Diário do Alentejo

Petição a decorrer para reversão do hospital de Serpa

11 de maio 2022 - 17:00
Documento já conta com mais de 1000 assinaturas*

O Movimento pela Defesa do Hospital de São Paulo, em Serpa, tem a decorrer uma petição pública onde reclama a reversão da gestão da instituição para o Serviço Nacional de Saúde. A falta de médicos está na origem da reivindicação. Já o provedor da Santa Casa da Misericórdia refere que tudo será feito para o não encerramento do serviço.

 

Texto Marco Monteiro Cândido

 

Denunciar o acordo de gestão tripartida entre a Santa Casa da Misericórdia de Serpa, (SCMS) a Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (Ulsba) e Administração Regional de Saúde do Alentejo (ARSAlentejo) assinado em 2014; reverter a gestão do Hospital de São Paulo para a esfera pública do Ministério da Saúde, integrando-o no Serviço Nacional de Saúde; criar condições para o correto funcionamento do hospital, garantindo meios financeiros e recursos humanos para uma prestação de cuidados de saúde de qualidade em prol da população. São estas as reivindicações que constam na petição pública, com mais de 1000 assinaturas* até ao momento, uma iniciativa do Movimento de Defesa do Hospital de São Paulo.

 

Criado há cerca de um mês, o movimento pôs o documento a circular no concelho de Serpa e na internet, a meio de abril, como reação ao não funcionamento do serviço de urgência do hospital, onde “há grande carência de médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares”, conforme está descrito na petição. Segundo o porta-voz do mesmo, Luís Mestre, em declarações ao “Diário do Alentejo” (“DA”) o serviço de urgência do hospital “tem-se degradado” ao longo do tempo, mas com especial incidência em 2022. “Já havia alguns dias com falhas de médicos, durante o dia e também durante a noite. Desde o início do ano, o serviço não funciona da meia-noite às oito, em dia nenhum, não existe médico. E, mais recentemente, chega a haver 3 e 4 dias da semana em que nem de noite, nem de dia há médicos. Está a porta aberta só com administrativos porque não há serviço”.

 

Apesar de ainda não terem chegado à fala com a SCMS, Luís Mestre sublinha que “a justificação que vem a público é que não há médicos”, mas que o movimento sabe que “alegadamente, há médicos, mas que não vêm porque têm os salários em atraso desde dezembro”. O porta-voz do movimento refere ainda que o serviço de urgência “representa um encargo que a Santa Casa [da Misericórdia de Serpa] não está a conseguir suportar”.

 

Com a petição ainda a decorrer e com algumas manifestações já efetuadas junto ao hospital, Luís Mestre não prevê qual o desfecho da situação, por enquanto, preferindo aguardar pela entrega do documento junto da Assembleia da República. “Conforme a situação for evoluindo, assim teremos que adaptar e fazer novas ações, certamente”.

 

EM CIMA DA MESA NUNCA PODE ESTAR O ENCERRAMENTO DO SERVIÇO

A propósito da petição que está a decorrer, o provedor da SCMS, António Sargento, referiu ao “DA” que o que está em vigor (entre a SCMS, a Ulsba e a ARSAlentejo) é “um acordo a 10 anos com o Estado Português” e que, não tendo sido solicitado pela SCMS, se “o Estado decidisse por bem assumir a urgência do hospital, nós não teríamos nada a opor, ou seja, estaríamos cá para negociar. Para que em cima da mesa esteja sempre uma única coisa: o não encerramento do serviço. A posição da Santa Casa é, única e exclusivamente, essa”.

 

Para António Sargento há, desde logo, alguma confusão nesta matéria, já que o Hospital de São Paulo é uma coisa e o Serviço de Urgência Avançado (SUA) é outra. “Aquilo que se entende por hospital, o edifício, é pertença da Santa Casa. No piso um funcionam cuidados continuados, convalescença e paliativos, o que não tem nada que ver com este acordo. Em relação ao piso zero, onde funciona o SUA, se for entendimento, de alguma das partes que está no acordo, denunciá-lo, isso pode ser feito anualmente, sendo que finda após 10 anos, ou seja, faltam dois”. Para o provedor da SCMS, o que se está a pedir é “uma coisa com a qual a Santa Casa também estará articulada na melhor defesa da população e deste serviço, senão não tinha feito este esforço durante oito anos para o manter”. O responsável sublinha que, ao longo do tempo, a SCMS tem tentado honrar e cumprir o acordo feito, assumindo que, “se alguma das partes achar por bem que melhor pode servir a população”, a instituição que dirige “em nada se oporá a isso, pelo contrário. Fará parte da solução”.

 

No entanto, antevendo o pior, António Sargento ressalva que há “o sentimento, ou os sinais”, de que se a SCMS desistir do projeto do SUA, devolvendo-o ou cumprindo, por exemplo, com o que está explanado na petição “de forma brusca, no outro dia está encerrado”. “Posso estar muito enganado, mas estes têm sido os sinais. Por isso, queremos ir por outra via: tentar sensibilizar, negociar, sentar à mesa os responsáveis da região, tanto a autarquia, com a ARS, como a Ulsba, de forma a encontrarmos a melhor solução, sendo que, em cima da mesa, nunca pode estar o encerramento do mesmo. Essa é a posição clara da Santa Casa”.

 

A FALTA DE MÉDICOS E OS SALÁRIOS EM ATRASO

No que diz respeito à questão da falta de médicos, que tem sido levantada sistematicamente e que o Movimento de Defesa do Hospital de São Paulo enfatiza, António Sargento começa por apontar que essa necessidade “tem sido notória em todo o lado e em todos os sítios”, já que ainda se está a sair de uma pandemia, o que considera ser uma batalha duríssima para todos. “Vivemos momentos conjunturais muito especiais, nomeadamente com um Governo a duodécimos, uma crise energética, uma pandemia que consumiu muitos dos recursos e dos médicos para outros locais que eram centros covid. Portanto, tudo isto faz tremer as estruturas e faz com que haja mais dificuldade. Mas, por exemplo, ainda agora conseguimos a captação de mais um médico, de Setúbal. Tomara nós termos cada vez mais médicos, na nossa região, para captar. Mas vamos tendo é cada vez menos”.

 

Não obstante, e face às alegações de que o SUA não tem tido médicos durante a noite e, algumas vezes na semana, durante o dia, devido a salários em atraso por parte da instituição que dirige, António Sargento refere que “o movimento terá que perguntar à Santa Casa o que é que na realidade se passa, o que foi discutido com os médicos e quais as dificuldades” que a sua instituição enfrenta. “Porque, sendo assim, todos os outros médicos que lá estão também estariam nas mesmas condições”.

 

Assumindo que a questão não pode ser generalizada dessa forma e que houve, efetivamente, algumas dificuldades no último mês de 2021 e nos dois primeiros de 2022, António Sargento reitera que os constrangimentos, que sempre têm existido em conseguir médicos em quantidade suficiente para cobrir as escalas num serviço de 24 horas, não estão relacionados com salários em atraso. “A tomada de decisão de que não havia, no período noturno, médicos para fazer face à escala é de 14 de dezembro do ano passado. Essa notória falta de médicos para escala já era sentida em dezembro, tanto que o conselho de administração, na altura, expôs a situação desta forma: a partir de 1 de janeiro não temos capacidade de escala, a nível de médicos, para fazer face às 24 horas. E foi feita uma reunião com a Ulsba, a qual não viu grande problema porque teria consciência da dificuldade que havia de captação de médicos”.

 

A cumprir o último ano do presente mandato como provedor da SCMS, António Sargento insiste na ideia central que deve nortear todo o processo: fazer de tudo para o não encerramento do Serviço de Urgência Avançado do Hospital de São Paulo.

 

* número contabilizado aquando do fecho da edição no dia 27 de abril de 2022

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