quem não tem outra solução? Quem não tem transporte para ir até Beja? Tem de morrer? Isto assim não vai a lado nenhum”, sublinha.

Poucos minutos depois também Célia Cunha, residente em Castro Verde “há quase 30 anos”, vê com estranheza e apreensão o encerramento temporário do SUB. Não se lembra, desde que vive na vila, de uma situação semelhante a esta e, por isso, diz não compreender o que está a acontecer.

“Aqui nos arredores é a única coisa que a gente tem, portanto, acho que devia estar aberto. [A solução] é Beja, mas ainda fica a um tempinho, e se for um caso de urgência? Nós estamos habituados a isto e tem sido sempre bom, não percebo agora o porquê de estar fechado. Faltam médicos, mas isto é em todo o lado. O que é que a gente faz? É a miséria que temos”, critica.

A situação do SUB de Castro Verde, que serve, além deste, os concelhos de Almodôvar, Aljustrel, Mértola e Ourique, assim como “o interior do sul de Santiago do Cacém”, “o norte de Loulé” e “o interior de Odemira”, tem vindo a “agravar-se muito” nos “últimos oito meses” e a deixar de ser cada vez menos “pontual”.

“Na verdade, havia situações muito pontuais em que o SUB fechava durante um determinado período, normalmente 12 horas, mas nos últimos oito meses a situação alterou-se completamente. A frequência desse encerramento tem tido bastante significado e agora temos a informação de que o presente mês será uma completa desgraça e que no mês de dezembro o quadro não será muito diferente”, esclarece ao “DA” o presidente da Câmara Municipal de Castro Verde, António José Brito.

Segundo lhe foi notificado, o serviço “deverá encerrar, sucessivamente, por períodos de 12 horas, pelo menos seis dias durante o mês de novembro”, estando também previsto para hoje, sexta-feira, dia 15, o seu fecho “durante 24 horas”.

“Este serviço de urgências que dá resposta não só a Castro Verde, mas também aos concelhos aqui à volta, [ao encerrar] cria um problema gravíssimo para toda a população e, portanto, isto preocupa-nos muito. O fecho com maior frequência do serviço é, de facto, uma coisa que consideramos inaceitável”, continua.

Com o mesmo olhar atento está o presidente da Junta de Freguesia de Castro Verde e Casével, António José Paulino, que, assim como António José Brito, não percebe esta mudança de paradigma dos últimos meses.

“É evidente que vejo com grande preocupação este encerramento do SUB de Castro Verde, até porque é uma situação nunca vista desde que foi inaugurado em 2009, portanto, há 15 anos. O SUB é a única resposta em termos de emergência médica nestes cinco concelhos, desde que os SAP [serviços de atendimento permanente] foram encerrados e isso é extraordinariamente importante para estas zonas em que existe um elevado grau de envelhecimento. É uma situação muito, muito preocupante e está a causar grandes transtornos, [uma vez que] nós sabemos que o Serviço Nacional de Saúde está com uma grande sobrecarga [e], inclusive, a própria emergência médica está a funcional mal”, adianta. Acrescentando: “Este é um problema gravíssimo, porque não temos outra resposta. Aqui não se trata de escolher entre o privado ou o público, pois não há público nem privado”.

 

A falta de soluções

 

Quase ao meio dia é a vez de Diogo Tomé perceber também que não será atendido no SUB local. Sem outra alternativa a não ser Beja, limita-se a descer as escadas em direção ao carro. Questionado pelo “DA”, diz estar incrédulo com este cenário.

“Está tudo igual para todos os lados, [mas] nenhuma urgência devia fechar, especialmente esta. O nosso governo e a ministra da Saúde deviam olhar um bocadinho mais para as coisas e, principalmente, para Castro Verde, porque esta urgência básica é a única aqui para nós e para os concelhos vizinhos”, assegura. E completa: “Se não houver urgência aberta aqui o mais perto é Beja e quando lá também estiver fechada? É outro problema. Um gajo fazer 100 quilómetros para ir a uma urgência ou fazer 20 faz uma diferença muito grande. As urgências e os médicos fazem falta, porque quando não há prejudica”.A “situação ímpar”, segundo explica António José Brito, deve-se “às ausências de médicos, por várias razões, o que limita a elaboração das respetivas escalas”, porém, o edil olha com algum incómodo para esta justificação.

“O que acho estranho, verdadeiramente, é como é que até um determinado momento nós tivemos a possibilidade de ter uma resposta regular e boa, sem dificuldades a este nível, e a partir de outro momento a situação alterou-se de forma drástica. Nós, em oito meses, estamos confrontados com uma situação que não tivemos em oito anos e o pior são estes dois meses em que de facto é inarrável”, assegura.

Perante esta informação, o município de Castro Verde, “apesar de não ter qualquer responsabilidade nesta área”, estabeleceu “diferentes contactos e desenvolveu esforços junto da administração da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (Ulsba), da direção do centro de saúde e, inclusivamente, de alguns médicos”, com o intuito de “tentar minimizar ao máximo este grave problema”. Desta forma, foi manifestada a disponibilidade de continuar com o programa de fixação de médicos com incentivos financeiros, a cedência gratuita de instalações para médicos tarefeiros e, “sendo necessário”, o transporte para deslocações.

“Portanto, a nossa disponibilidade é total. Agora precisamos aqui de aprofundar uma maior articulação, precisamos de ter recursos humanos para ter respostas”, defende.

O autarca vai mais longe e recorda o programa serviço médico à periferia, que esteve em funcionamento entre 1975 e 1982, em que médicos dos grandes centros urbanos tinham uma “discriminação positiva” para se fixarem nas regiões do interior de Portugal e dotarem-no de melhores condições clínicas.

“[Era importante] a criação de uma espécie de via verde para o interior que seja capaz de trazer médicos a residir em condições especiais de fixação. Isso aconteceu há dezenas de anos, há uma geração de médicos aqui em Castro Verde, e em outros sítios, que agora estão a reformar-se, que vieram para cá por via desse mecanismo. Infelizmente, isso não durou muito tempo, mas era preciso retomar essa ideia do serviço médico à periferia, [porque] é fundamental para, de facto, atenuar esta situação muito grave que vivemos aqui no Baixo Alentejo e em todo o interior do País”, garante.

Da mesma opinião partilha António José Paulino, que acredita ainda que a solução passará por um trabalho “em conjunto” entre presidentes de junta e de câmara, deputados, Ministério da Saúde e Governo.

“Temos de fazer ver que esta situação preocupa-nos muito, porque irá certamente sobrecarregar ainda mais o hospital de Beja que já tem dificuldades conhecidas. Portanto, esperamos que a situação ainda se consiga inverter e que consigamos minimizar estes problemas, [talvez] pagando melhor ou atraindo médicos de outros concelhos. Vamos ver, estamos a ver isto com alguma expectativa”, salvaguarda.

 

Autarcas reúnem-se de urgência com a Ulsba

 

A pedido dos presidentes das câmaras de Aljustrel, Almodôvar, Castro Verde, Mértola e Ourique, o presidente do conselho de administração da Ulsba, José Carlos Queimado, aceitou reunir-se, com carácter urgente, com os autarcas para se “avaliar a situação” e definir-se, “em conjunto, uma estratégia para superar este problema tão complexo que muito afeta as populações desta região”. Na reunião, que decorreu na terça-feira, dia 12, “os autarcas voltaram a manifestar total disponibilidade para colaborar em soluções, mas, ao mesmo tempo, exigiram respostas concretas que evitem este sério problema no SUB de Castro Verde”.

Segundo nota de impressa conjunta divulgada pelas câmaras da área do “Campo Branco”, foram ainda reclamadas “soluções objetivas” ao nível “das insuficiências existentes nos centros de saúde de Aljustrel e Mértola”.

Do encontro resultou ainda, face à inexistência de respostas por parte da Ulsba, de um pedido de reunião “com carácter de urgência” à ministra da Saúde, Ana Paula Martins, para que sejam definidas, “rapidamente, soluções que salvaguardem e defendam as populações destes concelhos”.

Contactado pelo “DA”, José Carlos Queimado adiantou que a unidade de saúde está a “tentar resolver os problemas” e que, até lá, não fará “qualquer declaração sobre o assunto”.

 

Município e comunidade reúnem-se “em defesa dos serviços de saúde”

 

A Câmara Municipal de Castro Verde reúne-se hoje, sexta-feira, às 17:00 horas, com dirigentes de entidades públicas, sociais, culturais e recreativas do concelho, eleitos municipais e população em geral “para analisar a atual situação no Serviço de Urgência Básica (SUB) de Castro Verde”. A sessão de trabalho, provocada pela “inexistência de respostas para o atual problema do SUB”, decorrerá no fórum municipal.

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