Diário do Alentejo

Ambição na primeira edição do “tímido” Festival Futurama

24 de setembro 2022 - 12:00
O evento decorre nos fins de semana entre hoje e 22 de outubro
Foto | Ecossistema Cultural e Artístico do Baixo Alentejo - FuturamaFoto | Ecossistema Cultural e Artístico do Baixo Alentejo - Futurama

Beja, Mértola, Serpa e Castro Verde recebem a 1.ª edição do Festival Futurama que promete ser “um espaço de liberdade, celebração, circulação de ideias, experimentação artística e Outridades”, promovendo a diversidade, a representatividade, a inclusão, a cidadania e a curiosidade.

 

Texto Ana Filipa Sousa de Sousa

 

Com uma forte aposta na multidisciplinaridade e na transdisciplinaridade, o Festival Futurama, da responsabilidade do Ecossistema Cultural e Artístico do Baixo Alentejo - Futurama, apresenta-se ao público com uma programação “do que é feito no mundo” com “artistas locais, de outras regiões do país, estrangeiros, brancos, afrodescendentes e ciganos”.

 

Ainda que “tímido” na maioria dos aspetos, principalmente ao nível de apoios económicos, esta 1.ª edição promete dar a conhecer novas visões, artistas e projetos pouco comuns na região.

 

“O Festival vai dar a conhecer a estreia de projetos e, por outro lado, serve de autêntica plataforma de experimentação, onde cabem novas colaborações entre artistas portugueses e espanhóis, acolhe artistas de prestígio nacional e internacional que apresentam instalações que entram em ressonância com o território local, dá a conhecer artistas de outros circuitos que normalmente não passam pelo Alentejo e que o público local vai poder descobrir, as suas linguagens e estéticas, em primeira mão”, explica, ao “Diário do Alentejo” (“DA”), o diretor artístico do evento, John Romão.

 

Com o festival a passar pelos municípios parceiros, ou seja, Beja, Mértola, Serpa e Castro Verde, os objetivos são claros: apresentar publicamente os seus próprios projetos, inaugurar um novo circuito de programação cultural mais diverso e plural, incentivar o gosto pela cultura ao nível regional e provar aos municípios parceiros que há benefícios em trabalhar em parceria.

 

“QUEREMOS QUE O PÚBLICO SE APROPRIE DA PROGRAMAÇÃO”

Ainda sem a divulgação completa do cartaz, a certeza que é dada é que este será dirigido para um “público intergeracional” e que contará com oito grupos de cante alentejano, os artistas portugueses Carincur e João Pedro Fonseca, a coreógrafa Cláudia Dias, os performers Ana Borralho e João Galante, os músicos Filipe Sambado e Yamila, o artista visual Fidel Évora, os dj’s Stá, Nídia e ZenGrxl, o poeta António Poppe, o grupo de música cigana La Família Gitana, os guitarristas Gaspar Varela e Yerai Cortés e a harpistas espanhola Angélica Salvi.

 

Com um total de sete dias, o Festival Futurama foi criado com o propósito de despertar a curiosidade do público e levá-lo a “experimentar a programação” sem qualquer tipo de vergonha. Este é um evento pensado para ser experienciado com sessões e espetáculos pontuais ou de forma corrente e complementar “de manhã até de madrugada”, permitindo que o público passe um dia completo, se quiser, a assisti-lo.

 

À semelhança do que tem vindo a acontecer com outros festivais, também este passar-se-á maioritariamente em espaços públicos, em áreas exteriores, patrimoniais, culturais e verdes, de modo a juntar a “beleza arquitetónica e natural” à cultura trazida pelos artistas.

 

A novidade desta 1.ª edição prende-se com o preço dos bilhetes para assistir ao festival, onde é o próprio espetador a defini-lo, a partir de um euro. Segundo John Romão, esta foi a estratégia encontrada para fazer o público refletir quanto ao valor que a cultura tem na sociedade, assim como, não excluir de antemão qualquer classe social através do fator económico.

 

De um modo geral, deste primeiro ano espera-se um público instigado, “que tenha curiosidade e se permita experimentar a programação que estamos a preparar, que se aproprie dela e que a faça sua”, participativo, audaz e que “aprenda coisas novas com os artistas”.

 

ESTE É UM FESTIVAL QUE “SERVE DE PULMÃO PARA A DEMOCRACIA E LIBERDADE”

Segundo o diretor, de 38 anos, a importância deste festival é ampla. Além de contribuir para a literacia cultural da região, com a união de “territórios artísticos e estéticas diferentes”, vem também servir de “pulmão para a democracia e liberdade”.

 

O cariz inclusivo, múltiplo e representativo na escolha “de artistas de etnias e identidades de géneros diversas” carrega consigo uma mensagem subliminar: o valor da comunhão, do diálogo, da partilha, do conhecimento e da diversidade, neste caso, em torno da música, das artes visuais do cinema, da performance e da educação.

 

Para John Romão, o Festival Futurama vem, também ele, ser “um reforço positivo” para o Baixo Alentejo, no que diz respeito à promoção da cultura e dos seus capitais simbólicos e para o desenvolvimento do tecido social, económico e politico.

 

“Um festival é sempre uma janela de oportunidade para promover o capital cultural e simbólico de uma região, e é por isso que a programação que desenvolvo no Festival Futurama implica grupos de cante alentejano locais e o desafio de jovens da região a colaborar entre si e a implicarem grupos artísticos em apresentações públicas”. Por outras palavras, este vem “inspirar-se no contexto local para recontextualizar projetos já existentes”, afirma.

 

A despreocupação da maior parte dos municípios para com a programação cultural, a falta de pluralidade, a inexistência de uma estratégia cultural continuada, sustentável e consequente e a cada vez maior afluência a uma “cultura avulso” são os principais pontos que preocupam o também programador do Futurama.

 

John Romão, ainda que otimista quanto ao futuro do setor, garante ao “DA” que “ainda há muito espaço para melhorar”, principalmente junto do público jovem.

 

Existe “um sistema de produção e apresentação um pouco viciado, onde não se almeja suficiente diversidade de vozes, de linguagens e de estéticas capazes de contribuir para novas perspetivas, abrir novas sensibilidades, promover lugares de confiança e de pertença junto de novos públicos. Com uma programação dirigida sobretudo para a população adulta e envelhecida, coincidente com a maioria dos eleitores”, desabafa.

 

Ainda assim, o caminho mostra-se sorridente. O número cada vez mais frequente de agentes culturais independentes locais que adotam práticas mais contemporâneas e de qualidade, o surgimento de alguns municípios empenhados em crescer e acolher novos contributos criativos e o movimento migratório artístico para algumas sub-regiões do Alentejo são sinais claros da evolução, gradual, que já se começa a notar na região.

 

PARA O FUTURO QUEREMOS “EMPODERAR E REPRESENTAR NOVOS MODOS DE FAZER, DE VER E DE PENSAR”

Em contagem decrescente para o início desta 1.ª edição, John Romão anseia que “corra conforme o planeado” e que seja possível durante os sete dias “alavancar uma comunhão, um diálogo e uma partilha entre públicos de idades e conhecimentos diversos”, assim como assegurar o compromisso assumido em torno da diversidade.

 

Para os próximos anos, as metas também já estão traçadas. O diretor deseja que o Festival Futurama ganhe “uma centralidade na exploração de novos formatos e de novos espaços, ampliando diálogos entre artistas de práticas e linguagens diferentes, e aportando a dimensão educativa e inclusiva, que já faz parte da nossa identidade”.

 

Este caminho só será possível, a longo prazo, construir-se “coletivamente”, tendo as parcerias um papel fundamental. Para a edição de 2023 perspetiva-se que uma das novidades seja a entrada do município de Vidigueira para um dos locais por onde o festival passará, face à aposta já pensada por parte das duas entidades.

 

 “Este ano iniciámos também uma parceria com o município da Vidigueira, onde teremos duas atividades de programação regular, uma residência artística e um workshop para jovens do município. Esta é uma forma de dar início a uma parceria que se vai musculando e que potencialmente poderá passar a integrar também o Festival Futurama, no futuro”, revela John Romão.

 

A certeza, para já, é a vontade de continuar a investir na cultura, no Ecossistema Cultural e Artístico do Baixo Alentejo – Futurama e no próprio festival para que este “seja mais um contributo para empoderar e representar novos modos de fazer, de ver e de pensar”.

 

 

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