Diário do Alentejo

“No Alentejo tudo é mais intenso”

06 de agosto 2023 - 13:00
Foto | DRFoto | DR

Carlos Modesto tem 47 anos.  É professor de História e Geografia, filho de pai alentejano e mãe francesa, nascido em França, onde cresceu e ainda vive. Como tradição, as férias de verão sempre foram passadas em Odemira, vila que o pai deixou na década de 60, para matar saudades das planícies douradas. Com o tempo, entre as idas e vindas, testemunhou na primeira pessoa as transformações do “seu” Alentejo.

 

Em janeiro deste ano publicou o seu mais recente romance, Terre Sans Ombre, onde homenageia o Alentejo e as suas gerações anteriores, tendo como pano de fundo as paisagens características alentejanas e as suas transformações ao longo dos anos, bem como as histórias das suas gentes.

 

Texto Ana Filipa Sousa de Sousa

 

Como resume este seu romance?

É um romance sobre o Alentejo, as suas paisagens e o seu povo. Então, temos um homem nascido em França e filho de pai português que sente de maneira irreprimível a chamada da terra do pai. Munido das suas poupanças vai para o Alentejo com vontade de explorar. Instala-se num monte e encontra Augusto, um dos trabalhadores da terra que moldou as paisagens do Alentejo em condições difíceis. É um romance sobre a identidade, a transmissão de um património imaterial e o que nos compõe.

 

Esta é uma obra que tem o Alentejo como personagem principal, assim como todas as suas mudanças paisagísticas nos últimos tempos. Que ligação existe entre esta descrição e o seu título?

O que me veio primeiro foi o título, proveniente das letras do cante “Alentejo não tem sombra”. O Alentejo é uma terra de luz, muito pura, intensa e ofuscante mesmo no coração do inverno. No Alentejo tudo é mais intenso, o oceano é mais azul, as paredes são mais brancas, tudo deslumbra, nada parece ter fim. O título também evoca calor, tão intenso que obriga o homem à imobilidade. No verão, o espaço, o tempo, a natureza e os homens acabam por se fundir numa paisagem sem fim, mas paradoxalmente sempre haverá, para mim, uma sombra nesta paisagem, a do meu pai. Para onde que eu olhe, vejo-o. E esta sombra é a de todos aqueles que moldaram esta paisagem.

 

Em Terre Sans Ombre, o vizinho Augusto, um homem tipicamente alentejano, é apresentado como uma metáfora da passagem do tempo. Que mudança, ao longo dos anos, foi encontrando neste Alentejo?

Sim, tipicamente alentejano! Todos nós conhecemos esses homens no campo ou na horta, elegantemente vestidos com camisa xadrez e chapéu, pescoço curtido pelo sol e braços bronzeados. Não tenho as memórias do meu pai, mas hoje os montes já não dominam as paisagens e também já não se impõe o domínio do rico latifundiário sobre os camponeses pobres que empregava. O turismo deu uma segunda vida aos montes e preservou este património arquitetónico. O Alentejo desenvolveu-se e internacionalizou-se, recebe turistas de todo o mundo e exporta as suas produções. A água da barragem também trouxe novas oportunidades de desenvolvimento.

 

Este romance é uma clara homenagem à região e às suas gentes, porém, podemos afirmar também que se trata, embora com alguma ficção à mistura, das histórias e memórias que foi guardado em si?

É isso mesmo. Percebi rapidamente que escrever sobre o Alentejo era falar do meu pai, não conseguia separar os dois. Então escrevi o que o meu pai contava da sua infância em Odemira. Neste livro coloquei figuras que me marcaram, pessoas que me farão sempre lembrar Portugal e as férias no Alentejo. É aqui que me sinto bem. É a terra a que gostaria de pertencer e devo isso ao meu pai. Este romance é uma forma de lhe agradecer. 

 

Comentários