Diário do Alentejo

De Espanha vem bom vento

23 de fevereiro 2024 - 16:00
50 anos de Abril

Texto | Aníbal Fernandes

 

Ao contrário do ditado, de Espanha vinham bons ventos. Na edição de 15 de fevereiro de 1974 noticiava-se que o presidente do governo espanhol, Carlos Arias Navarro, tinha anunciado uma “abertura política dentro do Movimento”, o que era interpretado como “uma tentativa indispensável à continuidade do regime que no país vizinho vigora desde o triunfo da revolução, chefiada por Franco, em 1936”.

No entanto, assinalava-se que tal não significava “qualquer acentuada modificação de ideologia ou de processos, visto que se mantém o ‘partido único’, com todas as suas influentes implicações”, e que a evolução então anunciada assentava, “fundamentalmente, numa lei que permitirá a eleição dos presidentes das câmaras municipais, até agora de nomeação governamental”, o que permitiria “uma certa participação da população do país na vida política”.

O “Diário do Alentejo” não entrava em festejos e assinalava que era preciso mais do que isso para que Espanha pudesse ser vista “como um país virado para a democracia. Longe disso”, escrevia-se.

Aproveitava-se era a ocasião para lembrar que “a designação dos presidentes das câmaras municipais em assembleias eleitorais”, também em Portugal, tem sido defendida “nestas colunas, por se nos afigurar o que tem uma expressão mais verdadeira, o que melhor dignifica o cargo e proporciona ao seu exercício uma independência de acção que consideramos inalienável”.

Por cá, o assunto de que se falava passava – ou ia passar – na RTP. Com o título na capa: “Beja (?) na televisão – realidade escamoteada”, dava-se conta, nas páginas centrais do jornal, de uma reportagem assinada por José Moedas e Sousa Tavares, em que se questionava o que “dois milhões de telespectadores [iriam] ver e ouvir de (sobre) Beja, e seu termo, amanhã à noite, ao bater das dez, quando a voz de Henrique Mendes, de parceria com Glória de Matos, surgir nos écrans da televisão para anunciar e apresentar o [programa] ‘25 milhões de portugueses’”?

No interior os repórteres avisavam: “Leitor: não viva a esperança de ver amanhã à noite entrar em sua casa, via R.T.P., o verdadeiro, o autêntico Alentejo, porque o Alentejo não esteve ‘lá’, aliás, não quiseram que ele estivesse, com objectivos perfeitamente inequívocos. Beja e o seu distrito nada têm que ver com o programa do sr. Mário Dias Ramos – e o grupo de Serpa e a Filarmónica de Moura, presenças agradáveis, não passaram de acidentes-coincidentes num espectáculo que apenas serviu para provar uma vez mais ‘o que faz correr a televisão’”.

E continuavam: “Chegou o momento de falarmos mais claro, de dizer à RTP [que] é muito grave e perigoso brincar com o povo, a TV tem uma responsabilidade enorme como meio de comunicação de massas e nada a autoriza, só porque ao serviço de interesses que não são os do povo autêntico, a iludir a boa-fé de alguns (acreditemos nela) para aproveitar a falta de consciencialização de muitos e vir apregoar, com todas as tubas da sua força sedutora e alienante, que peregrina pelo País para divulgar as situações autênticas que nesse contexto se integram”.

Os jornalistas teriam gostado que no programa em causa se tivesse falado de questões ainda hoje atuais: “O problema do êxodo rural? O plano de rega? A situação agrária? O panorama cultural? E os eteceteras que todos nós conhecemos e urgente era analisá-los em profundidade”? Mas disso nada constou.Na edição de 18 de fevereiro, em caixa, na primeira página, dava-se conta que, nos primeiros nove meses de 1973, se tinham vendido, “no Continente e ilhas, 52 826 carros ligeiros de passageiros ou mistos”, sendo que quatro em cada cinco tinham acima de mil de cilindrada.

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