Diário do Alentejo

Mariana Alcoforado

29 de março 2024 - 12:00
50 anos de Abril

Texto | Aníbal Fernandes

 

Na capa da edição de 26 de março de 1974 a manchete foi dedicada à apresentação da peça “Les Lettres de la Religieuse Portuguaise”, em Beja, com base no texto de Claude Barbin (1669), interpretação da artista de grande renome Micheline Uzan e encenação de seu marido, José Valverde, numa iniciativa do Grémio Literário de Lisboa.

Numa entrevista concedida ao “Diário do Alentejo”, Sales Lane, presidente da instituição, defendia que trazer o espetáculo a Beja procurava “servir a capital sul-alentejana e decorrentemente o espaço geográfico-cultural português, com uma vida e uma obra até hoje alienadas em benefício do estrangeiro quando, afinal, são propriedade cultural e possível rendimento turístico nosso”. Algo que aos olhos de hoje faz sentido e é, direi mais, consensual.

No entanto, há meio século a iniciativa gerou alguma polémica e até resistência por parte de algumas autoridades locais. Na edição da véspera, na coluna “Nota do Dia”, o articulista criticava aqueles que “em consequência de preconceitos ridículos e de há muito ultrapassados, espíritos de mentalidade deformada têm tentado, aliás, em vão, arremessar para o esquecimento” a obra da religiosa bejense.

Em causa estava “a proibição, imposta pelo Governo Civil de Beja, de a representação que o Grémio Literário de Lisboa levará a efeito no próximo dia 30 se realizar na capela-mor do antigo convento da Conceição, hoje museu regional. A capela, retirada do culto há cerca de 80 anos, é hoje um lugar de exposição pública”.

E argumentava: “Mariana Alcoforado – hoje facto incontroverso –foi uma freira que muito amou e por isso muito sofreu. A sua história amorosa seria uma história vulgar, semelhante à de tantas outras religiosas da sua condição e do seu tempo, se não tem inspirado cinco cartas que, pela sua intensidade dramática, pela sua bela forma, vieram a ser econhecidas como peças literárias de excepcional valor”.

“Mariana Alcoforado pecou como freira? Mas pecou por muito amar e nem o seu pecado, se o situarmos no seu tempo, teve qualquer coisa de invulgar, antes deverá ser considerado como um dos frequentes casos de então. E não eram só as enclausuradas e infelizes freiras que pecavam dessa maneira”(...). “Homenagear o talento literário de Mariana Alcoforado não é, portanto, ofender o prestígio da Igreja, que deverá ser defendido e assegurado por processos válidos, de verdade convincente e não por manifestações histéricas de fúteis pruridos”(...).

“Quando, há anos, as autoridades locais se decidiram prestar homenagem a José Agostinho de Macedo, consideraram certamente apenas o renome que conquistou como polemista, esquecendo a vida imoral e tenebrosa desse turbulento frade bejense. E nem voz alguma da Igreja ou de quem dela está fora se ouviu a incriminar essa iniciativa”.

Ainda na edição de dia 26 se dava conta, na muito lida secção “Zunzuns das Portas de Mértola”, de que “uma equipa da Radiotelevisão Portuguesa [prosseguia] as filmagens de um documentário sobre Mariana Alcoforado, no convento da Conceição”.

Um dia depois, na quarta-feira, o jornal voltava ao assunto, anunciando a realização do espectáculo para sábado e recordando “um serão artístico de evocação e homenagem à famosa freira bejense, realizado há cerca de 37 anos, também no claustro do antigo convento da Conceição e em cujo programa tiveram papel relevante dois notáveis escritores católicos nascidos em Beja, o romancista Manuel Ribeiro e o poeta Mário Beirão”.

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Entretanto, na última página, anunciava-se o início das obras de construção da barragem de Alqueva para setembro desse mesmo ano.

 

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