Diário do Alentejo

Agricultores não aceitam explicação do ICNF

16 de maio 2022 - 10:15
Zona Especial de Conservação Moura/Barrancos: proprietários equacionam recorrer a tribunais para travar plano de gestão

O plano de gestão da Zona Especial de Conservação de Moura/Barrancos, proposto pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), tem sido criticado pelos agricultores. Numa recente edição demos conta dos seus protestos e, posteriormente, tentámos ouvir os argumentos do regulador. Em resposta às questões colocadas pelo “Diário do Alentejo” o ICNF diz que “partilha a convicção de que o plano de gestão deve obrigatoriamente minimizar ou anular o risco de prejudicar, a prazo, grandemente a produção e como consequência a sustentabilidade total do ecossistema. No entanto, os empresários consideram que as medidas são “um ataque aos direitos fundamentais dos cidadãos e agricultores e ao uso e gestão da propriedade privada”.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

O Plano de Gestão da Zona Especial de Conservação de Moura/Barrancos não é consensual. Por um lado os agricultores consideram-no “extremo”, feito “à revelia dos agricultores” e que a Política Agrícola Comum (PAC) já obriga “a cumprir requisitos ambientais, dos quais decorrem a conservação do meio ambiente e toda a comunidade biótica lá existente”; por outro, o ICNF diz que o documento tem em conta a “produção” e a “sustentabilidade total do ecossistema”.

 

Em resposta ao “Diário do Alentejo” o ICNF explica, em termos genéricos, o regime das Zonas Especiais de Conservação (ZEC) a que se aplicam “as disposições (e restrições) previstas no regime jurídico da rede Natura 2000”.

 

Os planos de gestão visam identificar “de modo objetivo e transparente” quais os objetivos e prioridades de conservação específicos de cada ZEC, quais as pressões que contribuem para o atual estado de conservação das espécies e habitats de ocorrência significativa na ZEC e “quais as medidas de conservação cuja aplicação é necessária para assegurar que esse estado de conservação é favorável, designadamente através do controlo ou minimização das pressões negativas que o condicionam”, explica o ICNF.

 

Diz o instituto sob a tutela do Ministério do Ambiente que esta “abordagem não pretende, nem deve ser, prescritiva para além do que é imposto pelas necessidades de conservação identificadas associadas às exigências ecológicas dos valores a conservar, permitindo o plano de gestão diminuir a discricionariedade e aumentar a transparência das decisões a tomar relativamente à mera aplicação do Decreto-Lei no 140/99, de 24 de abril”.

 

“As medidas de conservação complementares identificadas são de natureza estritamente voluntária, contratual ou administrativa, e as medidas regulamentares, no âmbito do ordenamento do território ou de outras intervenções e usos do espaço e do solo decorrem dos regimes legais já em vigor, desde logo o próprio regime jurídico da rede Natura 2000, mas também regimes jurídicos como o da arborização e rearborização, da água, das espécies exóticas invasoras ou dos recursos geológicos”, diz o ICNF.

 

O ICNF partilha a convicção de que o plano de gestão deve obrigatoriamente minimizar ou anular “o risco de prejudicar, a prazo, grandemente a produção e como consequência a sustentabilidade total do ecossistema”, certamente por razões de ordem social e económica, mas desde logo porque tal colocaria em causa os objetivos de conservação da ZEC que, maioritariamente, dependem da manutenção de determinadas práticas agrícolas e florestais extensivas. Cabe às políticas públicas e às fontes de financiamento que lhes estão associadas, e que são identificadas nas fichas de medida do plano de gestão, suportar a economia de conservação dos territórios das ZEC aos quais estamos legalmente vinculados, apoiando o fornecimento e também remunerando os serviços de biodiversidade a fornecer por proprietários, produtores e gestores.

 

“DESADEQUADO DA REALIDADE”

Confrontados com os argumentos do ICNF, a Associação dos Jovens Agricultores de Moura (AJAM) reconhece que estando a região “incluída na Rede Natura 2000 está sujeita à existência de um Plano de Gestão”, mas dizem que o plano “nunca existiu e volvidos 22 anos pretendem, em cima do joelho apresentar um documento desadequado da realidade e do seu propósito”.

 

Acusam ainda o ICNF de “pretensamente” ter ouvido as propostas dos agricultores e da Câmara Municipal de Moura, já que “nem uma única vírgula do proposto foi espelhada no documento final apresentado”, considerando que este é de “baixíssima qualidade e rigor científico” e “onde falhas graves se sucedem”.

 

E a AJAM elenca as falhas: a contradição entre a exposição do plano que refere ser imprescindível o mosaico agroflorestal para se atingirem os objetivos de conservação e as medidas em consulta pública; insuficiência de cartografia e ausência de limites; ausência de qualquer previsão das fontes de financiamento do projeto; divergências entre documentos de consulta dirigida em 2021 e no apresentado para consulta pública em 2022 e face ao regime legal aplicável; a inexistência no plano de gestão, de cálculo relativo à perda de rendimento provocados pelas “restrições” e às medidas de apoio propostas.

 

Acusam ainda o ICNF de “ignorar” a resolução da Assembleia da República n.º 140/2017 que recomenda ao Governo que “elabore com os interessados o plano de gestão para o Sítio Moura/Barrancos e a Zona de Proteção Especial (ZPE) Mourão/Moura/Barrancos, da Rede Natura 2000; garanta “o financiamento adequado à implementação do plano de gestão, nomeadamente o estímulo à atividade, à compensação por perdas de rendimento e à revitalização do mundo rural; [e] estimule o desenvolvimento de modelos de atividade económica que compatibilizem a salvaguarda dos valores naturais com as atividades humanas, com destaque para a agropecuária”, para além de propor a reavaliação da “possibilidade de compatibilizar as culturas de regadio com a salvaguarda dos valores naturais”.

 

Nada destas questões “foi tomado em conta”, diz a AJAM, considerando que se “voltou atrás no tempo” com “propostas de medidas proibitivas e limitadores dos direitos dos proprietários”.

 

Os jovens agricultores de Moura fizeram ainda um exercício que vale o que vale, mas que consideram “revelador” e que tem a ver com as vezes que certas palavras são escritas no documento apresentado: Interditar/interdição (14), condicionar/condições (69), conservar/conservação (366), lince (37), morcego (46), compatibilizar (0), rendimento (1), pessoa (2), cortiça (2), cereais (0).

 

“Perante a forma como foram ignorados os agricultores em todo este processo, encaramos propor uma acção judicial contra quem de direito, ponderando-se até o recurso a uma ação popular; de forma a garantir que os interesses e direitos dos cidadãos e agricultores sejam considerados”, afirmam.

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