A Associação de Defesa do Património de Mértola está a desenvolver um projeto dirigido aos produtores de Mértola e Serpa, concelhos abrangidos pelo Parque Natural do Vale do Guadiana, que pretende aumentar a resiliência dos montados às alterações climáticas. O programa “+Solo+Vida foi apresentado publicamente nao passado dia 3 de outubro, em Mértola.
Texto Nélia Pedrosa
Aumentar a resiliência dos montados às alterações climáticas no Parque Natural do Vale do Guadiana, com base na cooperação e partilha, é o grande objetivo do programa “+Solo+Vida”, um projeto-piloto que foi apresentado publicamente na segunda-feira, dia 3 de outubro, às 15:00 horas, no Pavilhão Multiusos de Mértola.
Dirigido aos produtores de Mértola e Serpa, concelhos abrangidos pelo Parque Natural do Vale do Guadiana, o programa pretende implementar, numa área de 94 hectares, “um conjunto de 10 boas práticas com potencial de replicação”.
Maria Bastidas, coordenadora do projeto e técnica da Associação de Defesa do Património de Mértola (ADPM), a entidade promotora, explica ao “Diário do Alentejo” que o objetivo é que “os agricultores, em particular, das explorações agrossilvopecuárias, que são as predominantes na área do Parque Natural do Vale do Guadiana, incorporem um conjunto de boas práticas que lhes permita adaptarem-se às alterações climáticas, mas, em especial, melhorar o recurso solo, que é vital”.
Entre as 10 boas práticas agrossilvopecuárias propostas que se destinam a “recuperar a fertilidade e a produtividade”, a responsável sublinha, por exemplo, a gestão adaptativa do pastoreio, que permite, por um lado, “fazer o controlo da vegetação”, reduzindo-se o perigo de incêndio, e, por outro, aumentar os níveis de nutrientes do solo, “através das fezes dos animais”.
Maria Bastidas destaca ainda as medidas relacionadas com o controlo da erosão, tendo em conta a atual “degradação do solo” e “o incremento do número de eventos climáticos extremos”, e com a água, “um elemento que vai escassear cada vez mais”, pelo que é necessário “manter e preservar o que existe”.
Considerando que “o território de Mértola é um território que está marcado pela desertificação há longa data e que o agricultor sente na pele, e mais ainda depois de um ano de seca, quais são os efeitos disso”, a coordenadora acredita que o projeto, que decorrerá até dezembro de 2023, terá uma adesão significativa.
“É de esperar a adesão de vários agricultores, que querem, no fundo, experimentar soluções de adaptação para o que vai sendo cada dia mais comum. Já temos algumas manifestações de interesse, porque temos feito alguma divulgação, mas na apresentação pública será disponibilizada mais informação”, diz, adiantando que durante o mês de outubro pretendem “não só colher todas as intenções, como definir algumas práticas que irão ser implementadas nas explorações”, para, a partir de novembro, estarem preparados para passarem “à ação”.
“É evidente que cada boa prática terá um desenho específico, segundo a realidade de cada uma das propriedades”, frisa a responsável, acrescentando que no decorrer da aplicação do programa será feita uma avaliação “quer económica, quer ambiental do impacto” das medidas implementadas.
“Os dados e conclusões” que daí resultarem, diz Maria Bastidas, “permitirão perceber, no fundo, que estratégicas locais poderão ser implementadas e quais os benefícios desta metodologia de âmbito local”.
Agricultores “só têm a ganhar” com as boas práticas João Madeira, presidente da Cooperativa Agrícola do Guadiana, entidade parceira do projeto, considera, por sua vez, que “sendo a região de Mértola, infelizmente, uma das que, aparentemente, irá sofrer mais quer com o processo das alterações climáticas, que é algo concreto com que nos debatemos há já um par de anos, quer com uma das consequências das alterações climáticas que será, tanto quanto se percebe, a desertificação dos territórios rumo ao norte, este projeto é uma forma de nós ensaiarmos no terreno algumas medidas e algumas alterações de gestão que possam auxiliar os agricultores neste percurso que vamos ter obrigatoriamente de fazer”.
O também produtor de ovinos e empresário agrícola na região de Mértola adianta que os agricultores da região “só têm a ganhar se tiverem em carteira formas de suavizar ou até de anular alguns impactos que se espera que venham a fazer-se sentir”.
“As medidas propostas, na verdade, não são mais do que uma tentativa de dar ferramentas às pessoas para que elas consigam continuar a exercer o seu ofício, o seu ganha-pão”, acrescenta.
O presidente da Cooperativa Agrícola do Guadiana chama ainda a atenção para o facto de muitas das medidas “serem, do ponto de vista económico, pouco exigentes”, ou seja, “algumas delas revestem-se apenas da alteração da forma como as pessoas fazem as coisas”. Nesse sentido, diz, para além dos agricultores que integrarão o projeto-piloto, 27 no máximo, será importante “conseguir ter outros envolvidos e curiosos, porque muitas das medidas, na verdade, não têm um custo financeiro significativo”.
“Se as pessoas as entenderem, se se revirem nelas, poderão começar a executá-las à sua medida e de acordo com os ritmos de cada um”, reforça.
Do conjunto das 10 boas práticas, o produtor salienta, como tendo “grande potencial de produção de resultados”, as que se destinam à proteção do montado, “não apenas à azinheira e ao sobreiro, mas a todas as árvores que podem acompanhar estas duas espécies”.
“Neste quadro de alterações, principalmente, tendo em conta que vamos ter um aumento significativo da temperatura, a existência de árvores no campo é um dos fatores críticos de sucesso para o futuro de uma exploração agrícola, porque as árvores, além de serem uma riqueza por si só, são fontes de sombra e a sombra é uma das questões mais relevantes se considerarmos um quadro em que as temperaturas vão aumentar significativamente”, esclarece.
João Madeira frisa, ainda, que “o agricultor só terá de manifestar o interesse” em participar no programa, durante a sessão de apresentação pública ou posteriormente, “e depois, em função da circunstância de cada um e das medidas que estiverem disponíveis para executar, assim se farão os arranjos logísticos”.
O programa territorial +Solo+Vida foi um dos quatro projetos aprovados, a nível nacional, pelo fundo EEAGrants, no âmbito dos “Projetos de preparação para condições meteorológicas extremas e de gestão de riscos no contexto das alterações climáticas”. Para além da Cooperativa Agrícola do Guadiana, tem como entidades parceiras a Natural Business Intelligence, a Universidade do Algarve e a International Development Norway.
APRESENTAÇÃO PÚBLICA
Para além da apresentação do programa “+Solo+Vida”, a cargo de Maria Bastidas e de João Madeira, o evento contou com a participação de Teresa Pinto Correia, da Universidade de Évora, e de uma equipa técnica do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (Ana Cristina Cardoso, Teresa Silva, José Faustino e Guilherme Santos), que apresentaram o resultado “de projetos e iniciativas dirigidas aos agricultores locais, com linhas de atuação comuns ao ‘+Solo+Vida’, entre as quais, a conservação do solo, a promoção da agricultura sustentável, a regeneração do montado e o restauro de habitats de ecossistemas”.