Diário do Alentejo

Banco Alimentar contra a Fome de Beja recebe cada vez mais pedidos

22 de outubro 2022 - 09:00
Na segunda-feira, dia 17, assinalou-se mais um Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza.
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

O Banco Alimentar Contra a Fome de Beja tem vindo a receber nos últimos meses mais pedidos de apoio alimentar por parte das instituições sociais do distrito, principalmente para fazer face ao aumento significativo de imigrantes a necessitar de ajuda.

 

Devido ao aumento das taxas de juro e do preço dos alimentos, a par do gás e da eletricidade, o presidente do banco alimentar acredita, no entanto, que “nos próximos meses” a situação das famílias também irá agravar-se, o que resultará num acréscimo de solicitações. O presidente da mesa do conselho geral do Núcleo Distrital de Beja da EAPN/ Rede Europeia Anti- Pobreza diz que “se antevêem tempos difíceis para todos”.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

 

O Banco Alimentar Contra a Fome de Beja tem vindo a registar nos últimos meses, “desde abril, maio”, um “aumento significativo de pedidos” por parte de instituições sociais do distrito para apoio alimentar. De acordo com José Tadeu Freitas, presidente do referido banco alimentar, verifica-se o aumento, por um lado, “do número de estrangeiros, quer trabalhadores, quer refugiados”, a necessitar de ajuda por parte de instituições “como a Cáritas de Beja ou a associação Estar, entre outras ao nível da área da Cimbal – Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo”, e, por outro, “do número de famílias”, embora “não com um peso tão expressivo” como a população estrangeira.

 

“O número de imigrantes a necessitar de apoio das instituições, quando não têm trabalho, tem um peso grande”, reforça.

 

A situação torna-se “ainda mais problemática”, acrescenta o responsável, tendo em conta que a quantidade de géneros alimentícios recolhidos em campanhas promovidas pelo banco alimentar nas superfícies comerciais tem vindo a diminuir.

 

“Vamos ter uma campanha no final de novembro e esperamos conseguir abastecer, de alguma maneira, o armazém, porque já está a ficar complicado”. José Tadeu Freitas acredita que nos “próximos meses” a situação das famílias irá agravar-se e que “venha a ser solicitado muito mais apoio ao banco alimentar”, porque “a classe média, média-baixa, está muito endividada e o aumento das taxas de juro do crédito à habitação, do custo de vida, devido à inflação, dos combustíveis, gás, eletricidade”, irá ter um impacto muito significativo.

 

“O problema é que saímos da pandemia de covid-19 e entrámos numa guerra europeia. Na pandemia as empresas tiveram dificuldades porque as pessoas não saíam para comprar. Agora as empresas vão ter dificuldades porque as pessoas não saem porque não têm dinheiro. Estamos a fazer tudo no sentido de termos em armazém bens que permitam fazer frente a situações que possam ocorrer. Temos de estar salvaguardados para situações complicadas. As famílias não têm reservas, por isso as instituições têm de ter. Mas não está a ser fácil”.

 

BANCO DE BEJA APOIA 4500 PESSOAS MENSALMENTE

O Banco Alimentar Contra a Fome de Beja apoia, mensalmente, através da entrega de cabazes alimentares, 38 instituições de solidariedade social do distrito, que depois os fazem chegar a cerca de 4500 pessoas com carências alimentares comprovadas residentes nos 13 concelhos que integram a Cimbal.

 

Estes cabazes, sublinha José Tadeu Freitas, são, no entanto, “um complemento, não o alimento de um mês”, porque não “há bens suficientes”. Pontualmente, “quando tem excedentes”, o banco alimentar apoia mais 27 instituições do distrito. E mantém, ainda, a entrega de cabazes de emergência, uma medida que se destina a apoiar quem se encontra numa situação difícil provocada pelo impacto social e económico da pandemia.

 

“Distribuímos mensalmente cerca de 8500 quilos. Nas duas campanhas que fazemos, em maio e em novembro/dezembro, recolhemos 13 000 quilos, ou seja, recolhemos 26 mil durante um ano e distribuímos 96 mil. O que recolhemos é muito pouco”, diz o responsável, frisando que “há muitas pessoas que não apoiam o banco alimentar porque acham que os bens são mal distribuídos, que são ajudadas pessoas que não deveriam ser, que quem está nas instituições é que leva as coisas para casa”.

 

“Isso é completamente falso”, garante José Tadeu Freitas, sublinhando que o banco alimentar vai às instituições “fazer verificações”, pelo que “é muito difícil haver desvios de bens”. Dentro do banco alimentar “é completamente impossível”, assegura, uma vez que todos os bens “são registados informaticamente, entram com uma guia, saem com outra, e a todo o momento sabemos quantos quilos temos de cada produto”.

 

O dirigente lamenta, ainda, que circulem nas redes sociais, geralmente “muito próximo das campanhas” de recolha promovidas pelo banco alimentar, “imagens de baldes do lixo carregados de alimentos novos”, dando a entender “que os alimentos já são tantos que até os deitamos fora”.

 

“As imagens são claramente fraudulentas, já se percebeu que algumas nem sequer são portuguesas, mas muitas pessoas acreditam que aquilo é real”.

 

As 70 toneladas em falta para atingir os 96 mil quilos distribuídos anualmente chegam ao Banco Alimentar de Beja através da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares – “de dois em dois meses trazemos camiões de Lisboa com produtos em fim de vida, como iogurtes, fruta, pão” –, de outros bancos alimentares “que têm excedentes”, assim como de outras campanhas de âmbito nacional promovidas pela federação.

 

O banco conta ainda com o apoio de duas empresas de Beja que contribuem, mensalmente, com 100 euros em produtos, de algumas empresas produtoras de azeite da região e de subsídios de algumas câmaras municipais do distrito.

 

Está, também, a candidatar-se a um programa do Ministério da Agricultura, na área dos “excedentes de produção”, pelo que prevê que “no próximo ano possa vir a beneficiar” desse projeto, “tendo em conta que na área da Cimbal já se produz muita fruta, para além de azeitona”, diz José Tadeu Freitas.

 

“Cada camião que vem de Lisboa com bens traz-nos custos. Temos vindo a receber alguns donativos financeiros que nos permitem suportar o transporte, 600 euros por camião, para ter aqui cinco, seis mil quilos de alimentos para doar num mês. É um custo significativo, mas temos de o fazer, caso contrário não teremos alimentos, porque os bancos alimentares do interior, como os casos de Beja, Évora, Portalegre e, provavelmente, Castelo Branco, são os mais pobres, uma vez que não se produz nada no interior que permita que haja excedentes que se possa ir recolher a grandes empresas. É completamente diferente do Oeste, por exemplo, em que qualquer produtor de pêra rocha dá três ou quatro mil quilos por mês ao banco alimentar, sem qualquer problema”.

 

A concluir, o responsável frisa que é importante não esquecer que “as instituições existem para apoiar aquilo que é uma responsabilidade do Estado, pelo que este tem de apoiar essas instituições para que possam ter excedentes alimentares para distribuir” pela população mais vulnerável.

 

IDOSOS, FAMÍLIAS COM BAIXOS RENDIMENTOS E COMUNIDADE CIGANA

O presidente da mesa do conselho geral do Núcleo Distrital de Beja da EAPN/Rede Europeia Anti- Pobreza sublinha, por sua vez, que em 2019 o Baixo Alentejo apresentava “os valores mais baixos da pobreza de sempre”, fruto de um conjunto de fatores.

 

“O Baixo Alentejo é, atualmente, uma região de oportunidades, que passam pelos seus recursos endógenos, por todo um conjunto de infraestruturas, como o Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva, o aeroporto de Beja, a que se soma a proximidade da Zona Industrial de Sines, que tem vindo a proporcionar novos investimentos, no território, no setor agrícola e agroindustrial, no setor turístico, na inovação e tecnologia, energia e em todo um conjunto de novas empresas de apoio e suporte a estas atividades, fator gerador de riqueza e criação de emprego”, diz João Martins.

 

Neste domínio, adianta, “um dos grandes desafios da região, por ventura o maior, passa, necessariamente, pela capacidade de retenção de pessoas e jovens e da atração de mão de obra qualificada e indiferenciada”.

 

Em 2020, contudo, “fruto da pandemia, que levou ao encerramento temporário de muitas empresas e pequenos negócios”, a pobreza aumentou, “afetando pessoas e famílias”. E, atualmente, “a guerra na Ucrânia está a gerar uma escalada na subida dos preços dos alimentos, combustíveis, energia, com o consequente aumento da taxa de inflação e das taxas de juro, o que começa a ser preocupante, existindo sinais da procura crescente de apoios de bens alimentares e outros para os quais as entidades que prestam este tipo de ajuda começam a ter dificuldade em dar resposta”.

 

A verificar-se o agravamento desta situação, diz, “antevêem-se tempos difíceis para todos”. De acordo com o responsável, “a população mais idosa, e com baixas reformas, e as famílias com filhos, com baixos rendimentos, são as mais afetadas pelo aumento da inflação verificada atualmente”.

 

No entanto, sublinha, “no distrito de Beja existem outros domínios e fatores de preocupação, no que concerne à pobreza e à exclusão social, nomeadamente, as condições de vida de algumas comunidades ciganas, como, por exemplo, a das Pedreiras, em Beja”.

 

Por outro lado, “o crescente aumento do fluxo migratório observado na região carece, de igual forma, de um acompanhamento e fiscalização adequados, que garanta condições de trabalho e de habitação condignas para todos, em que a todo o custo se tem de garantir a dignidade humana e, para isso, combater fenómenos de tráfico e escravatura de seres humanos”.

 

Sendo a pobreza “um problema de todos”, diz João Martins, “todos têm as suas responsabilidades”, pelo que o seu combate exige “medidas políticas ao nível europeu, a nível nacional por parte do Governo, a nível regional e local, a nível da responsabilidade social das empresas e ao nível do comportamento individual de cada cidadão, que não pode ficar indiferente a fenómenos de pobreza e exclusão social”.

 

A Rede Europeia, e o núcleo de Beja, “sempre deu a voz aos pobres e no seu trabalho em rede a nível nacional contribuiu para a apresentação e aprovação por parte do Governo de uma estratégia nacional de combate à pobreza”, afirma o dirigente.

 

E fruto “do reconhecimento do trabalho levado a cabo pela Rede Europeia Anti Pobreza e do seu contributo” para a referida estratégia, sublinha, “a diretora executiva da EAPN Portugal foi convidada pelo Governo e vai ser a nova coordenadora nacional desta estratégia”.

 

João Martins adianta, ainda, que o núcleo de Beja encontra-se, atualmente, “a partilhar informação e experiências com as suas congéneres espanholas, e outras entidades da Andaluzia, naquilo que são domínios e problemáticas emergentes e comuns as estas duas regiões” e que continua, de igual forma, “o trabalho em rede, o diagnóstico permanente, a divulgação de informação, e, o mais importante, o apontar de caminhos e respostas aos novos problemas e desafios potenciadores do aumento da pobreza e exclusão social”.

 

“Quando se fala de pobreza, esta não se resolve apenas por via de medidas de apoio social, importa, de igual forma, acautelar acesso ao trabalho, à saúde, à educação e à habitação”, reforça o responsável, acrescentando que “a pobreza não é apenas um problema dos pobres, é um problema da sociedade em geral, é um problema de todos nós. Os desequilíbrios e desigualdades são sempre potenciadores da pobreza”.

 

“A pobreza possui várias dimensões, pelas quais pode ser observada e analisada (cognitiva, económica, social, ética, espiritual, entre outras), sendo que nestas dimensões encontramos a ausência de valores, a orientação para o materialismo, para a destruição do pilar familiar, no fundo, fatores de pobreza humana geradores de outros tipos de pobreza”, conclui.

 

BENEFICIÁRIOS DE DESEMPREGO E RSI AUMENTAM

Os últimos dados divulgados pela Segurança Social indicam que no mês de agosto, no distrito de Beja, 2354 pessoas beneficiaram da prestação de desemprego, mais 14,7 por cento do que no mês anterior (+ 301 pessoas).

 

Em relação a agosto de 2021, registou-se uma diminuição de 14 por cento (- 383 pessoas), e, comparativamente a agosto de 2019, antes da pandemia, um aumento de 7,3 por cento (+ 160 pessoas). O valor médio do subsídio atribuído em agosto deste ano situava-se nos 506,36 euros, abaixo da média nacional (544,64 euros).

 

No que diz respeito ao rendimento social de inserção (RSI), em agosto usufruíram deste apoio 1703 famílias do distrito, com um valor médio por família de 340,81 euros, mais 79,87 euros do que o valor médio nacional.

 

A estas 1703 famílias correspondiam 4698 pessoas, sendo que o valor médio da prestação por beneficiário se situava nos 121,58 euros, mais seis cêntimos do que a média nacional. Comparativamente ao mês de julho, em agosto usufruíram do RSI mais oito famílias, o que corresponde a mais 19 pessoas.

 

O número de beneficiários de agosto deste ano aproximava-se dos valores registados em agosto de 2020, o primeiro ano da crise pandémica (1712 famílias, 4771 pessoas). Em agosto de 2019, antes da pandemia, beneficiaram do RSI 1648 famílias (4582 pessoas).

 

De acordo com os mesmos dados, em agosto deste ano usufruíram do complemento solidário para idosos 2214 pessoas, menos oito do que no mês anterior (-0.4 por cento) e menos 87 do que no mês homólogo de 2021 (-3,8 por cento). O valor médio do subsídio para idosos fixava-se, no referido mês, em 97,62 euros, um valor inferior à média nacional (109,7 euros).

 

CERCA DE 17 POR CENTO DA POPULAÇÃO DO ALENTEJO ESTÁ EM RISCO DE POBREZA

Segundo o relatório “Pobreza e Exclusão Social em Portugal”, divulgado recentemente pelo Observatório Nacional da Luta Contra a Pobreza e que conjuga dados de três indicadores do “Inquérito às Condições de Vida e Rendimento” – pobreza monetária, intensidade laboral e privação material e social severa –, em 2021 “a população em risco de pobreza ou exclusão social em Portugal aumentou em 12 por cento face ao inquérito anterior, o que corresponde a mais 256 mil pessoas”, situando-se, assim, nos 22,4 por cento.

 

Ainda de acordo com os dados do relatório, que “espelham o impacto de dois anos de pandemia nas condições de vida da população em Portugal”, o Alentejo tinha 17,1 por cento da sua população residente a viver abaixo do limiar de pobreza (limiar do rendimento abaixo do qual se considera que uma família se encontra em risco de pobreza), sendo a segunda NUT, a seguir à Área Metropolitana de Lisboa, com a menor taxa.

 

O relatório refere ainda que 4,5 por cento da população do Alentejo estava em privação material e social severa.

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