Diário do Alentejo

População estrangeira no distrito de Beja continua a aumentar

13 de janeiro 2023 - 16:00
Odemira é mais de um terço do total de residentes
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Texto Nélia Pedrosa

 

Os mais recentes relatórios do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, do Observatório das Migrações e da Pordata, referentes a 2021, indicam que a população estrangeira residente no distrito de Beja continua a aumentar, com destaque para o concelho de Odemira. Alberto Matos, membro da direção da associação Solidariedade Imigrante (Solim) e responsável pela delegação do Alentejo, sublinha que, “como estes números se referem apenas a imigrantes com título de residência emitido – o que, atualmente, demora pelo menos dois anos desde a apresentação da manifestação de interesse – há seguramente mais algumas centenas (perto de um milhar) de imigrantes residentes que não aparecem contabilizados nos Censos de 2021”.

 

A população estrangeira residente no distrito de Beja voltou a aumentar em 2021, de acordo com o mais recente Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo (RIFA) do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), totalizando, naquele ano, 15 953 cidadãos, mais 13,2 por cento do que em 2020. Beja é o segundo distrito a nível nacional, a seguir a Viana do Castelo, a registar a maior subida em 2021.

 

Ainda assim, o aumento foi menor do que o observado entre 2019 e 2020 (+15,8 por cento) Évora e Portalegre registam, igualmente, um acréscimo de população estrangeira em 2021, contudo, à semelhança de anos anteriores, muito inferior ao do distrito de Beja.

 

Segundo os dados do SEF, a população estrangeira cresceu 2,1 por cento no distrito de Évora (que totalizava 4903 cidadãos estrangeiros em 2021) e 4,5 por cento no distrito de Portalegre (2881 indivíduos). Também nestes dois distritos, o aumento do número de estrangeiros em 2021 não foi tão acentuado como no ano anterior: em Évora, entre 2019 e 2020, o aumento foi de 6,6 por cento, e, em Portalegre, de 8,8 por cento.

 

No distrito de Setúbal, que integra os concelhos alentejanos de Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém e Sines, verificou-se, igualmente, um acréscimo de população de nacionalidade estrangeira, com mais 9,8 por cento face a 2020, contabilizando 66 901 cidadãos. Este aumento foi, no entanto, também muito inferior ao verificado entre 2019 e 2020 (+ 17,2 por cento).

 

ESTRANGEIROS RESIDENTES EM ODEMIRA SÃO MAIS DE UM TERÇO DA POPULAÇÃO

O Relatório Estatístico Anual – Indicadores de Integração de Imigrantes 2022, do Observatório das Migrações, que se baseia em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e do SEF, entre outros, refere, por sua vez, que, “embora, em 2020 e 2021, os municípios do Algarve se continuem a destacar na hierarquia de municípios onde os estrangeiros assumem maior impacto no total de residentes, o município alentejano de Odemira tem ganho importância de forma muito rápida”.

 

E adianta: “Em 2018, na quarta posição, os estrangeiros representavam 24,9 por cento dos residentes [do concelho de Odemira], incrementando mais oito pontos percentuais (pp) em 2019 para 33 por cento e mais seis pp em 2020 para 39 por cento, aproximando-se cada vez mais do município que ocupa a segunda posição, embora perdendo ligeiramente importância em 2021, quando o impacto da população estrangeira residente desceu para 36,7 por cento (- 2,3 pp face ao ano anterior)”.

 

Odemira ocupa, assim, em 2021, o terceiro lugar na tabela dos 50 municípios em que a população estrangeira assume maior importância face ao total da população, com 10 927 estrangeiros residentes.

 

Da mesma tabela constam os municípios alentejanos de Cuba, em 26.ª posição, com 451 cidadãos de nacionalidade estrangeira (10,3 por cento do total da população), Ferreira do Alentejo, em 28.º, com 692 (nove por cento dos residentes), Ourique, em 37.º, com 383 (oito por cento) e Sines, em 44.º, com 14 304 (7,6 por cento).

 

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BRASILEIROS NO BAIXO ALENTEJO E INDIANOS NO ALENTEJO LITORAL 

Já o mais recente relatório da Pordata, a base de dados estatísticos da Fundação Francisco Manuel dos Santos, divulgado em dezembro último por ocasião do Dia Internacional dos Migrantes, coloca o concelho de Odemira, com 8319 cidadãos estrangeiros, “como o que que apresenta a maior percentagem de estrangeiros (28,2 por cento)” no total da sua população residente.

 

“Nos concelhos de Odemira, Vila do Bispo, Aljezur, Lagos e Albufeira, pelo menos um em cada cinco residentes são estrangeiros”, refere o documento, que se baseia em dados do INE.

 

No Alentejo, segundo o mesmo relatório, na última década (2011-2021), a população estrangeira aumentou 22,6 por cento, passando de 25 577 para 33 025 cidadãos. Por NUT III, o Baixo Alentejo (que para fins estatísticos corresponde ao distrito de Beja, excluindo o concelho de Odemira), tinha, em 2021, 4305 cidadãos estrangeiros; o Alentejo Central, 4025; o Alto Alentejo, 2231; e o Alentejo Litoral (que inclui Odemira e quatro concelhos do distrito de Setúbal), 11 574.

 

A população estrangeira residente no Baixo Alentejo, em 2021, provém, maioritariamente, do Brasil (16,9 por cento), seguido da Roménia (11,6 por cento) e da Índia (11,1 por cento), adianta a Pordata. No Alentejo Central e no Alto Alentejo, o Brasil e a Roménia ocupam, igualmente, os dois primeiros lugares no que toca às nacionalidades mais representadas.

 

Já no Alentejo Litoral, destacam-se a indiana (15,1) e a brasileira (13,0 por cento). A ucraniana aparece em terceiro lugar (3,4 por cento).

 

 "ALGUMAS CENTENAS (PERTO DE UM MILHAR) DE IMIGRANTES RESIDENTES NÃO APARECEM CONTABILIZADOS"

Alberto Matos, membro da direção da associação Solidariedade Imigrante (Solim) e responsável pela delegação do Alentejo, com sede em Beja, diz que os números apresentados pelos vários relatórios não surpreendem.

 

“Para quem acompanha a situação no terreno há mais de 20 anos, como a Solim, estes números não constituem surpresa: nem qualitativa, dado o peso esmagador dos imigrantes no trabalho agrícola e, embora em menor escala, na hotelaria, na construção civil e no pequeno comércio; nem quantitativa, pois apenas confirmam tendências que já se desenhavam”, refere ao “Diário do Alentejo”.

 

“Como estes números se referem apenas a imigrantes com título de residência emitido – o que, atualmente, demora pelo menos dois anos desde a apresentação da manifestação de interesse”, sublinha Alberto Matos, “há seguramente mais algumas centenas (perto de um milhar) de imigrantes residentes que não aparecem contabilizados nos Censos de 2021”.

 

Haverá também “quem, ao fim de cinco anos de residência legal, tenha obtido a nacionalidade portuguesa, embora a maior parte se tenha deslocado para os grandes centros urbanos ou para outros países da União Europeia”, frisa.

 

Em 2022, “até devido a um maior controlo da situação pandémica”, acrescenta o dirigente, “acentuou-se a tendência de crescimento da população imigrante, obviamente também no concelho de Odemira, um dos mais atingidos pela pandemia, devido às condições de insalubridade expostas em 2021. E houve fenómenos novos, como a vinda de centenas imigrantes timorenses enganados com promessas de trabalho na agricultura, embora a grande maioria já tenha abandonado o Alentejo”.

 

Segundo Alberto Matos, “é provável que se mantenha uma tendência de crescimento moderada da imigração no Alentejo, apesar da mecanização de culturas superintensivas de olival e amendoal, mas estas culturas para a exportação, tal como as das estufas de Odemira, estão muito dependentes dos preços fixados nos mercados internacionais e de fatores exógenos como crises, guerras, etc…”.

 

Quanto à distribuição desigual da população estrangeira no Alentejo – o distrito de Beja regista mais 11 mil do que Évora e mais 13 mil do que Portalegre –, o dirigente considera que “a grande diferença pode resumir-se numa palavra: regadio, no perímetro de rega do Mira, mas também no Alqueva”. E se Portalegre cresce mais (4,5 por cento) do que que Évora (2,1 por cento), “tal se deve às albufeiras de Montargil e do Maranhão – o olival intensivo disparou na zona de Avis”. Com “o alargamento do perímetro de rega de Alqueva ao Alentejo Central, é provável que a população imigrante em Évora cresça na próxima década”, realça.

 

AUMENTO DA IMIGRAÇÃO COM IMPACTO "CLARAMENTO POSITIVO" 

O impacto do aumento da população estrangeira, nomeadamente, na região, é, segundo Alberto Matos, “claramente positivo, como transparece nos Censos de 2021”. Desde logo, diz, “pelo saldo demográfico, num país e numa região deprimida e envelhecida que precisa da imigração como de pão para a boca. Mas também do ponto de vista económico, pois os imigrantes preenchem postos de trabalho em défice não apenas na agricultura, mas também na construção civil, na hotelaria e no comércio“.

 

O responsável realça que, em 2021, “o saldo positivo da contribuição dos imigrantes para a Segurança Social foi superior a 1000 milhões de euros, sendo um pilar da sustentabilidade a prazo do sistema, dada a média de idades dos trabalhadores imigrantes, na casa dos 30 anos”.

 

Mas este contributo positivo, frisa, “não se mede apenas por uma bitola economicista: a interculturalidade é uma das maiores riquezas. Basta citar o exemplo do agrupamento de Escolas de São Teotónio, com cerca de 50 por cento de crianças de origem estrangeira, de diferentes países e continentes, com projetos pedagógicos inovadores e onde não se coloca um problema crónico no Alentejo: o encerramento de escolas”.

 

Quanto aos maiores obstáculos a uma melhor integração das comunidades imigrantes, o responsável pela delegação do Alentejo da Solim aponta “a carência quantitativa e qualitativa de serviços públicos de saúde, educação, segurança social, finanças, justiça… que não acompanharam o crescimento demográfico, nomeadamente, em Odemira”.

 

E em relação às nacionalidades predominantes, adianta que “nas três primeiras décadas do século XXI têm variado: leste europeu, Brasil e América Latina, Ásia e sempre África, sobretudo ocidental”. “O nosso grande défice é não conseguirmos fixar estas populações, em especial os setores mais qualificados, nem sequer os jovens portugueses… pois continuamos a ser um país de emigrantes”, considera.

 

A finalizar, Alberto Matos sublinha que “a persistência de fenómenos como o trabalho escravo nalguns setores, como a agricultura, é um péssimo cartão-de-visita, absolutamente indigno e inadmissível no século XXI”.

 

Na introdução do Relatório Estatístico Anual – Indicadores de Integração de Imigrantes 2022, do Observatório das Migrações, a secretária de Estado da Igualdade e Migrações, Isabel Almeida Rodrigues, sublinha que “os imigrantes representam um contributo imprescindível para contrariar o inverno demográfico do País, com impacto muito significativo no saldo migratório que, desde 2017, veio a ser reforçado”.

 

E acrescenta: “O ano de 2021, profundamente marcado pelas restrições à mobilidade, ditou que tenhamos voltado a assumir um saldo populacional negativo, tendência que será previsivelmente contrariada pelo aumento da entrada de cidadãos estrangeiros em Portugal – o número de vistos de residência atribuídos em 2021 supera já em +18,3 por cento os vistos atribuídos em 2019, ano anterior à pandemia”.

 

ALUNOS ESTRANGEIROS CRESCEM 60,8 POR CENTO NOO ALENTEJO LITORAL 

No ano letivo de 2020/2021, segundo o Relatório Estatístico Anual – Indicadores de Integração de Imigrantes 2022, do Observatório das Migrações, encontravam-se matriculados na disciplina Português como Língua não Materna, nas escolas públicas do Alentejo Litoral, 195 alunos de nacionalidade estrangeira, mais 73 do que no ano letivo anterior (+ 60,8 por cento).

 

Na lista das regiões NUT III com maior número de alunos estrangeiros matriculados na referida disciplina, no ano letivo 2020/2021, o Alentejo Litoral ocupa a quinta posição, à semelhança do ano letivo 2019/2020.

 

De uma forma geral, observa a autora do relatório e diretora do Observatório das Migrações, Catarina Reis Oliveira, “os imigrantes tendem a apresentar maiores dificuldades em obter bons resultados escolares quando comparados com os nacionais dos países de acolhimento”.

 

E adianta: “Não sendo Portugal exceção neste domínio, nota-se, porém, nos últimos anos, uma evolução positiva no desempenho escolar dos estrangeiros matriculados, diminuindo a distância entre alunos estrangeiros e nacionais”.

 

"AGRUPAMENTO FAMILIAR PODE AJUDAR A CONSTRUIR COMUNIDADES LOCAIS"

Em entrevista ao jornal “Público”, publicada a 31 de dezembro último, Pedro Góis, professor de Sociologia das Migrações na Universidade de Coimbra, defendeu, como forma de minorar as “grandes dificuldades de interação” dos imigrantes do Sudoeste Asiático em Odemira e Aljezur, a promoção, por exemplo, de “um eficaz reagrupamento familiar, já que a grande maioria dos trabalhadores são ainda homens sozinhos”.

 

“A aceleração deste processo de agrupamento familiar pode ajudar a construir comunidades locais”, disse. O investigador defendeu, ainda, que a integração dos imigrantes “no nosso sistema político tem de acontecer muito rapidamente”, “sob risco de as pessoas se sentirem à parte da decisão”, e deu como exemplo Odemira. “(…) um concelho como Odemira, onde 30 por cento da população é estrangeira: se 30 por cento da população não puder votar, podemos estar a assumir as dores de um grupo que, na verdade, não participa na vida local. E aí poderemos ter fenómenos mais extremados a surgirem”.

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