Diário do Alentejo

Empresários do distrito dizem que semana de quatro dias não é prioridade

12 de novembro 2022 - 10:30
Viabilidade de algumas empresas da região “está em causa” devido ao aumento dos custos
Ilustração | Susa Monteiro/ ArquivoIlustração | Susa Monteiro/ Arquivo

Empresários do distrito de Beja consideram que este não é o momento para se discutir a proposta do Governo da semana de quatro dias de trabalho, uma vez que as empresas enfrentam dificuldades originadas pela crise energética, inflação e aumento das taxas de juro. A viabilidade de algumas empresas da região poderá estar em causa.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

O presidente da Associação Empresarial do Baixo Alentejo e Alentejo Litoral (Nerbe), David Simão, considera que o anúncio do Governo para avançar com a semana de quatro dias a partir do próximo ano, “apesar de ser um projeto-piloto”, pode ser “prematuro e, até, acarretar alguns riscos”, na medida em que “a ideia não se encontra ainda pensada e amadurecida de forma suficiente”.

 

Recorde-se que o Governo apresentou na semana passada na Concertação Social o projeto-piloto da semana de quatro dias de trabalho, que deverá arrancar em junho de 2023 em empresas do setor privado e também na administração pública.

 

David Simão sublinha que “esta não é altura ideal” para se discutir a semana de quatro dias, tendo em conta, entre outras questões, a atual “crise energética devido à guerra na Ucrânia; o contexto de saída da pandemia de covid-19, em que as empresas estão a ter dificuldade em adaptar-se; a inflação galopante; o aumento repentino e acentuado das taxas de juro; e a falta de profissionais nos diversos setores”. Para o dirigente, “tudo isto já constitui um desafio complexo e difícil, uma realidade adversa com que as empresas têm de lidar”.

 

“Não é o ano ideal [para se discutir a semana de quatros dias], para se aplicar uma medida que poderá ter consequências terríveis nas empresas devido à diminuição da sua carga de resposta, sem a preparação para garantir a produtividade naqueles horários”, reforça.

 

De acordo com David Simão, neste momento, a “quase totalidade” das empresas associadas do Nerbe “não está preparada para adotar esta medida, nem como projeto-piloto”. “As pequenas e médias empresas, que na maior parte constituem o nosso tecido empresarial, não estão preparadas para que, sem um estudo preparatório, se adote esta medida, até porque ia, com certeza, gorar as expetativas dos nossos clientes, que têm uma expetativa de produção e de disponibilidade que não se coaduna com esta semana de quatro dias”.

 

Poderá, contudo, “haver exceções”, frisa, “aquelas empresas que, pela sua área de atividade, não tenham atendimento ao público”.

 

“Mas, das conversas que tenho mantido com alguns associados que já manifestaram as suas preocupações sobre as regras e obrigatoriedade desta medida, o que têm manifestado é que as empresas não estão de todo preparadas para esta situação”, reforça.

 

Perante a “realidade adversa” com que as empresas têm de lidar, adianta o responsável, o Nerbe tem aconselhado os seus associados “a apurar os gastos e tudo o que é supérfluo para diminuir as ineficiências das empresas, aumentando, assim, a eficiência e optimizando o seu processo produtivo e a capacidade de resposta”.

 

David Simão considera, ainda, que deve haver “um escrutínio da parte do empresário relativamente às suas prioridades em termos de investimento, porque há que escolher, muitas vezes, entre continuar a investir ou criar reservas de capital para fazer face a este aumento de custos e de preços”.

 

Igualmente importante “é formar e fazer evoluir as equipas para que aumentem a sua produtividade e a sua eficiência”, e, também, “procurar formas de subir na cadeia de valor da comercialização dos serviços ou produtos para que se consiga uma receita adicional para fazer face aos custos”.

 

O responsável chama ainda a atenção para o já referido défice de recursos humanos em diversos setores, uma situação “grave”, “estrutural no País”, pelo que apela “a todos os governantes, seja a nível nacional, seja local, que empreendam esforços no sentido de criar condições – de saúde, de educação, de habitação – para reter talento, para fixar pessoas no interior, porque fazem muita falta para que se consiga dinamizar a economia regional”.

 

A finalizar, o presidente do Nerbe diz que, “nestes tempos que se adivinham de forte adversidade, o público e o privado têm de reflectir nos problemas em conjunto, para que se consigam encontrar soluções”.

 

VIABILIDADE DE ALGUMAS EMPRESAS DA REGIÃO ESTÁ EM CAUSA

O presidente no núcleo de Beja da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (Cppme), diz, por sua vez, que, face “às dificuldades” sentidas atualmente pelas empresas, a reflexão sobre a semana de quatro dias “não é prioritária”.

 

“Vivemos um momento muito complicado nas nossas empresas, um momento com muita indefinição. Estamos perante uma crise que se tem vindo a agravar. Saímos de uma pandemia mas entrámos numa recessão e numa espiral de inflação que leva muitas empresas a terem dificuldades em funcionar. Vivemos ainda a escassez de matérias-primas e o aumento dos custos dos combustíveis, e, portanto, estas são as nossas prioridades neste momento, mais do que a semana dos quatro dias”, acrescenta o também vice-presidente da Cppme.

 

Duarte Lobo sublinha, no entanto, que não têm “qualquer objeção à semana de quatro dias”, mas que pelas características das empresas que representam – “mais de 98 por cento são micro e pequenas empresas” –, a medida não terá “uma aplicabilidade muito grande” na região.

 

“Em estruturas familiares, em pequenas estruturas, em que muitas vezes é o próprio empresário que está a prestar o serviço ou a realizar a tarefa, será mais difícil de aplicar”, reforça. Contudo, frisa, “a ser legislada e se for, de certa forma, obrigatória”, a medida “não poderá ser um fator de desigualdade para os pequenos empresários” ao permitir, por exemplo, “o aumento da carga horária diária” que beneficiará, assim, “as empresas com maior estrutura, com maior capacidade, que tenham mais gente para funcionar em turnos”. E ao nível dos trabalhadores, acrescenta, “não poderá levar a uma perda de rendimentos”.

 

O presidente no núcleo de Beja da Cppme revela, ainda, que a situação das empresas do distrito de Beja “é muito preocupante” e que a “viabilidade” de algumas “está, neste momento, em causa”, devido ao aumento “dos custos, nomeadamente, energéticos e das matérias-primas”.

 

“Temos recebido bastantes relatos de empresas com dificuldades de funcionamento”, reforça Duarte Lobo, adiantando que, apesar de ainda não terem conseguido apurar o número de empresas do distrito de Beja que tenham encerrado no decorrer desde ano, tudo indica que “o ano irá fechar com um saldo provavelmente negativo, ou seja, com mais empresas encerradas do que aquelas que abriram”.

 

Perante “estes tempos difíceis”, e considerando que as micro e pequenas empresas, “estes projetos de vida”, têm um peso “muito significativo no setor económico”, a Cppme defende a aplicação de um conjunto de medidas, entre elas, “a continuação de apoios à recuperação, em especial nos setores mais afetados pela crise; a redução de custos de contexto, nomeadamente, combustíveis, energia elétrica, água e telecomunicações, através do controlo de margens grossistas e estabelecimentos de preços máximos; e a redução das taxas de tributação do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas”.

 

“Não estamos a pedir dinheiro, mas medidas de alívio e de controlo dos custos, que, efectivamente, melhorassem a situação de funcionamento das micro empresas. Gostaríamos de dizer que estamos a viver um momento melhor, mas a verdade é que não o podemos dizer”, conclui.

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