Diário do Alentejo

Trabalhadores rurais e agricultores

18 de outubro 2024 - 08:00
50 anos de Abril

Estamos em meados de outubro. Na edição de dia 12 é dada notícia de um comunicado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Distrito de Beja e faz-se o historial das negociações mantidas com a Associação Livre de Agricultores (ALA), que decorreram nos últimos meses.

Em junho tinha sido aprovada uma convenção de trabalho – pelo prazo de 90 dias –, em que ficou estipulada a jorna de tratoristas (190$00, equivalente a 95 cêntimos de euro), restante pessoal (160$00) e mulheres (120$00). A semana de trabalho fixou-se nas 44 horas e acordou-se na “garantia de trabalho para todos os homens e mulheres cabeça de casal (viúvas, divorciadas, etc.) e de trabalho a 50 por cento pra as restantes mulheres”.

Com o aproximar do termo do contrato, os trabalhadores reuniram-se e aprovaram novo caderno reivindicativo, para um ano, em que propunham um aumento de 10$00 para cada escalão e “férias e subsídio por doença”, tal como já era auferido por trabalhadores de outros setores.

Na primeira reunião, a 26 de setembro, os agricultores “contrapuseram as condições do acordo estabelecido por via administrativa para o distrito de Évora”. Houve acordo quanto ao âmbito e vigência da convenção, mas não quanto à garantia do trabalho.

Já na segunda reunião, a 30 de setembro, os patrões propuseram-se baixar os salários para tratoristas (160$0), indiferenciados (127$00) e mulheres (80$00, que passaria a 100$00 no período de ceifa). As negociações entraram num impasse.

No comunicado citado pelo “Diário do Alentejo”, os trabalhadores diziam não desconhecer “a grave crise económica” com que o País se debatia. “Crise em que, diga-se em abono da verdade, os trabalhadores não têm nenhumas responsabilidades, dado que estas pertencem exclusivamente à política fascista e de guerra colonial com que os grandes capitalistas e agrários sempre fizeram valer os seus interesses exploradores”.

“Compreendemos, porém, a complexidade da situação”, pondo “acima de tudo a consolidação da democracia”. Assim, os trabalhadores seriam levados “a aceitar certos sacrifícios”, mas “é evidente que também a parte patronal tem de se sacrificar” e “aceitar modificações substanciais no esquema de salários de miséria (…) a que está habituada”, refere o sindicato.

Mais à frente, os rurais dizem que os empresários se queixam que “as suas explorações não absorvem a mão de obra existente, e que não há outras actividades produtivas para a absorver. Não nos interessa para o caso, mas seria fácil demonstrar, a responsabilidade desses mesmos empresários agrícolas no boicote, durante meio século, à instalação de indústrias no Alentejo, de modo a não comprometer os níveis de miséria dos salários e a sujeição dos trabalhadores na agricultura”.

Só voltaríamos a ter notícia da ALA na edição de quinta-feira, 17 de outubro, a propósito do anúncio de medidas por parte da Secretaria de Estado da Agricultura que respeitavam ao “combate às terras incultas mal exploradas, ou que, de qualquer modo, não cumpram a sua função social”.

Diziam os proprietários que entendem que o Governo pretendesse “promover o aumento da produção agrícola nacional e concomitantemente a criação de novos postos de trabalho, aspectos tão necessários um e outro ao progresso da economia e do bem-estar social de que o país tanto carece”.

Os agricultores recordam que “no seu ‘Esboço de Programa para uma Reestruturação Agrícola’, datado de 21 de maio do ano corrente e de que se deu oportuno conhecimento ao secretário de Estado da Agricultura, inclui a A.L.A., nos ‘Problemas de l.ª Linha’ e com o título ‘Função Social da Terra’ uma alínea que preconiza ‘Impedir que haja terras mal exploradas’ e bem assim uma outra que propõe a ‘Revisão de estruturas fundiárias com vista à criação de unidades de produção’”.

E, conclui a ALA, “ao verificar a identidade de objectivos do seu programa com a orientação agora definida pelo Governo, não pode deixar de manifestar publicamente a sua inteira concordância ao afirmar o seu melhor apoio à anunciada política de dinamização da agricultura com recurso ao cabal e rigoroso exercício da função social da terra, na certeza de que este e outros meios adequados contribuirão para o necessário ressurgimento social e económico do setor agrícola”.

Reza a história que não foi bem isso que aconteceu. Ainda viria o tempo da Reforma Agrária.

Aníbal Fernandes

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