Diário do Alentejo

Amendoal conquista terreno no Alentejo

26 de março 2023 - 11:00
EDIA lança 7.ª edição do “Anuário Agrícola do Alqueva”
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Tal como já era previsto no “Anuário Agrícola de Alqueva” de 2021, no ano passado a sustentabilidade do setor na área do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva (EMFA) continuou influenciada pelos impactos resultantes da guerra na Ucrânia. A tendência inflacionista verificada em 2021 agravou-se em 2022, com os fatores de produção, nomeadamente, energia e fertilizantes, a subirem cerca de 30 por cento. Os custos aumentaram, mas os preços dos produtos não os acompanharam, tendo-se assistido a “uma grande volatilidade” no mercado, com variações “significativas”, “muitas vezes, valores elevados, porventura, fruto de especulação, caindo logo a seguir”. O olival e o amendoal continuam, sem surpresa, a ser as culturas predominantes.

 

 

Texto Aníbal Fernandes 

 

A área ocupada por olival e amendoal no EMFA representa, neste momento, 70 por cento do total dos “cerca de 130 mil hectares regados” que abrangem 20 concelhos dos distritos de Beja, Évora, Setúbal e Portalegre. Aos 120 mil hectares da primeira fase – com o plano de expansão que está a ser executado – poderão juntar-se mais 35 mil.

 

O “Anuário Agrícola do Alqueva 2022” refere que o empreendimento também é uma referência “pela sua diversidade de culturas”, proporcionada pelas “diferentes condições edafoclimáticas” da região, no entanto, “o desenvolvimento da ocupação cultural ao longo dos anos foi evoluindo para a maior preponderância das culturas permanentes em detrimento das anuais”.

 

AMENDOAL: MAIS 22 POR CENTO

Em 2017 apenas 4235 hectares do EMFA estavam ocupados com a cultura do amendoal. Em 2021 esse valor tinha crescido para 18 261 e, em 2022, atingiu os 22 319 hectares, cinco vezes mais do que há cinco anos e um aumento de 22 por cento nos últimos 12 meses.

 

Esta situação fica a dever-se às “características ótimas” que a “garantia de água” proporciona para a produção de frutos secos. “Investir no amendoal pode ser uma boa oportunidade para os agricultores e investidores da região e uma ótima alternativa cultural, com um bom potencial agronómico e económico”, lê-se no anuário, que aponta como área mínima para obter sucesso empresarial os 30 hectares.

 

Acresce que a maioria das explorações existentes são de produção intensiva e sebe, o que permite utilizar as máquinas de colheita de olival, “uma ótima forma” de os agricultores “diversificarem os seus investimentos e de rentabilizar a maquinaria e mão de obra”.

 

A acompanhar o aumento da produção, em 2017, a Migdalo, uma fábrica de transformação e comercialização de amêndoa, nozes e avelãs, inaugurou uma unidade no concelho de Ferreira do Alentejo. Também em Évora, em Azaruja, está a funcionar uma fábrica de descasque de amêndoa e em 2021 foi inaugurada outra em São Mansos.

 

A multinacional De Prado, tradicionalmente a laborar no setor do azeite, quer crescer na amêndoa e “fez recentemente investimentos na instalação de uma fábrica de descasque e processamento” deste fruto seco, para processar a matéria-prima proveniente dos mais de cinco mil hectares já em produção.

 

Ainda nos frutos secos, assinala-se a existência de pomares de nogueiras em Alqueva e a “intenção de plantação de novas áreas e ampliação das existentes”, o que revela “que a sua adaptação à região é possível e sustentável agronomicamente e economicamente”. No ano de 2021 – últimos dados conhecidos – a produção na zona de Alqueva representava já cerca de metade do total nacional, e que era de 7,5 toneladas.

 

OLIVAL OCUPA METADE

A área ocupada pela cultura do olival é cerca de metade do EMFA (52 por cento), um total de 72 mil hectares. O crescimento observado resulta “do valor do produto no mercado que leva as empresas do setor a serem muito ativas na procura por novas áreas e rapidamente desenvolverem todo o processo para a instalação de novas plantações”, constata o anuário, dizendo que “o potencial de crescimento da cultura se mantém estável e prevê-se que o consumo mundial continue a aumentar na mesma proporção dos anos anteriores”.

 

Nos últimos anos os investimentos nesta cultura têm passado pela “substituição de olivais em copa por olivais em sebe”, menos dependentes da mão de obra e que “permite uma maior mecanização das operações” (ver caixa).

 

CEREAIS EM BAIXA

Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), os cereais ocupavam em 2021 cerca de 208 mil hectares, em todo o País, o que representa um decréscimo de 75 mil hectares na última década.

 

Este decréscimo fez-se sentir, especialmente, na região onde se insere o EFMA. A área semeada de cereais, em todo Alentejo, é cerca de 89 mil hectares, menos 43 mil hectares do que há 10 anos. No Alqueva, os cereais (sem o milho) ocupam cerca três mil hectares, e o milho, 6906 hectares, o que representa um aumento de 11 por cento em relação a 2021.

 

Uma das explicações para esta diminuição pode ter a ver com “as constantes subidas de preços das rações”, que levaram os agricultores a “produzir alimento para os animais, principalmente, pastagens e forragens”, nas áreas utilizadas normalmente para cereais. Outra justificação reside no facto de “as áreas outrora de sequeiro onde eram cultivados cereais” estarem “ocupadas por culturas permanentes”, nomeadamente, olival e amendoal.

 

Apesar de tudo, os cereais de regadio mantêm “alguma importância na região”, com o milho a assumir o protagonismo e a destacar-se como “a cultura anual mais importante”.

 

“Os produtores nacionais de milho assumiram a sua responsabilidade semeando uma área que foi de 111 991 hectares, sendo que 67 317 foram para grão e 44 674 para silagem. Em relação à campanha anterior, a nível nacional, registou-se uma redução da área de milho de silagem (menos 1761 hectares) e um ligeiro aumento do milho de grão (44 hectares)”, descreve o anuário. Na região de Alqueva, verificou-se um aumento de quatro por cento, confirmando “um acréscimo que se tem verificado nos últimos anos”.

 

No entanto, as elevadas temperaturas que se fizeram sentir durante toda a campanha, particularmente, no mês de julho, tiveram um impacto negativo, sobretudo, na altura da polinização, penalizando fortemente a produtividade de algumas searas, que sofreram perdas na ordem dos 20 a 30 por cento.

 

VINHA

A área de vinha, tal como o olival, aumentou exponencialmente nos primeiros anos de funcionamento do EFMA. A sua presença era tradicional e com o acesso aos perímetros de rega de Alqueva, os agricultores limitaram-se a ligar os seus sistemas à rede da EDIA. No entanto, “também se verificou um aumento de novas plantações de vinha, beneficiando da existência do programa VITIS”. De cerca de quatro mil hectares registados em 2017 passou-se para 5874 em 2022.

 

No segmento da uva de mesa, existem duas explorações “com peso no mercado nacional e no mercado de exportação”, nomeadamente, o Vale da Rosa, em Ferreira do Alentejo, e a Les Vergers du Soleil, em Serpa. “A vinha, para uva de mesa, é uma cultura com grande potencial na região, mas para ter sucesso implica escala, poder financeiro, conhecimento técnico e mercados”.

 

ARROZ E PAPOILA DESAPARECEM

Em 2022, no EFMA não existiu qualquer área inscrita de arroz. O relatório diz que com a nova Política Agrícola Comum (PAC) torna-se necessário “avaliar o impacto das alterações ao nível das ajudas na rentabilidade da cultura do arroz e concluir se é justificado continuar com esta atividade”. Acresce que, admite a EDIA, “a tarifa de água para rega em Alqueva pode comprometer rentabilidade da cultura do arroz”.

 

Também a papoila desapareceu. Depois do aparecimento desta cultura, em 2012, assistiu-se a um aumento regular da área plantada, tendo atingido, em 2016, dois mil hectares. No entanto, três anos depois a área reduziu-se a zero. A razão que justifica a ausência de papoila em Alqueva prende-se “com a suspensão de atividade da Macfarland Smith, a única empresa que ainda operava em Portugal”, e é justificada “com a saturação do mercado mundial de substâncias opiáceas”.

 

FALTA MÃO DE OBRA

Cooperativa Agrícola de Beja e Brinches “A falta de mão de obra na região, (…) pode comprometer os trabalhos agrícolas e colheitas, situação parcialmente contornada por um processo que já se iniciou há algum tempo que é recebermos trabalhadores de outras nacionalidades”. No entanto, considera a Cooperativa Agrícola de Beja e Brinches, “devia haver uma maior fiscalização” por parte do Governo que “não se pode demitir das suas responsabilidades, passando-as a terceiros ou aos agricultores”.

 

SECA E GUERRA

Associação Nacional de Produtores de Cereais

"O ano de 2022 fica marcado [pela] seca extrema que assolou todo o País e o conflito na Ucrânia. Estes dois eventos tiveram enormes impactos neste setor: a seca, aliada às altas temperaturas na primavera, afetaram em muito o rendimento dos cereais de outono/inverno, e muitas searas perderam o seu potencial produtivo na totalidade, e as que podiam ser regadas tiveram produtividades médias”, fazendo com que 2022 “fosse o ano com menor produção de cereais, baixando assim, ainda mais, o nosso grau de auto-aprovisionamento de um bem essencial, quer para a alimentação humana, quer animal”.

ASSUMIR RESPONSABILIDADES

Associação Nacional de Produtores de Milho e Sorgo "A invasão da Ucrânia pela Rússia marcou de forma notória a campanha agrícola de 2022”, tendo provocado “um significativo aumento do custo dos fatores de produção, com especial destaque para os fertilizantes e para a energia, cujo valor mais do que duplicou”. No entanto, “os produtores nacionais de milho assumiram a sua responsabilidade, semeando uma área de 111 991 hectares”.  

ANO DE CONTRA-SAFRA

Olivum – Associação de Olivicultores do Sul “Na campanha 2022/23 o setor oleícola regista uma produção que ronda as 140 mil toneladas de azeite, o que traduz uma quebra média de 30 por cento face ao ano anterior, justificada por este ter sido um ano de contra-safra e de seca. Normalmente, a seguir a um ano recorde como foi o anterior, as árvores ficam mais pesadas pela grande produção o que acaba por diminuir a produção seguinte. Os fatores climáticos, como altas temperaturas na altura da floração, a escassa pluviosidade e de quantidade irregular também influenciaram uma quebra mais acentuada, em quantidade, nos olivais tradicionais, a rondar os 50 por cento”.

 VINHA RECUPERA

Comissão Vitivinícola Regional do Alentejo Os vinhos DOP e IGP da região do Alentejo tiveram em 2022 um ano recorde em termos de exportação, tendo atingido, até novembro, o valor de 78,6 milhões de euros (+14,9 por cento) e uma quantidade de 21,9 milhões de litros (+12,5 por cento) nos vinhos engarrafados. Esta valorização positiva refletiu-se no preço médio que atingiu 3,58 euros por litro (+2,1 por cento). No mercado nacional os vinhos do Alentejo recuperaram parte da quebra registada durante a pandemia de covid-19, com os consumidores a despender, até setembro, o valor de 249 milhões de euros (+27,3 por cento) em 42 milhões de litros (+8,2 por cento), resultados ainda inferiores aos registados no ano de 2019 (272 milhões de euros e 45 milhões de litros).

 

 

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