Dulce Guerreiro, natural de Serpa, é escritora e poetisa, distinguida em concursos literários. Regressou à sua terra natal, após ausências entre Lisboa e Oxford (Inglaterra), acolhendo, definitivamente, o Alentejo como “porto de abrigo”. É tradutora, revisora e coordenadora de texto literário, tendo passado pela docência, período em que desenvolveu conteúdo lúdico-pedagógico para a infância. É professora voluntária na Academia Sénior de Serpa, cidade em que se expressa, no seu atelier, através das artes plásticas, matéria-prima da sua joalharia de autor.
Recentemente, apresentou na Biblioteca de Beja o livro "Além o Alentejo", obra poética que conta com as ilustrações da artista plástica Margarida de Araújo e com o apoio da Câmara de Serpa, na edição.
Texto José Serrano
O que nos traz este seu Alentejo poético?
Esta obra não se detém nos temas que apoquentam o Alentejo, atual. Traz-nos, antes, o retrato “dos poetas e pastores e cantes até às tantas”. É o resultado do desejo de homenagear, uma vez mais, este diminuto e tão grande recanto do mundo. O caminho para a sua realização iniciou-se por um encontro casual, entre mim, a Margarida de Araújo e o Rui Pereira, artista plástico, paginador e autor do prefácio. Há livros que não se fazem. Nascem. Neste caso, foi o que aconteceu.
Quanto de memória transportam as páginas deste livro?
Transportam a terna lembrança de um Alentejo, aparentemente, em vias de extinção. Não remetem à transformação da paisagem, mas ao deslumbramento das searas ondulantes, à vastidão da planície, às suas cores, aos seus cheiros, destacando a generosidade, graça e fortaleza da mulher alentejana, desde tempos imemoriais. Abstraem-se da modernidade dos trabalhos agrícolas, detendo-se na tradição antiga da voz, do gesto dolentes e do traje a preceito, para trabalhar a terra, com as mãos, e para guardar o gado, contemplando os céus.
De que forma a sua condição de alentejana influencia a sua reflexão poética?
Não penso que a minha condição de alentejana influencie, de modo geral, a minha forma de escrever. A escrita é uma viagem interminável à volta de um vasto mundo físico, mental, espiritual. Mas o facto de ser alentejana permite-me, escrevendo sobre o Alentejo, penetrar no mundo dos sentidos, muito para além da imaginação. É um mergulho profundo no que espigou e cresceu nas minhas infância e adolescência, para se fortalecer, enquanto adulta. A revisitação, quase tangível, de vivências passíveis de identificação com outras pessoas, que fizeram, ou fazem, deste lugar a sua casa.
O que mais deseja que esta obra traga a quem a vier a ler?
A diretora da Biblioteca de Beja, Paula Santos, referiu-se a esta obra como um livro-objeto. E foi, de facto, nosso propósito, que o livro se tornasse “material”, através do enlace poético entre as ilustrações, o texto, o tratamento gráfico, a escolha da capa dura e acetinada, a textura do papel…. É este todo, da obra, que desejamos possa tornar-se num objeto facilmente atraente à mão, podendo ser lido, olhado, tocado, sentido, de modo a despertar, a quem o leia, uma comoção – diante deste chão e das suas gentes, dos seus hábitos ancestrais e da sua incomparável capacidade de resiliência e superação.
Uma só estrofe, desta obra, que a defina…
“Contudo os homens cantam. Encostam-se
Ao brilho do cometa que chega nos olhos dos bichos
Cantam como se fossem
Apenas capazes de existir cantando”